Conto

Não É O Mel Para A Boca do Asno

1868

Este conto foi originalmente publicado no Jornal das Famílias, em janeiro de 1868, assinado por Victor de Paula. O texto desta edição eletrônica foi cotejado com o da publicação original.

O título do conto é um velho provérbio da tradição ocidental, havendo dele versões em várias línguas. O sentido é que não devemos nos dar o trabalho de servir algo a uma pessoa que não saberá apreciá-lo. Este provérbio é semelhante a “Não se deve dar pérolas a porcos”.

II

Imaginamos que a leitora já está curiosa por saber o que queriam dizer os repetidos olhares de Meneses atravessando a praça da Constituição, olhares que não estão de acordo com a recusa de não ir ver as moças.

Para satisfazer a curiosidade da leitora, convidamo-la a entrar conosco em casa de Pascoal Azevedo, pai de Luísa e Hortênsia, dous dias depois da cena que narramos no capítulo anterior.

Pascoal Azevedo era chefe de seção em uma secretaria de Estado, e com esse ordenado e mais os juros de algumas apólices sustentava a família, que se compunha de uma irmã velha e das duas filhas.

Era um homem folgazão, amigo da convivência, mas modesto no trato e na linguagem. Não dava banquetes nem bailes; mas gostava que a sala e a sua mesa, despretensiosas ambas, estivessem sempre ornadas de alguns amigos.

Entre as pessoas que lá iam notava-se Meneses e Marques.

Marques logo no fim de dous meses conseguiu fazer-se objeto de um amor grande e sincero. Hortênsia queria doudamente ao rapaz. Pede a fidelidade histórica que se mencione uma circunstância, e vem a ser que Marques já era amado antes que amasse.

Uma noite reparou ele que era objeto da preferência de Hortênsia, e desta circunstância, que lhe lisonjeou o amor-próprio, começou-lhe o amor.

Marques era, então, e continuou a ser, amigo de Meneses, com quem não tinha segredos, um pouco por confiança, um pouco por estouvamento.

Uma noite, pois, ao saírem de casa de Azevedo, Marques disparou estas palavras à cara de Meneses:

- Sabes de uma cousa?

- O que é?

- Estou apaixonado pela Hortênsia.

- Ah!

- É verdade.

- E ela?

- Igualmente; morre por mim. Sabes que eu conheço as mulheres, e não me engano. Que dizes?

- Que hei de dizer? Digo que fazes bem.

- Tenho até ideias sérias; quero casar-me.

- Já!

- Pois então! Eu sou homem de resoluções rápidas; nada de esfriar. Somente, não quero dar um passo destes sem que um amigo, como tu, o aprove.

- Oh! Eu - disse Meneses.

- Aprovas, não?

- Decerto.

Nisto ficou a conversa entre os dous amigos.

Marques foi para casa na firme intenção de envergar a casaca no outro dia, e ir pedir a moça em casamento.

Mas como no intervalo meteu-se o sono, Marques acordou com a ideia de adiar o pedido até alguns dias depois.

- Por que motivo precipitarei um ato destes? Reflitamos.

E entre esse dia e o dia em que o vimos entrar na casa do Rossio, havia o espaço de um mês.

Dous dias depois, amiga leitora, encontramos os dous amigos em casa de Azevedo.

Meneses é de um natural taciturno. Enquanto todos conversam animadamente, ele apenas solta de quando em quando um monossílabo, ou responde com um sorriso a qualquer dito chistoso. A prima das Azevedos chamava-o tolo; Luisinha apenas lhe supunha desmedido orgulho; Hortênsia, mais inteligente que as duas e menos estouvada, dizia que ele era um espírito severo.

Esquecia-nos dizer que Meneses tivera algum tempo o sestro de escrever versos para os jornais, o que lhe arredou a estima de alguns homens sérios.

Na noite em questão, acontecia uma vez achar-se Meneses com Hortênsia à janela, enquanto Marques conversava, com o velho Azevedo, sobre não sei que assunto do dia.

Meneses já estava à janela, com as costas para a rua, quando Hortênsia chegou-se a ele.

- Não tem medo do sereno? - disse-lhe ela.

- Não tenho - disse Meneses.

- Olhe; sempre o conheci taciturno; mas agora reparo que é mais do que costumava a ser. Algum motivo há. Há quem suponha que a mana Luisinha...

Este simples gracejo de Hortênsia, feito sem a menor intenção oculta, fez com que Meneses franzisse levemente as sobrancelhas. Houve entre os dous um momento de silêncio.

- Será? - perguntou Hortênsia.

- Não é - respondeu Meneses -. Mas quem é que supõe isso?

