Conto

O Carro Número 13

1868
Este conto foi originalmente publicado no Jornal das Famílias em março de 1868, assinado por Victor de Paula. O texto desta edição eletrônica foi cotejado com o da publicação original.

III

Importa-nos pouco, e mesmo nada, o saber da vida que passaram os dous viajantes na Europa. Amaro, que tinha tendências sedentárias, apenas chegou a Paris aí ficou, e como Marcondes não desejava passar além, não o importunou por mais.

Uma capital como aquela tem sempre que ver e admirar: Amaro ocupou-se com o estudo da sociedade em que vivia, dos monumentos, dos melhoramentos, dos costumes, das artes, de tudo. Marcondes, que tinha outras tendências, tratou de levar o amigo para o centro dos que ele chamava prazeres celestes. Amaro não resistiu, e foi; mas tudo cansa, e o fazendeiro não encontrou em nada daquilo a felicidade que o amigo lhe anunciara. No fim de um ano, Amaro determinou voltar para a América, com grande desgosto de Marcondes, que em vão procurou retê-lo.

Voltou Amaro aborrecido com ter gasto um ano sem vantagem alguma, a não ser o ter visto e admirado uma grande capital. Mas a felicidade que ele devia ter? Essa nem por sombra.

- Fiz mal - dizia ele consigo - em ter cedido aos conselhos. Vim em busca do desconhecido. É uma lição que me há de aproveitar.

Embarcou, e chegou ao Rio de Janeiro, com grande alegria no coração. O seu desejo era seguir logo para a fazenda da Soledade. Mas lembrou-se de que existiam na Corte algumas famílias da amizade da sua, a quem cumpria ir falar antes de partir para o interior.

"Quinze dias é bastante", pensou ele.

Meteu-se num hotel, e logo no dia seguinte começou a romaria das visitas.

Uma das famílias a quem Amaro visitou era a de um fazendeiro de Minas, que em virtude de vários processos que teve por motivo de relações comerciais viu reduzidos os seus bens, e mudara-se para a Corte, onde vivia com a fortuna que lhe restava. Chamava-se Carvalho.

Aí achou Amaro, como fazendo parte da família, uma moça de vinte e cinco anos, de nome Antonina. Era viúva. Estava em casa de Carvalho, porque este fora íntimo amigo do pai dela, e como este já não existisse, e ela não quisesse viver só, depois de viúva, Carvalho recebeu-a em casa, onde era tratada como filha mais velha. Antonina tinha alguma cousa de seu. Era prendada, espirituosa, elegante. Carvalho admirava sobretudo a sua penetração de espírito, e não cessava de elogiar-lhe essa qualidade, que para ele era suprema.

Amaro Faria foi lá duas vezes em três dias, como simples visita; mas no quarto dia sentiu já em si uma necessidade de lá voltar. Se tivesse partido para a fazenda era possível que não lhe lembrasse mais nada; mas a terceira visita produziu outra, e outras, até que no fim de quinze dias, em vez de partir para a roça, Amaro dispunha-se a residir largo tempo na Corte.

Estava namorado.

Antonina merecia ser amada por um rapaz como Faria. Sem ser deslumbrantemente formosa, tinha umas feições regulares, uns olhos ardentes, e era muito simpática. Gozava de geral consideração.

O rapaz era correspondido? Era. A jovem viúva correspondeu logo ao afeto do fazendeiro, com certo ardor que aliás o mancebo partilhava.

Quando Carvalho desconfiou do namoro, disse a Amaro Faria:

- Já sei que você tem namoro cá em casa.

- Eu?

- Sim, você.

- Pois sim, é verdade.

- Não há nada de mau nisto. Eu apenas quero dizer-lhe que tenho olho vivo, e nada me escapa. A rapariga merece.

- Oh! Se merece! Quer saber de uma cousa? Eu já abençoo aquele maldito Marcondes que me arrancou lá da fazenda, pois que eu venho achar aqui a minha felicidade.

- Então é decidido?

- Se é! Pensando bem, eu não posso deixar de casar-me. Quero ter uma vida calma, é o meu natural. Achando uma mulher que não exija modas nem bailes estou contente. Creio que esta é assim. Além disso é bonita...

- E mais que tudo discreta - acrescentou Carvalho.

- É o caso.

- Bravo! Posso avisá-la de que...

- Toque-lhe nisso...

