Conto

Um Para O Outro

1879

Um para o outro *

- Vivam um para o outro -, foi a última palavra do coronel Trindade no leito da morte.

Ouviram-lhe, com religioso respeito, seus dois filhos Henriqueta e Julião, ela de dezoito anos, ele de vinte; mas nada lhe puderam responder. Cabia a vez ao soluço: a dor de perder o pai era mais que tudo naquela ocasião.

Também nada mais disse o moribundo; foi aquela a última palavra, se palavra se pode chamar um som mal expresso e já tingido da descor da morte. Poucos minutos depois morreu o coronel, e morreu sobre a tarde do dia 4 de outubro de 1862. A casa em que se finava era situada no Engenho Velho, e fora mandada construir por ele mesmo, alguns anos antes.

- Já sei que te pretendes casar -, disse-lhe por essa ocasião o mais galhofeiro de seus amigos, o desembargador Tinoco.

- Não - retorquiu ele -; a minha vida é cair com a casa, cairmos de velhos.

Mas a ideia falhou, e o coronel morreu com pouco mais de cinquenta anos, viúvo qual era desde os quarenta, entre seus dois filhos e alguns parentes, mais ou menos chegados. Julião e Henriqueta deram ao morto as lágrimas do mais sincero desespero: não houve consolações, naquele lance, que pudessem entorpecer a dor íntima e profunda, nem minguar-lhes a manifestação ruidosa; não as podia haver. Desde longos anos, o velho coronel era para eles pai e mãe; era quem lhes substituía a esposa extinta e nunca deslembrada. Acresce que a doença que levava o pai fora rápida, e destruíra em poucos dias um organismo que parecia destinado a enterrar ainda muitos anos; e, ao cabo, o enterrado era ele, com todo o vigor de que dispunha.

Não era pobre o coronel Trindade, mas abastado, e sobre abastado, econômico; de maneira que, ao menos, não teve a dor de deixar os filhos ao desamparo - e digo ao desamparo, porque Julião não completara ainda os estudos, não tinha posição ou emprego, donde tirasse a subsistência, se precisasse de a ganhar. Estudava na Escola Central, diziam ser bom estudante, e assim provou ser em todos os exames que fez, e dos quais se saiu com aprovação plena, e não raras vezes com louvor. A esperança do coronel era ver o filho engenheiro, louvado e procurado - o engenheiro Trindade - filho do coronel Trindade; era a sua esperança e seria a sua glória. A realidade foi outra - tão certo é que a esperança é nada.

II

Um ano depois do acontecimento, apenas indicado no outro capítulo, recebeu Julião o seu diploma de engenheiro - e esse remate de alguns anos de honrado labor, de estudos sérios, não lhe deu a alegria com que contava; faltava uma pessoa. A irmã, que não menos do que ele sentia aquela ausência, buscou ainda assim dissimulá-la; e ele, pela sua parte, tratou de esconder o que sentia. Esses dois corações possuíam o melindre dos sentimentos, a discrição das dores repartidas, que não desejam agravar-se mutuamente, e portavam-se com a habilidade que a natureza não concede a muitos, talvez a raros.

- Julião - disse Henriqueta três dias antes deste tomar o grau de engenheiro - tive uma ideia.

- Que é?

- Quero primeiro que você aprove.

- Mas que é?

- Aprova?

Julião sorriu.

- Se não é enforcar-me, aprovo - disse ele.

- Não é enforcar, é jantar; é jantar no dia em que você receber o seu diploma de engenheiro.

- Ora!

- Qual ora! Já tenho a lista dos convidados; são os nossos parentes.

- Só?

- Só.

- Titia, que diz? - perguntou Julião a uma senhora idosa que estava na sala, a poucos passos, com um jornal na mão.

- Digo que Henriqueta pensa muito bem.

A tia de que se trata era-o por parte de mãe; tinha os seus cinquenta anos, chamava-se D. Antonica; vivia com eles desde a morte do irmão.

Não havia remédio: Julião aceitou o jantar; limitou-se, todavia, a pedir que não fosse lauto nem ruidoso; queria uma coisa puramente de família, porque o acontecimento era de família.

