Conto

Uma Loureira

1872
Este conto foi originalmente publicado no Jornal das Famílias em maio e junho de 1872, assinado por Lara. O texto desta edição eletrônica foi cotejado com o da publicação original.

IV

Qual era a causa da tristeza ou aborrecimento de Luísa?

Quem a adivinhou foi Chiquinha. A causa foi um despeito de moça bonita. Alberto era amável demais, amável com todos, olhando para ela com a mesma indiferença com que olhava para as outras pessoas.

Luísa não queria ser olhada assim.

Imaginava ela que um rapaz que fizera uma viagem para vir apresentar-se candidato à sua mão devia prestar-lhe alguma homenagem, em vez de a tratar com a mesma delicadeza que dispensava aos outros.

No dia seguinte estas impressões de Luísa estavam mais dissipadas. O sono foi a causa disso, e também a reflexão.

"Talvez que ele não ousasse...", pensava ela.

E esperou que ele lá fosse nesse dia.

Pouco depois do almoço recebeu Luísa uma carta do alferes Coutinho. O namorado já tinha notícia do pretendente, e escrevera a epístola meia lacrimosa, meia ameaçadora. Era notável o seguinte período:

... Podes, mulher ingrata, calcar a teus pés o meu coração, cujo crime foi amar-te com todas as suas forças, e palpitar por ti a todas as horas!... Mas o que tu não podes, o que ninguém poderia, nem Deus, é fazer com que eu te não ame agora e sempre, e até debaixo da fria campa!... E um amor destes merece desprezo, Luísa?...

A epístola do alferes impressionou a moça.

"Este ama-me", pensava ela, "e o outro!..."

O outro chegou pouco depois, já reformado na roupa, já mais cortesão com a moça. Um quarto de hora bastou para que Luísa modificasse a sua opinião a respeito do rapaz.

Alberto aproveitou as liberdades que lhe davam com ela para lhe dizer que a achava mais bela do que a sua imaginação sonhara.

- E de ordinário - acrescentou ele -, a nossa imaginação nos ilude. Se desta vez estive abaixo da realidade, a causa disto é que a sua beleza está além da imaginação humana.

Neste sentido fez o noivo um discurso obscuro, oco e mal alinhavado, que ela ouviu com delícias.

- Veio de tão longe para zombar de mim? - perguntou ela.

- Zombar! - disse Alberto ficando sério.

- Oh! Perdão - disse ela -, eu não queria ofendê-lo; mas creio que isso só por zombaria se poderia dizer...

- Oh! Nunca! - exclamou Alberto apertando docemente a mão de Luísa.

O comendador surpreendeu esta cena, e a sua alegria não conheceu limites. Todavia era conveniente dissimulá-la, e assim o fez.

- Tudo caminha bem - dizia ele consigo -. O rapaz não é peco.

E não era. Nessa mesma tarde perguntou ele a Luísa se queria aceitá-lo por esposo. A moça não contava com esta pergunta a queima-roupa e não soube que lhe responderia.

- Não quer? - perguntou o rapaz.

- Eu não disse isso.

- Mas responda.

- Isso é com meu pai.

- Com seu pai? - perguntou Alberto espantado -. Mas ele governa então o seu coração?...

Luísa nada respondeu, nem podia responder. Houve um longo silêncio; Alberto foi o primeiro que falou.

- Então - disse ele -; que me responde?

- Deixe-me refletir.

Alberto fez uma careta.

- Refletir? - perguntou ele -. Mas o amor é uma cousa e a reflexão é outra.

- É verdade - respondeu a moça -; e neste caso, deixe que eu o ame.

Não contando com esta resposta, Alberto empalideceu, e viu bem que era uma espécie de castigo que ela queria dar-lhe por causa da sua intempestiva reflexão. Pareceu-lhe que fora esquisito falar de amor a uma moça a quem via pela primeira vez.

Luísa não se arrependeu da pequena lição dada ao pretendente, e pareceu-lhe conveniente conservá-lo na incerteza durante alguns dias, a fim de o castigar ainda mais.

Não contava ela porém com o golpe que lhe preparava o alferes Coutinho.