Carvalho trocou estas palavras com Amaro numa tarde em que este lá jantou. Na mesma noite, quando Amaro se despediu, disse-lhe Carvalho em particular:

- Toquei-lhe naquilo: a disposição é excelente!

Amaro foi para casa disposto a fazer no dia seguinte a sua proposta de casamento a Antonina.

E, com efeito, no dia seguinte apareceu Amaro em casa de Carvalho, como costumava, e aí, em conversa com a viúva, perguntou-lhe francamente se queria casar com ele.

- Ama-me então? - perguntou ela.

- Deve tê-lo percebido, porque eu também percebi que sou amado.

- É - disse ela com a voz um pouco trêmula.

- Aceita-me por marido?

- Aceito - disse ela -. Mas repita que me ama.

- Cem vezes, mil vezes, se quer. Amo-a muito.

- Não será um fogo passageiro?

- Se eu empenho a minha vida inteira!

- Todos a empenham; mas depois...

- Começa então por uma dúvida?

- Um receio natural, um receio de quem ama...

- Não me conhece ainda; mas verá que eu digo a verdade. É minha, sim?

- Perante Deus e os homens - respondeu Antonina.

IV

Estando as cousas assim tratadas, não havendo obstáculo algum, fixou-se o casamento para dali a dous meses.

Amaro já abençoava o haver saído da fazenda, e nesse sentido escreveu uma carta a Marcondes agradecendo-lhe a tentação que exercera nele.

A carta terminava assim: "Mefistófeles do bem, eu te agradeço as tuas inspirações. Na Soledade havia tudo, menos a mulher que agora encontrei".

Como se vê, não aparecia a menor sombra no céu da vida do nosso herói. Parecia impossível que alguma cousa viesse turvá-lo.

Pois veio.

Uma tarde, entrando Amaro Faria para jantar, achou uma carta com o selo do correio.

Abriu-a e leu-a.

A carta dizia isto:

Uma pessoa que o viu há dias no Teatro Lírico, num camarote da segunda ordem, é quem escreve esta carta.
Há quem atribua o amor a simpatias elétricas; não tenho nada com essas investigações; mas o que me acontece faz crer que os que adotam aquela teoria tenham razão.
Era a primeira vez que o via, e logo, sem saber como, nem por que razão, senti-me dominada pelo seu olhar.
Passei uma noite horrível.
O senhor estava ao pé de duas senhoras, e conversava ternamente com uma delas. É sua noiva? É sua mulher? Não sei; mas seja o que for, bastou-me vê-lo assim, para odiar o objeto das suas atenções.
Talvez que haja loucura neste passo que dou; é possível, porque eu perdi a razão. Amo-o doudamente, e bem quisera poder dizer-lhe em face. É o que nunca farei. Os meus deveres obrigam-me a esta reserva; estou condenada a amá-lo sem confessar que o amo.
Basta porém que o senhor saiba que há uma mulher, entre todas as desta capital, que apenas o vê estremece de júbilo e de desespero, de amor e de ódio, por não poder ser sua, unicamente sua.
Ardia por fazer-lhe esta confissão; agora que a fiz, adeus para sempre.

Amaro Faria leu e releu esta carta. Não conhecia a letra, nem podia imaginar quem fosse a autora. Soube apenas o que lhe dizia a carta; nada mais.

Passado porém esse primeiro movimento de curiosidade, o fazendeiro da Soledade guardou a carta, e foi passar a noite em casa de Carvalho, onde Antonina o recebeu com a ternura do costume.

Amaro quis referir a aventura da carta; mas receando que um fato tão inocente pudesse causar infundados ciúmes à futura esposa, não disse palavra a esse respeito.

Daí a dous dias nova carta o esperava.

Desta vez Amaro abriu a carta apressadamente, por ter visto que a letra era a mesma.

O romance começava a interessá-lo.