Já sabemos que Julião fora bom estudante; sabemos também que era excelente rapaz; acrescentemos que não era feio, antes bonito, gravemente bonito, másculo e sério. Não se imagine um jarreta, enfronhando a sua mocidade numa gravata de sete voltas; não: sabia ser elegante, gostava de andar à moda; não usava, porém, pedir à moda todas as suas extravagâncias e excessos; era discreto até no vestir.

Henriqueta pertencia à classe de mulheres que sabem ornar-se, qualquer que seja a qualidade do estofo ou o corte do vestido; tinha a elegância nativa. Era alta, cheia, musculosa, talhada com amor no mais belo mármore humano. Talvez não agradassem a alguns os olhos pardos e pequeninos; mas o olhar que chispava deles devia por força angariar adoradores ou amigos; amigos sim, que eram da natureza dos que falam mais aos sentimentos do que aos sentidos. Eram pequenos de si, e pequenos porque a testa era larga, uma testa serena e pura; tão pura e tão serena como o pensamento que ardia no interior. Nunca esse pensamento cogitara no mal; ignorava-o, que é o melhor meio de o não atrair. A boca, que era delicadamente fendida sobre um queixo macio e redondo, não conhecera ou não pronunciara jamais uma só palavra de cólera, porque a própria travessura de Henriqueta, quando criança, era das que se acomodam sem gritos nem lágrimas. Henriqueta era o tipo da complacência, da bondade, da resignação branda e modesta. Quem lho não lesse na figura e nas maneiras, compreendê-lo-ia no fim de alguns dias de trato.

A pontualidade com que ela obedeceu ao desejo do irmão provava o que já sabemos - isto é, que era de sua parte dócil, e que também sentia a ausência do chefe da família. O jantar foi simples, modesto e tranquilo; nenhum tumulto, nenhuma excessiva alegria. Os donos da casa deram o tom aos convivas; cada um destes compreendeu que faltava alguma pessoa e que era acertado não acordá-lo do sono.

- Esteve a teu gosto? - perguntou Henriqueta de noite quando o último convidado tinha saído.

- Tu és um anjo!

- Um anjo de cozinha - concluiu Henriqueta rindo.

A casa em que moravam era a mesma do Engenho Velho. Tinham-na deixado logo depois da morte do coronel; mas três meses depois voltaram para ali, menos por motivo econômico que de piedade filial. Queriam ter presente a lembrança do pai - agora que a dor podia suportá-la, havendo já o tempo feito a sua ação inevitável e benéfica. Julião poucas semanas depois de receber o diploma de engenheiro, alcançou uma nomeação do governo, que o obrigou a ir à província do Rio durante poucas semanas; dali veio, tendo concluído a comissão mais depressa do que se esperava. Logo depois obteve outra nomeação que o não obrigava a sair, mas a ficar na Corte. Era muito melhor para ele e para ela; e nisto chegamos aos primeiros dias de 1864.

III

Naqueles primeiros dias de 1864, veio do Norte um parente de Julião, que lá estivera alguns anos como inspetor da Alfândega, e agora tornava, exonerado a seu pedido, porque tinha de ir liquidar uma herança em São Paulo. Não se demorou muito tempo nesta Corte, mas em um dos poucos dias em que aqui esteve convidou Julião a jantar, e jantaram efetivamente juntos, eles e mais um rapaz, também do Norte, que o acompanhava a passeio e devia regressar no fim de poucas semanas. Era bacharel este rapaz, exercera já um lugar de promotor público, no sertão da Bahia, e tinha mais ou menos desejo de vir para a Câmara dos Deputados: ambição que não destoava da pessoa e dos talentos, antes parecera seu natural caminho.

- O Pimentel é o melhor orador que tenho ouvido - disse o ex-inspetor da alfândega.

- Sim? - perguntou Julião com interesse e cortejando o conviva.

- Pode ser - disse este -, mas é porque você me ouviu sempre com as orelhas do coração. A cabeça, se me ouvisse, seria de outro parecer.

O parente de Julião contestou energicamente; Pimentel, vendo-se objeto de uma conversa laudatória, desviou habilmente as atenções; dentro de poucos minutos falavam da situação política. Como Julião empregasse uma comparação matemática, a conversa descambou de repente nas matemáticas; depois, enveredaram pela literatura, e se não acaba o jantar, não era impossível que penetrassem na teologia. Ora, Pimentel, ainda nos assuntos estranhos à ciência do Direito, mostrava-se discreto e lido, sem afetação, nem temeridade, dizendo somente o que sabia, e dizendo-o com modesta segurança do saber. Julião separou-se dele levando a melhor impressão do mundo; ofereceu-lhe a casa; Pimentel ofereceu-lhe os seus serviços na província.