Já sabemos que este alferes era íntimo amigo de Nicolau. Várias vezes o filho de Nunes o convidara para ir à casa do pai; mas Coutinho sempre recusara o convite delicadamente, e parece que o fazia justamente para se não aproximar de Luísa.

Como?

É verdade. Na opinião de Coutinho, o amor não vive só de mistério, vive também de distância.

A máxima poderia ser excelente, mas no caso atual não prestava para nada. Coutinho compreendeu isto perfeitamente, e com destreza conseguiu ser convidado nessa noite por Nicolau para lá ir.

De maneira quê, no meio de seus devaneios poéticos, ouvindo as narrações que Alberto fazia diante da família encantada com o narrador, Luísa viu assomar à porta a figura do irmão e a do alferes.

Luísa reteve um grito.

Nicolau apresentou o amigo a toda a família, e a conversa um pouco esfriou com a chegada do novo personagem; mas não tardou que continuasse no mesmo tom.

Luísa não ousava olhar para um nem para outro. Alberto nada percebeu nos primeiros momentos; mas Coutinho tinha os olhos cravados nela com tanta insistência, que era impossível não ver nele, senão um rival feliz, ao menos um pretendente resoluto.

"Veremos!", disse ele consigo.

"Quem vencerá?", perguntava a si mesmo o alferes Coutinho olhando a furto para o candidato do Norte.

V

Ao passo que o Nunes e D. Feliciana se davam por felizes julgando bem encaminhadas as cousas, e Chiquinha premeditava trocar o Antonico pelo Alberto, uma luta se travava no espírito de Luísa.

Uma luta neste caso era já probabilidade de vitória para Alberto, visto que o outro era o namorado antigo, aceito e amado. O coração de Luísa parecia feito para estas situações dúbias em que a vaidade de moça toma as feições de amor, com tanta habilidade que ilude os mais.

Alberto tinha qualidades brilhantes, ainda que não sólidas; mas Coutinho era já o namorado aceito, e sempre deixava saudades.

Demais, Alberto era um bom casamento, mas a moça sentia que ele queria dominá-la depois, e já pressentia nele alguns sintomas de vontade imperiosa; ao passo que o alferes, exceto alguns rompantes sem consequência, era um verdadeiro paz d'alma.

Estas razões, pesava-as a moça no seu interior, e ora se inclinava a um, ora a outro dos dois namorados.

Às vezes adotava-os ambos, porque, ao mesmo tempo que trocava palavras de esperança com Alberto, escrevia cartas apaixonadas ao alferes.

Nesta situação decorreram alguns dias, sem que o comendador visse apontar no horizonte uma esperança. Ora a filha parecia dada ao namoro do Alberto, ora a achava fria, reservada, indisposta contra ele.

Alberto compreendeu a figura que estava fazendo, e determinou dar um golpe definitivo.

Uma noite, em que conversava com ela um pouco retirado dos outros, Alberto perguntou à moça, quando ela menos esperava:

- Então? Há longos dias espero uma resposta; confio que ma dará hoje.

Luísa não respondeu logo, mas quando ia abrir a boca, interrompeu-a Alberto dizendo:

- Já sei a causa da sua esquivança...

- Já sabe? - perguntou a moça rindo.

Alberto fez com a cabeça um sinal afirmativo.

- Já sei - acrescentou ele.

- E qual é, não me dirá?

- A senhora namora outro.

Luísa ficou séria.

- Não se zangue - continuou Alberto -; eu sei que namora a outro, e desejava que de uma vez por todas se decidisse ou por um ou por outro.

Luísa ia responder ao rapaz, e já preparava uma dose de indignação necessária no caso, quando a aparição do comendador Nunes veio interromper a cena.

Nunes reparou no acanhamento dos dois, e ficou triste; mas não tardou que lhe voltasse a alegria, ao ver as maneiras afáveis com que ambos se tratavam em presença dele.

Tão contente ficou que não hesitou em aludir ali mesmo ao projeto do casamento sem reparar na inconveniência do caso.

Luísa não combateu a ideia do pai nem também se mostrou solícita em aceitá-la; ouviu-o apenas.

