Conto

O Capitão Mendonça

1870
Este conto foi originariamente publicado no Jornal das famílias, em maio de 1870, assinado por Machado de Assis. O texto desta edição eletrônica foi cotejado com o da publicação original.

Capítulo primeiro

Estando um pouco arrufado com a dama dos meus pensamentos, achei-me eu uma noite sem destino nem vontade de preencher o tempo alegremente, como convém em tais situações. Não queria ir para casa porque seria entrar em luta com a solidão e a reflexão, duas senhoras que se encarregam de pôr termo a todos os arrufos amorosos.

Havia espetáculo noTeatro de São Pedro. Não quis saber que peça se representava; entrei, comprei uma cadeira e fui tomar conta dela, justamente quando se levantava o pano para começar o primeiro ato. O ato prometia; começava por um homicídio e acabava por um juramento. Havia uma menina, que não conhecia pai nem mãe, e era arrebatada por um embuçado que eu suspeitei ser a mãe ou o pai da menina. Falava-se vagamente de um marquês incógnito, e aparecia a orelha de um segundo e próximo assassinato na pessoa de uma condessa velha. O ato acabou com muitas palmas.

Apenas caiu o pano houve a balbúrdia do costume; os espectadores marcavam as cadeiras e saíam para tomar ar. Eu, que felizmente estava em lugar onde não podia ser incomodado, estendi as pernas e entrei a olhar para o pano da boca, no qual, sem esforço da minha parte, apareceu a minha arrufada senhora com os punhos fechados e ameaçando-me com olhos furiosos.

- Que lhe parece a peça, Sr. Amaral?

Voltei-me para o lado de onde ouvira proferir o meu nome. Estava à minha esquerda um sujeito, já velho, vestido com uma sobrecasaca militar, e sorrindo amavelmente para mim.

- Admira-se de lhe saber o nome? - perguntou o sujeito.

- Com efeito - respondi eu -; não me lembra de o ter visto...

- A mim nunca me viu; cheguei ontem do Rio Grande do Sul. Também eu nunca o tinha visto, e no entanto conheci-o logo.

- Adivinho - respondi -; dizem-me que me pareço muito com meu pai. Conheceu-o, não?

- Pudera! Fomos companheiros d'armas. O coronel Amaral e o capitão Mendonça passavam no exército por ser a imagem da perfeita amizade.

- Agora me recordo de que meu pai me falava muito no capitão Mendonça.

- Sou eu.

- Falava-me com muito interesse; dizia que era o seu melhor e mais fiel amigo.

- Era injusto o coronel - disse o capitão abrindo a caixa de rapé -, eu fui mais do que isso, fui o único amigo fiel que ele teve. Mas seu pai era cauteloso; talvez não quisesse ofender ninguém. Era um tanto fraco seu pai; a única rixa que tivemos foi por eu uma noite chamar-lhe tolo. O coronel reagiu, mas convenceu-se finalmente... Quer uma pitada?

- Obrigado.

Admirou-me que o mais fiel amigo de meu pai tratasse tão desdenhosamente a sua memória, e entrei logo a suspeitar da amizade que os ligara no exército. Confirmou-me esta suspeita a lembrança de que meu pai, quando falava no capitão Mendonça, dizia ser um excelente homem... com uma aduela de menos.

Contemplei o capitão enquanto ele sorvia a pitada e sacudia com o lenço a camisa ligeiramente maculada por um clássico e legítimo pingo. Era um homem de boa presença, gesto militar, olhar um tanto vago, barba de fonte a fonte, passando por baixo do queixo, como convém a um militar que se respeita. A roupa era toda nova, e o velho capitão mostrava estar acima das necessidades da vida.

A expressão da cara não era má; mas o olhar vago e as sobrancelhas espessas e salientes transtornavam o resto.

Conversamos do passado; o capitão contou-me a Campanha contra Rosas, e a parte que nela tomou com meu pai. A sua conversa era animada e pitoresca; lembrava-se de muitos episódios, entremeava tudo com anedotas engraçadas.