Dizia a carta:

Foi inútil o meu protesto. Quis deixar de escrever-lhe mais; apesar de tudo, sinto que não posso deixar de fazê-lo. É uma necessidade fatal...
Ah! Os homens ignoram quanto esforço é preciso a uma mulher para conter-se nos limites do dever.
Hesitei muito em escrever-lhe a primeira carta, e esta mesmo não sei se lha remeterei; mas o amor triunfou e triunfará sempre, porque eu já não vivo senão pela sua lembrança! De noite e de dia, a todas as horas, em todas as circunstâncias, a sua pessoa está sempre presente ao meu espírito.
Sei o seu nome, sei a sua posição. Sei mais que é um homem de bem. O senhor é que não sabe quem eu sou, e pensará ao ler estas cartas, que eu ando em busca de um romance que me rejuvenesça o coração e as feições. Não; sou moça, e posso afirmar que sou bela. Não é porque mo digam; poderão querer lisonjear-me; mas o que não é lisonja é o murmúrio de admiração que eu ouço apenas entro numa sala ou passo em alguma rua.
Desculpe se lhe falo de mim com esta linguagem.
O que importa saber é que eu o amo perdidamente, e que a ninguém mais pertenço, nem pertencerei.
Uma carta sua, uma linha, uma lembrança, para que eu tenha uma relíquia e um talismã.
Se quiser fazer esta graça em favor de uma mulher desgraçada, escreva a P. L., e mande pôr no correio, que eu lá mandarei buscar.

Adeus! Adeus!

Amaro Faria não estava acostumado a romances destes, nem eles são comuns na vida.

A primeira carta produzira-lhe uma certa curiosidade, que aliás passou; mas a segunda já lhe produzira mais; sentia-se atraído para o misterioso e o desconhecido, isso a que ele fugira sempre, contentando-se com a realidade prática das cousas.

"Devo escrever-lhe?", perguntava ele consigo. "É positivo que esta mulher ama-me; não se escrevem cartas assim. É bonita, porque o confessa sem medo de prová-lo algum dia. Mas devo escrever-lhe?"

Nisto batem palmas.

V

Era Luís Marcondes, que chegava da Europa.

- Que é isto? Já de volta? - perguntou-lhe Amaro.

- É verdade; para variar. Eu é que me admiro de achar-te na Corte, quando já te fazia na fazenda.

- Não, não fui à Soledade depois que voltei; e vais espantar-te da razão; vou casar-me.

- Casas-te!

- É verdade.

- Com a mão esquerda, morganaticamente...

- Não, publicamente, e com a mão direita.

- É assombroso.

- Dizes isso porque não conheces a minha noiva; é um anjo.

- Então dou-te os meus parabéns.

- Hei de apresentar-te hoje. E para festejar a tua chegada jantas comigo.

- Sim.

À mesa do jantar, Amaro contou a Marcondes a história das cartas; e leu-lhas ambas.

- Bravo! - disse Marcondes -. Que lhe respondeste?

- Nada.

- Nada! És um grosseirão e um tolo. Pois uma mulher escreve-te, mostra-se apaixonada por ti, e tu nada lhe respondes? Não fará isso o Marcondes. Desculpa se te falo em verso... O velho Horácio...

Estava iminente um discurso. Faria, para atalhá-lo, apresentou-lhe a lista e Marcondes passou rapidamente do velho Horácio a um assado com batatas.

- Mas - continuou o amigo de Amaro - não me dirás por que motivo lhe não respondeste?

- Eu sei lá. Primeiramente porque não estou acostumado a esta espécie de romances vivos, começando por cartas anônimas, e depois porque vou casar...

- A isso respondo eu que uma vez é a primeira, e que o ires casar não impede nada. Indo daqui para Botafogo, não há motivo nenhum que me impeça de entrar no Passeio Público ou na Biblioteca Nacional... Queres tu ceder-me o romance?

- Isso nunca: seria uma deslealdade...

- Pois então responde.

- Mas que lhe hei de dizer?

- Dize-lhe que a amas.

- É impossível; ela não pode acreditar...

- Pateta! - disse Marcondes pondo vinho nos cálices -. Dize-lhe que a simples leitura das cartas te puseram a cabeça a arder, e que já sentes que hás de vir a amá-la, se já não a amas... e neste sentido escreve-lhe três ou quatro laudas.

- Então achas que eu devo...

- Sem dúvida alguma.

- Para falar a verdade eu tenho certa curiosidade...

- Pois avante.

Amaro escreveu nessa mesma tarde uma carta concebida nestes termos, que Marcondes aprovou integralmente:

Senhora.