- Deixa-nos breve?

- Daqui a um mês.

- Mas tornará como deputado? - disse Julião rindo.

- Isso...

- Isso há de ser certo - clamou o ex-inspetor da alfândega.

Três dias depois encontrou-os Julião no teatro; num dos intervalos conversaram muito; noutro levou-os Julião ao camarote, onde estavam a irmã e a tia. A apresentação foi fácil, a conversa interessante, a recíproca impressão excelente. Uma semana mais tarde, encontraram-se em uma loja da rua do Ouvidor, a família Trindade e o Dr. Pimentel; este noticiou que acompanhava o parente da família a São Paulo, mas que esperava voltar sozinho, para regressar à província natal. Na véspera de sair, dirigiu-se ao Engenho Velho e deixou lá um cartão de despedida.

Foi Henriqueta que o recebeu, e, para ser sincero, devo dizer que o recebeu de má cara. Notem que não me refiro ao bacharel, mas ao cartão; o bacharel é provável que tivesse agasalho mais benigno. Talvez a razão da diferença esteja na circunstância de que um cartão, por melhor que o litógrafo o atavie, não possui um par de olhos negros como os que alumiavam o rosto de Pimentel, uns olhos que na noite do teatro pareceram a Henriqueta singularmente graciosos e dignos de estima. Também se pode dizer que um cartão de visita, se é um sinal de atenção, não tem em si essa qualidade, ao passo que o Dr. Pimentel possuía aquele gênero de atenção delicada, que melhor fala ao espírito das mulheres. Enfim, o cartão queria dizer despedida, separação, ausência; e Henriqueta confessava de si para si que a convivência do Pimentel devia ser muito agradável ao... Julião.

Dizia isto, e não me é dado atribuir-lhe outra coisa - ao menos por agora, que os olhos do Pimentel tiveram o mesmo destino de todos os olhos que passam depressa: a lembrança deles foi amortecendo devagar, até que de todo se apagou. No fim de três semanas estava tudo acabado; foi justamente a ocasião em que o Pimentel desembarcou de Santos.

IV

- Sabes quem chegou hoje? - perguntou Julião a Henriqueta, um dia ao jantar.

- Quem?

- O Dr. Pimentel.

Henriqueta teve uma impressão leve, e não duradoura; o ex-promotor estava esquecido. Contudo, não pôde reprimir o sentimento da curiosidade. Julião, que nada percebera até ali, continuou a falar do bacharel, com um entusiasmo, facilmente comunicativo. Henriqueta ouvia-o com interesse; perguntou-lhe se não viera também o ex-inspetor da Alfândega, e, dizendo-lhe ele que não, hesitou se devia indagar da demora do Pimentel; mas cedeu, e perguntou:

- O Pimentel demora-se ou volta já para o Norte?

- Não sei; é provável que volte.

- Estiveste com ele?

- Não, mas hei de ir lá amanhã.

Tinham acabado de jantar; Henriqueta sentiu que estava muito calor, mas em vez de ir para o portão da chácara, como lhe propusera Julião, foi tocar piano; tocou meia valsa, depois meia sinfonia, enfim, meio romance; não acabou nada.

- Que tens tu hoje? - disse-lhe a tia.

- Nada; aborrece-me o piano.

- Queres ir ao teatro? - perguntou Julião.

Henriqueta ia a dizer sim, mas recuou.

- É tarde; iremos noutro dia.

- Um passeio?

- Estou cansada.

- Não é porque tocasses com os pés - disse rindo o irmão.

Ouvindo esta palavra, Henriqueta ficou amuada, como se a frase em si, e, quando não a frase, como se a intenção pudesse ser-lhe ofensiva. Ficou amuada, sem que lho percebesse a família; e porque a família não lho percebeu, recolheu-se à alcova dentro de poucos minutos. Quando Julião não a viu, e soube que se recolhera, não pôde dissimular o espanto.