Ao cabo de vinte minutos o público começou a inquietar-se com a extensão do intervalo e a orquestra dos tacões executou a sinfonia do desespero.

Justamente nesse momento veio um sujeito chamar o capitão para ir a um camarote. O capitão quis adiar a visita para outro intervalo, mas, instando o sujeito, cedeu e apertou-me a mão dizendo:

- Até já.

Fiquei outra vez só; os tacões cederam lugar às rabecas, e ao cabo de alguns minutos começou o segundo ato.

Como aquilo para mim não era distração nem ocupação, acomodei-me o melhor que pude na cadeira e cerrei os olhos ouvindo um monólogo do protagonista, que cortava o coração e a gramática.

Não tardou que fosse despertado pela voz do capitão. Abri os olhos e vi-o de pé.

- Quer saber de uma cousa? - perguntou ele -. Eu vou cear; acompanha-me?

- Não posso, queira desculpar-me - respondi.

- Não admito desculpa; faça de conta que eu sou o coronel e digo: Pequeno, vamos cear!

- Mas é que eu espero...

- Não espera ninguém!

O diálogo provocou alguns murmúrios à roda de nós. Vendo a disposição anfitriônica do capitão, achei prudente acompanhá-lo para não dar lugar a uma manifestação pública.

Saímos.

- Cear a esta hora - disse o capitão - não é próprio de um rapaz como o senhor; mas eu cá sou velho e militar.

Não repliquei.

A falar verdade eu não tinha preferência pelo teatro nem por cousa nenhuma; queria passar o tempo. Conquanto não me arrastasse nenhuma simpatia para o capitão, a maneira por que me tratava e a circunstância de ter sido companheiro d'armas de meu pai faziam com que a companhia dele fosse naquele momento mais aceitável que a de outro qualquer.

Além destas razões todas, a vida que eu levava era tão monótona que a diversão do capitão Mendonça devia encher uma boa página com matéria nova. Digo a diversão do capitão Mendonça, porque o meu companheiro tinha não sei quê no gesto e nos olhos que me parecia excêntrico e original. Encontrar um original ao meio de tantas cópias de que anda farta a vida humana não é uma fortuna?

Acompanhei, portanto, o meu capitão, que continuou a falar durante o caminho todo, arrancando-me apenas de longe em longe um monossílabo.

No fim de algum tempo paramos defronte de uma casa velha e escura.

- Vamos entrar - disse Mendonça.

- Que rua é esta? - perguntei eu.

- Pois não sabe? Oh! Como anda com a cabeça a juros! Esta é a rua da Guarda Velha.

- Ah!

O velho bateu três pancadas; daí a alguns segundos rangia a porta nos gonzos e nós entrávamos num corredor escuro e úmido.

- Então não trouxeste luz? - perguntou Mendonça a alguém que eu não via.

- Vim com pressa.

- Bem; fecha a porta. Dê cá a mão, Sr. Amaral; esta entrada é um pouco esquisita, mas lá em cima estaremos melhor.

Dei-lhe a mão.

- Está trêmula - observou o capitão Mendonça.

Eu tremia, com efeito; pela primeira vez surgiu-me no espírito a suspeita de que o pretendido amigo de meu pai não fosse mais que um ladrão, e aquilo, uma ratoeira armada aos néscios.

Mas era tarde para retroceder; qualquer demonstração de medo seria pior. Por isso, respondi alegremente:

- Se lhe parecer que não há de tremer quem entre por um corredor como este, o qual, haja de perdoar, parece o corredor do inferno.

- Quase acertou - disse o capitão, guiando-me pela escada acima.

- Quase?

- Sim; não é o inferno, mas é o purgatório.

Estremeci ao ouvir estas últimas palavras; todo o meu sangue precipitou-se para o coração, que começou a bater apressado. A singularidade da figura do capitão, a singularidade da casa, tudo se acumulava para encher-me de terror. Felizmente chegamos acima e entramos para uma sala iluminada a gás, e mobiliada como todas as casas deste mundo.

Para gracejar e conservar toda a independência do meu espírito, disse sorrindo:

- Está feito, o purgatório tem boa cara; em vez de caldeiras tem sofás.