Quem quer que seja, é uma alma grande e um coração de fogo. Só um grande amor pode aconselhar um passo destes tão arriscado.
Li e reli as suas duas cartas; e hoje, quer que lhe diga? Penso nelas exclusivamente; fazem-me o efeito de um sonho. Eu pergunto a mim mesmo se é possível que eu inspirasse tal amor, e agradeço aos deuses o ter-me demorado aqui na Corte, pois que tive ocasião de ser feliz.
Na minha solidão as suas cartas são um íris de esperança e de felicidade.
Mas eu seria mais completamente feliz se pudesse conhecê-la; se me fosse dado vê-la de perto, adorar sob a forma humana este mito que a minha imaginação está criando.
Ousarei esperá-lo?
É já grande atrevimento conceber semelhante ideia; mas espero que me perdoará, porque o amor perdoa tudo.
Em qualquer caso, fique certa de que eu sinto-me com forças para corresponder ao seu amor, e adorá-la como merece.
Uma palavra sua, e ver-me-á correr por entre os mais insuperáveis obstáculos.

A carta foi para o correio com as indicações necessárias; e Amaro, que ainda hesitou no momento de mandá-la, dirigiu-se à noite para casa da noiva em companhia de Luís Marcondes.

VI

Antonina recebeu o noivo com a mesma alegria do costume. Marcondes agradou a todas as pessoas da casa pelo gênio galhofeiro que tinha, e apesar da tendência para os discursos intermináveis.

Quando, pelas onze horas e meia da noite, saíram de casa de Carvalho, Marcondes apressou-se a dizer ao amigo:

- A tua noiva é linda.

- Não achas?

- Decerto. E parece que te quer muito...

- É por isso que eu lamento ter escrito aquela carta - disse Amaro suspirando.

- Olha que parvo! -exclamou Marcondes -. Por que motivo há de Deus dar nozes a quem não tem dentes?

- Acreditas que ela responda?

- Se responde! Eu estou traquejado nisto, meu rico!

- Que responderá ela?

- Mil cousas bonitas.

- Mas afinal em que dará tudo isto? - perguntou Amaro -. Eu creio que ela gosta de mim... Não te parece?

- Já te disse que sim!

- Estou ansioso por ver a resposta.

- E eu também...

Marcondes dizia consigo mesmo:

"Era bem bom que eu tomasse para mim este romance, porque o palerma estraga tudo."

Amaro percebeu que o amigo hesitava em dizer-lhe alguma cousa.

- Em que pensas? - perguntou-lhe.

- Penso que tu és um palerma; e sou capaz de continuar o teu romance por minha conta.

- Isso não! Já agora deixa-me acabar. Vamos ver que resposta vem. Quero que me ajudes, sim?

- Pronto, com a condição de que não hás de ser tolo.

Separaram-se.

Amaro foi para casa, e tarde conciliou o sono. A história das cartas enchia-lhe o espírito; imaginava a mulher misteriosa, construía dentro de si uma figura ideal; dava-lhe cabelos de ouro...

VII

A próxima carta da misteriosa mulher era um hino de amor e de alegria; ela agradecia ao seu amado aquelas linhas; prometia que só deixaria a carta quando morresse.

Havia porém dous períodos que aguaram o prazer de Amaro Faria. Um dizia assim: "Há dias vi-o passar na rua do Ouvidor com uma família. Disseram-me que o senhor vai casar com uma das moças. Sofri horrivelmente; vai casar, quer dizer que a ama... e esta certeza mata-me!"

O outro período pode resumir-se a estes termos: "Quanto ao pedido que me faz de querer ver-me, respondo-lhe que não há de ver-me nunca; nunca, ouviu? Basta que saiba que eu o amo, muito mais do que há de amá-lo a viúva Antonina. Perca a esperança de ver-me".

- Estás vendo - disse Amaro Faria a Marcondes mostrando-lhe a carta-, está tudo perdido.

- Oh! Pateta! - disse-lhe Marcondes -. Tu não vês que esta mulher não diz o que sente? Pois acreditas que isto seja a expressão exata do pensamento dela? Acho a situação excelente para responderes; trata bem o período do teu casamento, e insiste de novo no desejo de contemplá-la.

Amaro Faria aceitou facilmente este conselho; o seu espírito o predispunha para aceitá-lo.

No dia seguinte uma nova epístola do fazendeiro da Soledade foi para a caixa do correio.

Os pontos capitais da carta foram tratados por mão de mestre. O instinto de Amaro supria-lhe a experiência.

Quanto à noiva, dizia ele que era exato que ia casar-se, e que naturalmente a moça com quem o viu a sua incógnita amadora era Antonina; entretanto, se era certo que o casamento fazia-se por inclinação, não era de estranhar que um novo amor viesse substituir aquele; e a própria demora do enlace era uma prova de que o destino lhe preparava uma felicidade maior no amor da autora das cartas.