Quando o comendador ficou a sós com Alberto, disse:

- Homem, você parece-me palerma.

- Por quê?

- Ora, por quê! Há tanto tempo para obter uma resposta. Não consegue fazer-se amar estando só em campo.

- Eis o seu engano.

- Como assim?

Alberto fez um gesto pedindo silêncio, e foram para o gabinete do comendador. Este fechou a porta e ambos ficaram a sós.

- Então, que temos? - perguntou Nunes.

- Há mouro na costa - segredou Alberto.

- Então é recente, porque até agora...

- Não, é antigo.

- Antigo?

- Sim, já existia antes da minha vinda.

Nunes ficou aturdido com a notícia.

- E quem é esse peralta? - disse ele bufando de raiva.

- Não lho posso dizer - respondeu discretamente o candidato.

O comendador entrou a passear aflito, sem atender às rogativas de Alberto, que lhe recomendava silêncio.

- Vou saber quem é - disse ele caminhando para a porta.

- Como? - perguntou Alberto.

- Vou interrogar Luísa.

Alberto travou-lhe do braço e fê-lo sentar.

- Meu caro sogro - - disse Alberto - chamo-lhe assim porque estou certo da vitória final -, não convém nunca proceder por meios violentos. Desde que alguma cousa possa dar ao meu rival a auréola da perseguição estou perdido. Deixe o negócio por minha conta.

Nunes concordou com estas razões de Alberto e viu nelas o indício de uma grande cabeça.

Abraçou-o e saiu a passeio.

VI

Nicolau, que era um estouvado, nada compreendeu da situação em que se achava a irmã, e ignorava absolutamente o namoro do Coutinho, porque este, conhecendo a leviandade do amigo, nunca lhe confiou nada.

Não acontecia porém o mesmo a um primo deles, o jovem Gonçalves, filho de um irmão de D. Feliciana, e chegado poucos dias antes de Minas, onde o pai tinha uma fazendola.

Gonçalves compreendeu logo que Alberto e Coutinho namoravam a prima Luísa, e que esta os namorava a ambos.

Era tanto mais de admirar que Gonçalves fizesse esta descoberta, quanto que dificilmente se acharia outro mais papalvo que ele. Talvez por isso mesmo não procurasse Luísa à vista dele encobrir o jogo que estava fazendo.

Qualquer que fosse a razão, Gonçalves descobriu a cousa e achou-a muito engraçada. Neste sentido fez uma alusão à prima.

- Prima - disse ele -, você é muito fina...

- Por quê? - inquiriu esta muito espevitada.

- Porque acendeu vela a dois santos - respondeu Gonçalves tranquilamente.

Luísa deu de ombros e saiu.

Mas desde esse dia tratou de se não expor aos olhos terríveis do sonso Gonçalves. E como pudesse acontecer que o Coutinho, fiado na palermice de Gonçalves, não dissimulasse convenientemente a sua chama, Luísa tratou de o avisar.

- Cuidado com Gonçalves.

- Por quê?

- Pode descobrir-nos.

- Ora, é um tolo.

- Não, é um sonso.

Alberto não teve o benefício deste aviso; mas Luísa já lhe ia dando mais corda, e se lhe não disse tão claramente como a Coutinho o que pensava do primo Gonçalves, deu-o a entender.

A situação de Alberto melhorara, mas não era ainda igual à de Coutinho. Se Luísa desse mostras de o desprezar era provável que o candidato desistisse das suas pretensões; mas como ela aceitava em princípio a sua corte, estava Alberto resolvido a pleitear a causa.

Além disso, as cartas do pai eram instantes a respeito do assunto que o trouxera ao Rio de Janeiro, e o próprio rapaz estava ansioso por voltar à província natal.

Nestes termos, lembrou-se de dar um golpe desusado, e próprio de romance: ir entender-se com o rival.

O caso era difícil; era necessário muito tino para não cair no ridículo. Convinha, porém, deslindar a dificuldade e fugir ao prolongamento de uma situação insuportável para os dois êmulos.