- Quem? Imagine que sou eu...

- Mas por que supôs?...

- Por nada... supus. Bem sabe que entre moças, quando um rapaz está calado e triste, é que está apaixonado.

- Sou exceção da regra, e não sou eu só.

- Por quê?

- Porque eu conheço outros que estão apaixonados e andam alegres.

Desta vez foi Hortênsia quem franziu as sobrancelhas.

- É que para isto de amores, D. Hortênsia - continuou Meneses -, não há regra estabelecida. Depende dos temperamentos, do grau de paixão, e mais que tudo da aceitação ou da recusa de um amor.

- Então, confessa quê?... - disse Hortênsia vivamente.

- Eu não confesso nada - respondeu Meneses.

Serviu-se neste momento o chá.

Quando Hortênsia, saindo da janela, atravessava a sala, olhou maquinalmente para um espelho que ficava em frente a Meneses, e viu o longo, o profundo, o doloroso olhar que este prendera nela, vendo-a afastar-se.

Insensivelmente olhou para trás.

Meneses mal teve tempo de voltar para o lado da rua.

Mas a verdade estava descoberta.

Hortênsia tinha convicção de duas cousas:

Primeiramente, que Meneses amava.

Depois, que o objeto do amor do rapaz era ela.

Hortênsia tinha um coração excelente. Apenas conheceu que era amada por Meneses, arrependeu-se das palavras que dissera, aparentemente palavras de remoque.

Quis reparar o mal redobrando de atenções com o moço; mas de que valiam elas, quando Meneses surpreendia de quando em quando os belos olhos de Hortênsia pousarem um amoroso olhar em Marques, que andava e falava radiante e ruidoso, como um homem que não tem uma só cousa que exprobrar à fortuna?

III

Uma noite Marques anunciou em casa de Azevedo que Meneses estava doente, e por isso não ia lá.

O velho Azevedo e Hortênsia sentiram a doença do moço. Luisinha recebeu a notícia com indiferença.

Indagaram da doença; mas o próprio Marques não sabia o que era.

A doença era uma febre que cedeu no fim de quinze dias à ação da medicina. No fim de vinte dias Meneses apresentou-se em casa de Azevedo, ainda pálido e magro.

Hortênsia doeu-se de o ver assim. Compreendeu que aquele amor não correspondido entrava por muito na doença de Meneses. Sem que lhe coubesse culpa por isso, Hortênsia teve remorsos de lho ter inspirado.

Era o mesmo que se a flor tivesse culpa do perfume que exala, ou a estrela, do fulgor que despede de si.

Nessa mesma noite Marques disse a Hortênsia que ia pedi-la em casamento no dia seguinte.

- Autoriza-me? - perguntou ele.

- Com uma condição.

- Qual?

- É que o fará secretamente, e que nada divulgará até o dia do casamento, que deve ser daqui a alguns meses.

- Por que esta condição?

- Já me nega o direito de fazer uma condição?

Marques calou-se, sem compreender.

Era fácil entretanto entrar no pensamento íntimo de Hortênsia.

A moça não queria com a publicidade imediata do casamento amargurar fatalmente a existência de Meneses.

Contava ela que, pouco depois do pedido e do ajuste, alcançaria licença do pai para ir passar fora dous ou três meses.

"É quanto basta", pensava ela, "para que o outro me esqueça e não sofra."

Esta delicadeza de sentimento, que revelava em Hortênsia uma rara elevação de espírito e uma alma perfeita, se Marques pudesse compreendê-la e adivinhá-la, talvez condenasse a moça.

Entretanto, Hortênsia obrava de boa-fé. Queria ser feliz, mas teria remorsos se, para sê-lo, houvesse de fazer padecer alguém.

Marques, conforme a promessa, foi no dia seguinte à casa de Azevedo, e na forma tradicional pediu a mão de Hortênsia.

O pai da moça não tinha objeção alguma; e apenas pro formula impôs a condição da aquiescência da filha, que não tardou em dá-la.

Resolveu-se que o casamento seria dali a seis meses; e logo daí a dous dias Hortênsia pediu ao pai para ir visitar o tio, que residia em Valença.

Azevedo consentiu.

Marques, apenas recebeu a resposta afirmativa de Azevedo em relação ao casamento, repetiu a declaração de que até o dia aprazado o casamento seria um inviolável segredo.

"Mas", pensou ele consigo, "para Meneses eu não tenho segredos, e este devo dizer-lho, sob pena de mostrar-me mau amigo."

O moço estava ansioso por comunicar a alguém a sua felicidade. Foi dali para a casa em que Meneses advogava.

- Grande notícia - disse ele ao entrar.

- Que é?