Por fim, Amaro pedia instantemente para vê-la, ainda que fosse um minuto, porque, dizia ele, queria guardar na memória as feições que devia adorar eternamente.

A incógnita respondeu, e a carta dela era um composto de expansões e reticências, protestos e negativas.

Marcondes animava o abatido e recruta Amaro Faria, que em mais duas cartas resumiu a maior força de eloquência de que podia dispor.

A última produziu o desejado efeito. A misteriosa correspondente terminava a sua resposta com estas textuais palavras:

Consinto em que me veja, mas apenas um minuto. Irei com a minha criada, antes amiga que criada, em um carro, no dia 15, esperá-lo na praia do Flamengo, às sete horas da manhã. Para que se não engane, o carro tem o número 13; é o de um cocheiro que já esteve ao meu serviço.

- Que te dizia eu? - perguntou Marcondes ao amigo quando este lhe mostrou esta resposta -. Se não estivesse eu aqui lá se te ia por água abaixo este romance. Meu caro, dizem que a vida é um caminho cheio de espinhos e flores; se é assim, acho tolice que um homem não apanhe as flores que encontra.

Desta vez Marcondes pôde fazer tranquilamente o discurso; porque Amaro Faria, todo entregue às emoções que a carta lhe produzia, não procurou atalhá-lo.

- Enfim, hoje são 13, disse Marcondes; 15 é o dia marcado. Se for bonita como diz, vê se foges com ela; o paquete do rio da Prata sai a 23, e a tua fazenda é um quadrilátero.

- Vê que letra fina! E que perfume!

- Não tem dúvida; é uma mulher elegante. O que eu desejo é saber o resultado; no dia 15 vou esperar em tua casa.

- Sim.

VIII

Rompeu finalmente o dia 15, ansiosamente esperado por Amaro Faria.

O jovem fazendeiro perfumou-se e enfeitou-se o mais que pôde. Estava adorável. Depois de um último olhar lançado ao espelho, Amaro Faria saiu, e entrou num tilbury.

Tinha calculado o tempo de lá chegar; mas, como todo o namorado, chegou um quarto de hora antes.

Deixou o tillbury a certa distância, e entrou a passear ao longo da praia.

De cada vez que assomava um carro ao longe, Amaro Faria sentia-se enfraquecer; mas o carro passava, e em vez do número feliz trazia um 245 ou 523, que o deixava em profunda tristeza.

Amaro consultava o relógio de minuto a minuto.

Afinal assoma ao longe um carro que andava vagarosamente como devem andar os carros que entram em tais mistérios.

"Será este?" - disse Amaro consigo.

O carro aproximava-se com lentidão e vinha fechado, de maneira que, ao passar junto de Amaro, este não pôde ver quem ia dentro.

Mas apenas passou, Amaro leu o número 13.

As letras pareceram-lhe de fogo.

Foi imediatamente atrás; o carro parou dali a vinte passos. Amaro aproximou-se e bateu na portinhola.

A portinhola abriu-se.

Havia dentro duas mulheres, ambas tinham um véu na cabeça, de maneira que Amaro não podia distinguir as suas feições.

- Sou eu! - disse ele timidamente - . Prometeu-me que eu a veria...

E dizendo isto dirigia-se alternadamente para uma e outra, pois não sabia qual delas era a misteriosa correspondente.

- Vê-la somente, e irei com a sua imagem no meu coração!

Uma das mulheres descobriu o rosto.

- Veja! - disse ela.

Amaro recuou um passo.

Era Antonina.

A viúva continuou:

- Aqui estão as suas cartas; lucrei muito. Como depois de casada não será tempo de arrepender-me, foi bom que o conhecesse agora mesmo. Adeus.

Fechou a portinhola, e o carro partiu.

Amaro ficou alguns minutos no mesmo lugar, olhando sem ver, e com ímpetos de correr atrás do carro; mas era impossível apanhá-lo o mais ligeiro tilbury, porque o carro, levado a galope, ia longe.

Amaro chamou de novo o seu tilbury e voltou para a cidade.

Apenas chegou a casa, saiu-lhe ao encontro o jovem Marcondes, com um sorriso nos lábios.

- Então, é bonita?

- É o diabo! Deixa-me!

Instado por Marcondes, o fazendeiro da Soledade contou tudo ao amigo, que o consolou como pôde, mas saiu de lá rindo às gargalhadas.

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