Apenas assentou nisto foi Alberto procurar Coutinho. Achou-o em casa. Como se conheciam da casa do comendador era-lhes fácil disfarçar algum tanto a situação singular em que se achavam um para com o outro.

Coutinho, além disso, posto parecesse impetuoso nos seus afetos - era-o ao menos nas suas cartas -, tinha hábitos de sociedade e sabia dissimular perfeitamente.

As primeiras palavras foram indiferentes; Coutinho compreendeu, porém, que algum motivo trazia Alberto à casa dele, e esse motivo não podia deixar de ser a pessoa e a mão de Luísa.

"Quererá que eu lhe ceda as minhas vantagens mediante alguma partícula do dote?", dizia ele.

Pela sua parte Alberto também reflexionava:

"Por onde chegarei ao terrível assunto? O sujeito não me parece de boa avença. Vamos, coragem!"

E de repente, quando o Coutinho menos esperava, dispara-lhe em cheio esta pergunta:

- O senhor ama D. Luísa?

Coutinho estremeceu com a pergunta, posto houvesse percebido que a namorada era o assunto exclusivo da visita. Durante alguns minutos não soube que responder.

Alberto repetiu a pergunta.

Coutinho tirou charutos da algibeira, ofereceu a Alberto, que o não aceitou, e enquanto se preparava para acender outro, respondeu à pergunta com outra pergunta:

- E o senhor também a ama?

- Por que o hei de negar se o senhor o sabe, e por que o negará o senhor se eu o sei? - respondeu Alberto.

- Nesse caso - redarguiu Coutinho com finura -, não foi para dizermos um ao outro aquilo que ambos sabemos que o senhor cá veio.

- Não.

- Queira falar.

- Agora aceito o seu charuto - disse amigavelmente Alberto.

Acendeu o charuto e começou a falar.

VII

- Quando eu cheguei do Norte - disse Alberto -, já o senhor namorava a pessoa em questão. Eu só o soube depois. Antes, porém, de o saber, não pude ser insensível às graças daquela moça e comecei a amá-la.

Coutinho fez um ar de riso.

- De que se ri? - perguntou Alberto.

- De que há de ser? - disse Coutinho sacudindo a cinza do charuto -. Da sua discrição. O senhor veio justamente para casar com ela.

Alberto mordeu o beiço.

- Não o nego - disse ele -, mas é tão pouco interessante para o nosso caso que fosse esse o fim da minha vinda, que o não quis dizer. Se essa, porém, é a dúvida di-lo-ei francamente. Este casamento, antes de ser um desejo do meu coração, era um desejo de nossas famílias.

- Sem consulta da pessoa em questão?

- Isto vai além do objeto da minha visita. Não vim aqui para discutir com o senhor o acerto de pessoas respeitáveis, que podem errar certamente, mas cujo fim é a felicidade de seus filhos.

- Desculpe-me - disse Coutinho -; não queria magoá-lo nem ofendê-lo; continue e sejamos breves.

Alberto continuou:

- Ambos respeitamos a pessoa de que se trata; nenhum de nós deseja outra cousa não seja a felicidade dela. Estamos conformes?

Coutinho fez um gesto afirmativo.

- Ora bem - disse Alberto -; de que se trata? De afiançar e apressar a felicidade dela; e para isso é necessário que um de nós deixe o campo livre ao outro. Isto é o que venho propor com toda a sinceridade de que sou capaz.

- Acho excelente a sua proposta - respondeu Coutinho depois de alguns momentos de silêncio -; mas se me é dado comparar as palavras com as ações, cuido que não é proposta, mas uma ordem que me dá! Um de nós deve abandonar o campo, diz o senhor. Se o senhor quisesse abandonar tê-lo-ia feito sem me dizer nada; mas não é isso; o senhor vem ter comigo, declara que ama D. Luísa e propõe que um de nós ceda o campo ao outro. Claro é que sou eu o condenado a ceder.

- O senhor não me deixou acabar - observou Alberto.

- Acabe.