- Meu rico senhor - respondeu o capitão olhando fixamente para mim, cousa que pela primeira vez acontecia, porque o seu olhar era sempre vesgo -; meu rico senhor, se pensa que desse modo arranca o meu segredo está muito enganado. Convidei-o para cear; contente-se com isto.

Não respondi; as palavras do capitão desvaneceram as minhas suspeitas acerca da intenção com que ele ali me trouxera, mas criaram outras impressões; suspeitei que o capitão estivesse doudo; e o menor incidente confirmava-me a suspeita.

- Moleque! - disse o capitão; e, quando o moleque apareceu, continuou -: prepara a ceia; tira vinho da caixa nº 25; vai; quero tudo pronto em um quarto de hora.

O moleque foi executar as ordens de Mendonça. Este, voltando-se para mim, disse:

- Sente-se e leia alguns destes livros. Vou mudar de roupa.

- Não volta ao teatro? - perguntei eu.

- Não.

II

Poucos minutos depois caminhávamos para a sala de jantar, que ficava nos fundos da casa. A ceia era farta e apetitosa; no centro campeava um soberbo assado frio; pastelinhos, doces, velhas botelhas de vinho completavam a ceia do capitão.

- É um banquete - disse eu.

- Qual! É uma ceia ordinária... não vale nada.

Havia três cadeiras.

- Sente-se aqui - disse-me ele indicando a do meio, e sentando-se ele próprio na que ficava à minha esquerda. Compreendi que havia mais um conviva, mas não perguntei. Também não era preciso; daí a poucos segundos saía de uma porta em frente uma moça alta e pálida, que me cumprimentou e se dirigiu para a cadeira que ficava à minha direita.

Levantei-me, e fui apresentado pelo capitão à menina, que era filha dele, e acudia ao nome de Augusta.

Confesso que a presença da moça me tranquilizou um pouco. Não só deixara de estar a sós com um homem tão singular como o capitão Mendonça, mas também a presença da moça naquela casa indicava que o capitão, se era doudo como eu suspeitava, era ao menos um doudo manso.

Tratei de ser amável com a minha vizinha, enquanto o capitão trinchava o peixe com uma habilidade e destreza que bem indicavam a sua proficiência nos misteres da boca.

- Devemos ser amigos - disse eu a Augusta -, pois que nossos pais o foram também.

Augusta levantou para mim dous belíssimos olhos verdes. Depois sorriu e abaixou a cabeça com ar de casquilhice ou de modéstia, porque ambas as cousas podiam ser. Contemplei-a nessa posição; era uma formosa cabeça, perfeitamente modelada, um perfil correto, uma pele fina, cílios longos, e cabelos cor de ouro, áurea coma, como os poetas dizem do sol.

Durante esse tempo Mendonça tinha concluído a tarefa; e começava a servir-nos. Augusta brincava com a faca, talvez para mostrar-me a finura da mão e o torneado do braço.

- Estás muda, Augusta? - perguntou o capitão servindo-a de peixe.

- Qual, papai! Estou triste.

- Triste? Então que tens?

- Não sei; estou triste sem causa.

Tristeza sem causa traduz-se muitas vezes por aborrecimento. Eu traduzi assim o dito da moça, e senti-me ferido no meu amor-próprio, aliás sem razão fundada. Para alegrar a moça tratei de alegrar a situação. Esqueci o estado do espírito do pai, que me parecia profundamente abalado, e entrei a conversar como se estivesse entre amigos velhos.

Augusta pareceu gostar da conversa; o capitão também entrou a rir como um homem de juízo; eu estava num dos meus melhores dias; acudiam-me os ditos engenhosos e as observações de algum chiste. Filho do século, sacrifiquei ao trocadilho, com tal felicidade que inspirei o desejo de ser imitado pela moça e pelo pai.

Quando a ceia acabou reinava entre nós a maior intimidade.

- Quer voltar ao teatro? - perguntou-me o capitão.

- Qual! - respondi.

- Quer dizer que prefere a nossa companhia, ou antes... a companhia de Augusta.

