Conto

O Melhor Remédio

1884

O melhor remédio *

O que se vai ler passa-se num bond. Dona Clara está sentada; vê DONA AMÉLIAlia que procura um lugar; e oferece-lhe um ao pé de si.

DONA CLARA

Suba aqui, Amélia. Como passa?

DONA AMÉLIA

Como hei de passar?

DONA CLARA

Doente?

DONA AMÉLIA (suspirando)

Antes fosse doente!

DONA CLARA (com discrição)

Que aconteceu?

DONA AMÉLIA

Coisas minhas! Você é bem feliz, Clara. Digo muita vez comigo que você é bem feliz. Realmente, eu não sei para que vim ao mundo.

DONA CLARA

Feliz, eu? (Olhando melancolicamente para as borlas do leque) Feliz! Feliz! Feliz!

DONA AMÉLIA

Não tente a Deus, Clara. Pois você quer comparar-se a mim nesse particular? Sabe por que é que saí hoje?

DONA CLARA

E eu por que é que saí?

DONA AMÉLIA

Saí porque já não posso com esta vida: um dia morro de desespero. Olhe, digo-lhe tudo: saí até com ideias... Não, não digo. Mas imagine, imagine.

DONA CLARA

Fúnebres?

DONA AMÉLIA

Fúnebres. Sou nervosa, e tenho momentos em que me sinto capaz de dar um tiro em mim ou atirar-me de um segundo andar. Imagine você que o senhor meu marido teve ideia... Olhe que isto é muito particular.

DONA CLARA

Pelo amor de Deus!

DONA AMÉLIA

Teve idéia de ir este ano para Minas; até aqui vai bem. Eu gosto de Minas. Estivemos lá dous meses, logo depois que casamos. Comecei a arranjar tudo; disse a todas as pessoas que ia para Minas...

DONA CLARA

Lembro-me que me disse.

DONA AMÉLIA

Disse. Mamãe achou esquisito, e pediu-me que não fosse, dizendo que, para ela visitar-nos de quando em quando, era-lhe mais fácil se estivéssemos em Petrópolis. E era verdade; mas ainda assim não falei logo ao Conrado. Só quando ela teimou muito é que eu contei ao Conrado o que mamãe me tinha dito. Ele não respondeu; ouviu, levantou os ombros, e saiu. Mamãe teimava; afinal declarou-me que ia ela mesma falar a meu marido; pedi-lhe que não, ela porém respondeu-me que não era uma bicha de sete cabeças. Petrópolis ou Minas, tudo era passar o verão fora, com a diferença que, para ela, Petrópolis ficava mais perto. E não era assim mesmo?

DONA CLARA

Sem dúvida.

DONA AMÉLIA

Pois ouça. Mamãe falou-lhe; foi ele mesmo quem me disse, entrando em casa, no sábado, muito sombrio e aborrecido. Perguntei-lhe o que é que tinha; respondeu-me com mau modo; afinal disse-me que mamãe lhe fora pedir para não ir a Minas. "Foi você quem se agarrou com ela!" - "Eu, Conrado? Mamãe mesma é que me anda falando nisto, e eu até lhe disse que não lhe pedia nada." Não houve explicação que valesse; ele declarou que não iríamos em caso nenhum a Petrópolis. "Para mim é o mesmo", disse eu; "estou pronta até a não ir a parte nenhuma." Sabe o que é que ele me respondeu?

DONA CLARA

Que foi?

DONA AMÉLIA

"Isso queria você!" Veja só!

DONA CLARA

Mas... não entendo.

DONA AMÉLIA

Eu disse a mamãe que não pedisse mais nada; não valia a pena, era perder tempo e zangar o Conrado. Mamãe concordou comigo; mas, daí a dous dias, tornou a falar na mudança; e afinal ontem o Conrado entrou em casa com os olhos cheios de raiva. Não me disse nada, por mais que lhe rogasse. Hoje de manhã, depois do almoço, declarou-me que mamãe tinha ido procurá-lo ao escritório e lhe pedira pela terceira vez para não ir a Minas, mas, a Petrópolis; que ele afinal consentira em dividir o tempo, um mês em Minas e outro em Petrópolis. E depois pegou-me no pulso, e disse-me que tomasse cuidado; que ele bem sabia por que é que eu queria ir para Petrópolis, que era para andar de olhadelas com... Nem lhe quero dizer o nome, um sujeito de quem não faço caso... Diga-me se não é para ficar maluca.

DONA CLARA

Não acho.

DONA AMÉLIA

Não acha?

DONA CLARA

Não: é um episódio sem valor. Maluca havia de ficar, se se desse o que se deu hoje comigo.

DONA AMÉLIA

Que foi?

DONA CLARA

Vai ver. Conhece o Albernaz?

DONA AMÉLIA

O do olho de vidro?

DONA CLARA

Justamente. Damo-nos com a família dele, a mulher, que é uma boa senhora, e as filhas que são muito galantes...

DONA AMÉLIA

Muito galantes.

DONA CLARA

Há mês e meio fez anos uma delas, e nós fomos lá jantar. Comprei um presente no Farani, um broche muito bonito; e na mesma ocasião comprei outro para mim. Mandei fazer um vestido, e fiz umas compras mais. Isto foi há mês e meio. Oito dias depois deu-se a reunião do Baltazar. Já tinha o vestido encomendado, e não precisava mais nada; mas, passando pela rua do Ouvidor, vi outro broche muito bonito e tive vontade de comprá-lo. Não comprei, e fui andando. No dia seguinte torno a passar, vejo o broche, fui andando, mas na volta... Realmente, era muito bonito; e com o meu vestido ia muito bem. Comprei-o. O Lucas viu-me com ele, no dia da reunião, mas você sabe como ele é, não repara em nada, pensou que era antigo. Não reparou mesmo no primeiro, o do jantar do Albernaz. Vai então hoje de manhã, estando para sair, recebeu a conta. Você não imagina o que houve; ficou como uma cobra.

DONA AMÉLIA

Por causa dos dous broches?

DONA CLARA

Por causa dos dous broches, dos vestidos que faço, das rendas que compro, que sou uma gastadeira, que só gosto de andar na rua, fazendo contas, o diabo. Você não imagina o que ouvi. Chorei, chorei, como nunca chorei em minha vida. Se tivesse ânimo, matava-me hoje mesmo. Pois então... E concordo, concordo que não era preciso outro broche, mas isto faz-se, Amélia?

DONA AMÉLIA

Realmente...

DONA CLARA

Eu até sou econômica. Você, que se dá comigo há tantos anos, sabe se não vivo com economia. Um barulho por causa de nada, uns miseráveis broches...

DONA AMÉLIA

Há de ser sempre assim. (Chegando à rua do Ouvidor.) Você desce ou sobe?

DONA CLARA

Eu subo, vou à Glace Élégante; depois desço. Vou ver uma gravura muito bonita, inglesa...

DONA AMÉLIA

Já vi; muito bonita. Vamos juntas.

DONA CLARA

Há hoje muita gente na rua do Ouvidor.

DONA AMÉLIA

Olha a Costinha... Ela não fala com você?

DONA CLARA

Estamos assim um pouco...

DONA AMÉLIA

E... e depois...

DONA CLARA

Sim... mas... luvas brancas.

DONA AMÉLIA

..................?

DONA CLARA

...................!

AMBAS (sorrindo)

Uma cousa muito engraçada; vou contar-lhe...

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