- Eu não desejo que um de nós se resolva desde já a deixar o campo; o que eu proponho é que cada um de nós procure saber se tem elementos para se fazer eleger noivo da moça de que se trata. Isto só se pode saber apresentando cada um de nós o seu ultimatum. Ela escolherá em conformidade do seu coração e o vencido retirar-se-á para as tendas.

Leitor desconfiado, não digas que isto é impossível; eu estou contando um fato autêntico; e posto não esteja isto de acordo com as regras da arte, eu conto o caso, como o caso foi.

Coutinho fez algumas objeções à proposta do rival. Alegou a primeira razão de todas, a singularidade da situação que se ia criar entre ambos a respeito de uma moça que ambos deviam respeitar.

- Não esqueçamos que ela tem alguma cousa - disse ele -, e isto pode parecer um jogo em que o ganho consiste precisamente no dote de D. Luísa.

- Eu também tenho alguma cousa - respondeu Alberto com altivez.

- Bem sei - disse Coutinho -, mas eu não tenho nada, e a meu respeito a objeção fica de pé. Espero que me acredite que eu neste negócio não tenho em mira os bens daquele anjo, e que só o coração me arrasta sabe Deus a que drama íntimo!

Se Alberto fosse mais penetrante, ou Coutinho, menos dissimulado, descobrir-se-ia que este pretexto de Coutinho era mais teatral que verdadeiro. Amava sem dúvida a moça, mas não a amaria talvez se não tivesse nada de seu.

Coutinho expôs ainda outras objeções que a seu ver eram valiosas, mas todas as desfez Alberto com algumas razões suas, e ao cabo de duas horas ficou assentado que os dois campeões mediriam as suas forças e procurariam obter de D. Luísa a resposta decisiva. O preferido comunicaria logo ao outro o resultado da campanha, e o outro abateria as armas.

- Mas que prazo lhe parece melhor? - perguntou Alberto.

- Quinze dias - respondeu Coutinho.

Despediram-se.

VIII

O comendador Nunes estava ansioso por falar à filha e resolver a crise por um meio violento; mas Alberto fez com que ele lhe prometesse neutralidade.

- Deixe que eu arranjo tudo - disse o candidato do Norte.

- Mas...

- Fie-se em mim. Disse alguma cousa à senhora D. Feliciana?

- Nada.

- Pois não convém que ela saiba nada.

Entraram os dois campeões na luta suprema. As condições eram aparentemente diversas, mas bem apreciadas eram iguais. Se Coutinho não ia lá com tanta frequência, em compensação era o candidato para quem ela mais pendia; se Alberto tinha a facilidade de lhe falar mais vezes e estar mais assiduamente com ela, em compensação era o menos aceito dos dois.

Coutinho tinha o recurso das cartas, e entrou a usar dele com todas as forças. Nunca o vocabulário de Cupido subiu a maior grau de calor e entusiasmo; Coutinho empregava todas as tintas da palheta: o cor-de-rosa da felicidade conjugal, o sombrio e negro dos desesperos, o sanguíneo das revoluções últimas; tudo fez o seu papel nas epístolas do pretendente fluminense.

Alberto compreendeu que a epístola devia acompanhar os seus meios de campanha, e usou dela com descomunal liberalidade.

Luísa ignorava todas as circunstâncias acima referidas, e o redobrar de esforços da parte dos dois candidatos não fez mais do que alimentar-lhe a natural vaidade de moça bonita.

Entretanto, veio uma carta do pai de Alberto instante por uma resolução definitiva; Alberto resolveu dar o grande golpe e dirigiu-se à esquiva moça.

- D. Luísa - lhe disse ele -, já sabe que eu ardo, que eu sinto dentro de mim um terrível fogo que me há de consumir.

- Mas...

- Ouça-me. Era meu interesse conservar as ilusões em vez de me expor a um desengano certo; mas há situações que não comportam dúvidas; eu prefiro uma cruel franqueza; farei depois o que me inspirar o desespero.

Luísa sorria-se sem dizer palavra.

- Zomba comigo, já vejo - disse melancolicamente Alberto.

- Oh! Não!

- Então fale!

- Pois bem...

Hesitou.

- Diga, ama-me? - instou Alberto.

- Amo - respondeu Luísa deitando a fugir.