Esta franqueza do velho pareceu-me um pouco indiscreta. Estou certo de que fiquei rubro. Não aconteceu o mesmo a Augusta, que sorriu dizendo:

- Se assim é, não lhe devo nada, porque eu também prefiro agora a sua companhia ao melhor espetáculo deste mundo.

A franqueza de Augusta admirou-me ainda mais que a de Mendonça. Mas não era fácil mergulhar-me em reflexões profundas quando os belos olhos verdes da moça estavam pregados nos meus, parecendo dizer-me:

- Seja amável como até agora.

- Vamos para a outra sala - disse o capitão levantando-se.

Fizemos o mesmo. Dei o braço a Augusta, enquanto o capitão nos guiava para outra sala, que não era a de visitas. Sentamo-nos, menos o velho, que foi acender um cigarro numa das velas do candelabro, enquanto eu lançava um olhar rápido pela sala, que me pareceu de todo ponto estranha. A mobília era antiga, não só no molde, senão também na idade. No centro havia uma mesa redonda, grande, coberta com um tapete verde. Numa das paredes havia pendurados alguns animais empalhados. Na parede fronteira a essa havia apenas uma coruja, também empalhada, e com olhos de vidro verde, que, apesar de fixos, pareciam acompanhar todos os movimentos que a gente fazia.

Aqui voltaram os meus sustos. Olhei, entretanto, para Augusta, e esta olhou para mim. Aquela moça era o único laço que havia entre mim e o mundo, porque tudo naquela casa me parecia realmente fantástico; e eu já não duvidava do caráter purgatorial que me fora indicado pelo capitão.

Estivemos silenciosos alguns minutos; o capitão fumava o cigarro passeando com as mãos atrás das costas, posição que pode indicar a meditação de um filósofo ou a taciturnidade de um néscio.

De repente parou defronte de nós, sorriu, e perguntou-me:

- Não acha formosa esta pequena?

- Formosíssima - respondi.

- Que lindos olhos, não são?

- Lindíssimos, com efeito, e raros.

- Faz-me honra esta produção, não?

Respondi com um sorriso aprovador. Quanto a Augusta, limitou-se a dizer com adorável simplicidade:

- Papai é mais vaidoso do que eu; gosta de ouvir dizer que sou bonita. Quem não sabe disso?

- Há de notar - disse-me o capitão sentando-se - que esta pequena é franca demais para o seu sexo e idade...

- Não lhe acho defeito...

- Nada de evasivas; a verdade é essa. Augusta não se parece com as outras moças que pensam muito bem de si, mas sorriem quando lhe fazem algum cumprimento, e franzem o sobrolho quando não lho fazem.

- Direi que é uma adorável exceção - respondi eu sorrindo para a moça, que me agradeceu sorrindo também.

- Isso é - disse o pai -; mas exceção completa.

- Uma educação racional - continuei eu - pode muito bem...

- Não só a educação - tornou Mendonça -, mas até a origem. A origem é tudo, ou quase tudo.

Não entendi o que queria dizer o homem. Augusta parece que entendeu, porque entrou a olhar para o teto sorrindo maliciosamente. Olhei para o capitão; o capitão olhava para a coruja.

Reanimou-se a conversa por espaço de alguns minutos, ao cabo dos quais o capitão, que parecia ter uma ideia fixa, perguntou-me:

- Então acha esses olhos bonitos?

- Já lho disse; são tão formosos quanto raros.

- Quer que lhos dê? - perguntou o velho.

Inclinei-me dizendo:

- Seria muito feliz em possuir tão raras prendas; mas...

- Nada de cerimônias; se quer, dou-lhos; senão, limito-me a mostrar-lhos.

Dizendo isto, levantou-se o capitão e aproximou-se de Augusta, que inclinou a cabeça sobre as mãos dele. O velho fez um pequeno movimento, a moça ergueu a cabeça, o velho apresentou-me nas mãos os dous belos olhos da moça.