- Que tem Henriqueta? - disse à tia.

- Não sei; depois do jantar ficou assim. Talvez esteja doente; vou ver o que é.

Dona Lúcia (era este o seu nome), foi achar a sobrinha enterrada numa poltrona, com um livro nas mãos, a ler, ou fingir que lia; foi o que a tia pensou; mas a verdade é que Henriqueta iludia-se a si mesma, supondo que lia alguma coisa; tinha os olhos na página, e até corriam de palavra em palavra, e de linha em linha. Corriam somente; não apreendiam o sentido do escrito, que lá ficava, mudo, e quedo, e impenetrado.

Não tinha D. Lúcia a sagacidade que fareja as comoções morais; para ela tudo era dores, ânsias, calafrios, ou quaisquer outros fenômenos de comoção física. Conseguintemente, não mentiu, não dissimulou nada quando perguntou à sobrinha se lhe doía a cabeça.

- Bastante - disse esta.

- Mas então por que lês?

- Para distrair-me.

- Que ideia! Isso é pior; dá cá o livro.

Tirou-lhe o livro das mãos; depois propôs-lhe fazer alguma mezinha, ao que Henriqueta se recusou, dizendo que era melhor não fazer nada; havia de passar por si.

-Tens febre?

- Ora, febre! - disse Henriqueta rindo.

E rindo estendeu o pulso à tia, que lho tomou com o ar mais doutoral que pode ter uma senhora; e foi rindo também que a tia lhe declarou:

- Tens febre para amanhã. Anda cá fora; aqui está muito abafado. O ar livre há de fazer-te bem.

Não resistiu a moça; nem sequer cedeu de má vontade. Ao contrário, era aquilo mesmo o que queria, porque, tendo obedecido a um impulso de mal cabido ressentimento, doía-lhe agora o que fizera, e ardia por ler nos olhos do irmão ou a ignorância ou desculpa do que se passara. Julião, que não percebera nada, acolheu a irmã com a maior naturalidade do mundo - um pouco ansioso, é certo, por saber se estava doente, mas quando ela lhe disse que era uma simples dor de cabeça, já agora quase extinta, abraçou-a radiante, e a noite acabou numa palestra de família.

Vulgar é o episódio, simples é o sentimento; nada aí há que mereça uma página de novela, nem que se imprima fortemente no espírito; mas simples, mas vulgar, a vida dessas poucas horas entre o jantar e o sono deu a Henriqueta uma série de reflexões graves. A ideia de se ter mostrado ofendida com o irmão roeu-lhe cruelmente a consciência. Não esqueçamos que Henriqueta possuía a docilidade entre as suas mais excelentes virtudes. Por que motivo aquele arremesso e aquela injustiça, onde não houvera ofensa nenhuma? A esta pergunta, que a si mesma fazia, Henriqueta não achou que responder - ou antes não quis achá-lo, porque uma vaga recordação lhe alvejou o pensamento, e ela repeliu-a irritada e envergonhada.

Já então era tarde; toda a família dormia. Sentada ao pé de uma janela aberta, com os olhos ao longe, no eterno impenetrável, Henriqueta relembrava, não só as últimas horas, como os últimos dias, como as últimas semanas; fazia uma espécie de exame de consciência, sem arguições nem desculpas, mas friamente, como quem julga a outrem. Talvez a imagem do pai lhe aparecesse nessa ocasião; pode ser também que lhe ouvisse a voz; mas se lhe respondeu, não falou com os lábios, mas com o coração, e foram de paz as palavras, porque de paz lhe foi o sono.

- Passou a dor de cabeça? - perguntou-lhe a tia no dia seguinte de manhã, quando Henriqueta lhe foi falar.

- Para sempre - foi a sua resposta.

V

"Para sempre?" dirá consigo a leitora, que decerto entendeu a dor de cabeça de Henriqueta, e provavelmente duvidara da cura. Velhas dores, eternas dores, que tu sentiste, ou sentes, ou virás a sentir um dia - o que já mostravam aqueles dois versinhos que Voltaire aplicou ao amor. Quem quer que sejas - dizia - teu senhor é este. II l'est, le fut ou le doit être. É o teu caso, morena ou loura que me lês, foi o caso da tua avó, era o da nossa Henriqueta; e é por isso que a leitora tem muita razão de duvidar que tão cedo lhe morresse a dor - ou ao menos, que morresse para sempre.