O paraíso de Maomé, com todas as delícias prometidas no Alcorão, não chega aos pés da felicidade que a simples resposta da moça introduziu na alma do pobre candidato.

Alberto saiu para a rua.

Precisava de ar.

De tarde foi ter com o rival.

- Enfim! - disse ele ao entrar.

- Que há? - perguntou Coutinho tranquilamente.

- Tudo está decidido - respondeu Alberto.

- Derrota?

- Vitória! Perguntei-lhe se me amava; disse-me claramente que sim. Não pode imaginar o prazer que eu senti quando ouvi de seus lábios a mais doce palavra que os homens inventaram.

- Imagino tanto mais esse prazer - redarguiu fleugmaticamente o Coutinho -, quanto que eu mesmo ouvi essa palavra a meu respeito.

Alberto enfiou.

- Quando?

- Ontem de noite.

- É impossível! - clamou Alberto furioso.

- E já depois disso - continuou Coutinho finamente -, recebi esta carta que é a confirmação do que ontem lhe ouvi.

Dizendo isto apresentou a Alberto uma carta de Luísa.

- De maneira que... - balbuciou Alberto.

- De maneira que - concluiu Coutinho - estamos na situação em que nos achamos antes.

- Olhe, eu teria deixado o campo se não me parecesse covardia, e se não sofresse horrivelmente com a separação, porque eu amo-a com todas as forças de minha alma.

- Como eu - disse Coutinho.

- Que faremos? - perguntou Alberto depois de uma pausa.

- Insistir.

- Como?

- Cada um de nós lhe perguntará se ela quer casar e nos escolhe para noivo. A isto não é possível que ela dê a mesma resposta a ambos; há de decidir-se por um.

Dando este conselho, Coutinho procedia velhacamente porque justamente alguns minutos antes de entrar Alberto tinha mandado uma carta à moça perguntando se podia ir pedir-lhe a mão ao pai, e esperava que a resposta chegasse logo e pusesse termo ao conflito.

Mas a resposta não veio.

Ficou convencionado que dentro de oito dias tudo estaria resolvido, e um deles seria o vencedor.

Luísa disse à noite ao Coutinho que não mandara resposta à carta por não ter podido escrever.

- Mamãe anda muito desconfiada - disse ela.

- Bem, mas que me responde agora? - perguntou Coutinho.

- Oh! Deixe-me escrever - disse a moça -, eu quero dizer-lhe tudo o que sinto... Espere, sim?

Coutinho declarou que esperava.

- Contudo... - disse ele.

- O quê?

- Se não fosse agradável a resposta, se não fosse a vida que eu espero e me é necessária?

Isto era ver se obtinha logo a resposta.

Luísa respondeu:

- Não seja desanimado...

- Então?

- Olhe mamãe, que está com os olhos em mim.

Oito dias se passaram nestas dúvidas até que os dois candidatos, por comum acordo, mandaram uma carta à moça, um verdadeiro ultimatum.

Era uma sexta-feira, dia aziago, e além disso 13 do mês. Os míseros pretendentes não repararam nisso, e atreveram-se a lutar com a fortuna em dia de tamanha desgraça.

Coutinho foi então à casa de Alberto.

- Mandei a minha carta - disse o fluminense.

- E eu, a minha.

- Esperemos a resposta.

- Que lhe parece? - perguntou Alberto.

- Parece-me... Não sei que me há de parecer - respondeu o Coutinho -; eu tenho todas as provas de ela me amar loucamente.

- Tanto não digo eu - observou Alberto -; loucamente não creio que me ame, mas cuido que sou amado.

O fim evidente de cada um destes personagens era assustar o adversário, caso este ficasse vitorioso. Entraram a alegar cartas apaixonadas, flores, tranças de cabelo, e o Coutinho chegou até a confessar um beijo na mão.

De repente abre-se a porta.

Entra o comendador Nunes pálido e trêmulo.

- Que é isto? - disseram os dois.

Nunes deixou-se cair em uma cadeira, e com a voz trêmula e o olhar desvairado, confessou a sua desgraça.

Luísa fugira com o primo!

A+
A-