Olhei para Augusta. Era horrível. Tinha no lugar dos olhos dous grandes buracos como uma caveira. Desisto de descrever o que senti; não pude dar um grito; fiquei gelado. A cabeça da moça era o que mais hediondo pode criar imaginação humana; imaginem uma caveira viva, falando, sorrindo, fitando em mim os dous buracos vazios, onde pouco antes nadavam os mais belos olhos do mundo. Os buracos pareciam ver-me; a moça contemplava o meu espanto com um sorriso angélico.

- Veja-os de perto - dizia o velho diante de mim -; palpe-os; diga-me se já viu obra tão perfeita.

Que faria eu senão obedecer-lhe? Olhei para os olhos que o velho tinha na mão. Aqui foi pior; os dous olhos estavam fitos em mim, pareciam compreender-me tanto quanto os buracos vazios do rosto da moça; separados do rosto, não os abandonara a vida; a retina tinha a mesma luz e os mesmos reflexos. Daquele modo as duas mãos do velho olhavam para mim como se foram um rosto.

Não sei que tempo se passou; o capitão tornou a aproximar-se de Augusta; esta abaixou a cabeça, e o velho introduziu os olhos no seu lugar.

Era horrível tudo aquilo.

- Está pálido! - disse Augusta, obrigando-me a olhar para ela, já restituída ao estado anterior.

- É natural... balbuciei eu; vejo cousas...

- Incríveis? - perguntou o capitão esfregando as mãos.

- Efetivamente, incríveis - respondi -; não pensava...

- Isto é nada! - exclamou o capitão -; e eu folgo muito que ache incríveis essas cousas poucas que viu, porque é sinal de que eu vou fazer pasmar o mundo.

Tirei o lenço para limpar o suor que me caía em bagas. Durante esse tempo Augusta levantou-se e saiu da sala.

- Vê a graça com que ela anda? - perguntou o capitão -. Aquilo tudo é obra minha... é obra do meu gabinete.

- Ah!

- É verdade; é por ora a minha obra-prima; e creio que não há que dizer-lhe; pelo menos o senhor parece estar encantado...

Curvei a cabeça em sinal de assentimento. Que faria eu, pobre mortal sem força, contra um homem e uma rapariga que me pareciam dispor de forças desconhecidas aos homens?

Todo o meu empenho era sair daquela casa; mas por maneira que os não molestasse. Desejava que as horas tivessem asas; mas é nas crises terríveis que elas correm fatalmente lentas. Dei ao diabo os meus arrufos, que foram a causa do encontro com semelhante sujeito.

Parece que o capitão adivinhara aquelas minhas reflexões, porque continuou, depois de algum silêncio:

- Deve estar encantado, ainda que um tanto assustado e arrependido da sua condescendência. Mas isso é puerilidade; nada perdeu em vir aqui, antes ganhou; fica sabendo cousas que só mais tarde saberá o mundo. Não lhe parece melhor?

- Parece - respondi sem saber o que dizia.

O capitão continuou:

- Augusta é a minha obra-prima. É um produto químico; gastei três anos para dar ao mundo aquele milagre; mas a perseverança vence tudo, e eu sou dotado de um caráter tenaz. Os primeiros ensaios foram maus; três vezes saiu a pequena dos meus alambiques, sempre imperfeita. A quarta foi esforço de ciência. Quando aquela perfeição apareceu caí-lhe aos pés. O criador admirava a criatura!

Parece que eu tinha pintado o pasmo nos olhos, porque o velho disse:

- Vejo que se espanta de tudo isto, e acho natural. Que poderia o senhor saber de semelhante cousa?

Levantou-se, deu alguns passos, e sentou-se outra vez. Nesse momento entrou o moleque trazendo café.

A presença do moleque fez-me criar alma nova; imaginei que fosse ali dentro a única criatura verdadeiramente humana com quem me pudesse entender. Entrei a fazer-lhe sinais, mas não consegui ser entendido. O moleque saiu, e fiquei a sós com o meu interlocutor.

- Beba o seu café, meu amigo - disse-me ele, vendo que eu hesitava, não por medo, mas porque realmente não tinha vontade de tomar cousa nenhuma.

Obedeci como pude.

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