Não obstante, foi o que ela disse, e mostrou galhardamente em todo esse dia e nos outros. Voltara a alegria habitual - a princípio nímio ruidosa, como se a assoprasse um pouco de oculto propósito, mas logo depois natural e sincera. Uma nuvem apenas - pesada, mas nuvem, e já agora extinta.

Um dia, seis ou sete depois daquele incidente, foi convidado o Pimentel a jantar em casa de Julião; lá foi, lá o receberam com as mais sensíveis mostras de afeto, e não houve outro caminho de intimidade. A intimidade que vem só do costume é frouxa e facilmente suspeitosa; a que se funda na afeição recíproca é menos precária. Era o caso dos dois rapazes: não tardou muito que se mostrassem quais eram e quais desejariam que fossem.

Entretanto, o Pimentel devia voltar para o Norte; transferiu muitas vezes a viagem, mas afinal era preciso realizá-la, e não teve outro remédio se não ir - "sabe Deus com que saudade!" - disse ele a Julião.

- Por que não fica mais tempo?

- Não posso; há razões de família; em todo o caso, voltarei.

- Quando?

- Depois de alguns meses.

- Vinte ou trinta, não?

- Oh! Não! Três ou quatro.

- Promete?

- Prometo.

Henriqueta recebeu a notícia de outro modo - uma grande tranquilidade, quase indiferença; e realmente seria bem curioso quem pretendesse saber as causas do ar sombrio com que Pimentel viu a impressão que deixava à moça o motivo de sua partida. O mais que se pode saber é que não disse nada: buliu com a corrente do relógio, concertou a gravata, depois olhou para a ponta da botina; depois quis dizer alguma coisa, mas provavelmente esquecera as palavras, e achou melhor sair, e foi o que fez daí a dois minutos.

Ora, é bem difícil que um homem se contente com a indiferença alheia em coisas que parecem importar-lhe grandemente; por esse ou por outro motivo, o Pimentel tornou à conversação, na véspera da partida, acrescentando que ia acabrunhado.

- Por quê? - disse Henriqueta.

- A Corte sempre deixa saudades - ponderou ele.

- Isso é verdade; mas o senhor voltará daqui a algum tempo; creio que já me falou em quatro meses.

- Quatro ou três.

- Quase que era melhor não ir.

- Se pudesse ficar, ficava - disse vivamente o Pimentel -; mas há razões fortes...

- Quatro meses passam-se depressa.

- Conforme - disse o Pimentel olhando para ela...

Henriqueta não respondeu nada, nem com a boca, nem com os olhos; falou do último espetáculo, depois do enjoo do mar, do calor, e de Petrópolis. O Pimentel acompanhou-a por esse caminho; quis depois tornar ao primeiro, que era para ele a estrada real; ela porém fugiu-lhe. Não insistiu o Pimentel; tratou de coisas estranhas, e procurou até coisas alegres; mas só as achou de uma alegria violenta, como o cômico dos atores sem graça. De noite, entrando no hotel, tirou essa máscara do rosto, e a sós consigo recapitulou as últimas horas, os últimos dias e as últimas semanas. Digo que recapitulou, sem dizer primeiro que se despiu, porque assim mesmo como estava, assim se atirou a um sofá, com o chapéu na cabeça, e os olhos em nenhuma parte, ou longe dali. A expressão do rosto era de abatimento, de despeito, de ânsia; coisa que ainda mais se acentuou, quando ele lançando fora o chapéu, disse em voz alta e rude:

- Perco o meu tempo! Não me ama.

Julião foi acompanhá-lo a bordo no dia seguinte; pediu-lhe muito que voltasse e o mais cedo possível.

- Lembre-se que já me prometeu.

- Já.

- E cumpre?

- Cumpro.

- Palavra?

- Para quê, se lhe digo que sim? - balbuciou o Pimentel.

Despediram-se; o vapor seguiu; Julião veio para terra. Quando o vapor perdeu a vista da cidade, ninguém ouviu, mas é certo que o Pimentel olhando para a água que batia no costado do navio, repetia lá no fundo do pensamento:

- Nem quatro meses, nem quatro anos.

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