- Vou casar-me.

- Com a Hortênsia?

- Com a Hortênsia.

Meneses empalideceu, e sentiu que o coração batia-lhe com força. Ele esperava por aquilo mesmo; mas ouvir a declaração do fato, naturalmente próximo; adquirir a certeza de que a amada de seu coração já era de outro, não só pelo amor, como pelos laços de uma próxima e assentada aliança, era uma tortura a que ele não podia fugir nem dissimular.

A sua comoção foi tão visível, que Marques perguntou-lhe:

- Que tens?

- Nada; restos daquela moléstia. Ando muito doente. Não é nada. Então, vais casar-te? Dou-te os meus parabéns.

- Obrigado, meu amigo.

- Quando é o casamento?

- Daqui a seis meses.

- Tão tarde!

- É vontade dela. Seja como for, é cousa assentada. Ora, não sei que sinto com isto; é uma impressão nova. Custa-me a crer que eu vá casar deveras...

- Por quê?

- Eu sei lá! Também, se não fosse ela, não casava. É bonita a minha noiva, não?

- É.

- E ama-me!... Queres ver a última carta dela?

Meneses dispensava bem a leitura da carta; mas como?

Marques tirou a carta do bolso e começou a lê-la; Meneses fazia esforços para não prestar atenção ao que ouvia.

Mas era debalde.

Ouvia tudo; e cada uma daquelas palavras, cada um daqueles protestos era uma punhalada que o pobre moço recebia no coração.

Quando Marques saiu, Meneses retirou-se para casa, aturdido como se o houvessem deitado ao fundo de um grande abismo, ou como se acabasse de ouvir a sua sentença de morte.

Amava perdidamente a uma mulher que o não amava, que amava a outro, e que ia casar. O fato é comum; os que o tiverem conhecido por experiência própria avaliarão a dor do pobre moço.

IV

Daí a dias efetuou-se a viagem de Hortênsia, que foi com a irmã e a tia para Valença. Marques não dissimulou a contrariedade que sentia com semelhante viagem, cuja razão não compreendia. Mas Hortênsia facilmente o convenceu de que era necessária aquela viagem, e despediu-se dele com lágrimas.

A leitora deste romance já terá reparado que Hortênsia exercia sobre Marques uma influência que tinha causa na superioridade do seu espírito. Amava-o, como devem amar as rainhas, dominando.

Marques sentiu muito a partida de Hortênsia, e o disse a Meneses.

O noivo amava a noiva; mas cumpre dizer que a intensidade do seu afeto não era a mesma que a noiva sentia por ele.

Marques gostava de Hortênsia: é a verdadeira expressão.

Casava-se porque gostava dela, e porque era uma mulher formosa, requestada por muitos, elegante, e finalmente porque a ideia do casamento fazia-lhe o efeito de um mistério novo para ele, que já andava ao corrente de todos os mistérios mais ou menos novos.

Agora por que brinco do destino uma mulher superior apaixonou-se por um rapaz tão frívolo?

A pergunta é ingênua e ociosa.

Nada mais comum do que estas alianças entre dous corações antípodas; nada mais raro do que uma união perfeitamente acertada.

Separando-se de Marques, a filha de Azevedo não se esquecia dele um só instante. Apenas chegou a Valença, escreveu-lhe uma carta, repassada de saudades, cheia de protestos.

Marques respondeu com outra epístola igualmente ardente, e cheia de protestos análogos.

Ambos almejavam pelo dia feliz do casamento.

Ficou entendido que a correspondência seria regular e frequente.

O noivo de Hortênsia não deixava de comunicar ao amigo todas as cartas da noiva, e bem assim as respostas que lhe mandava, e que eram sujeitas à correção literária de Meneses.

O pobre advogado estava em uma posição dolorosa; mas não podia escapar-lhe sem abrir o seu coração.

Era o que ele não queria; tinha a altivez do infortúnio.

V

Um dia Meneses levantou-se da cama com a resolução firme de esquecer Hortênsia.

"Por que motivo", dizia ele consigo, "hei de alimentar um amor até aqui impossível, agora criminoso? Não tarda muito que os veja casados, e tudo estará acabado para mim. Preciso viver; tenho necessidade do futuro. Há um grande meio; é o trabalho e o estudo."

Desse dia em diante Meneses redobrou de esforços; dividiu-se entre o trabalho e o estudo; lia até alta noite, e procurava formar-se completamente na difícil ciência que abraçara.

Procurava conscienciosamente esquecer a noiva do amigo.

Uma noite encontrou Marques no teatro, porque devemos dizer que, a fim de não ser confidente dos amores felizes de Hortênsia e Marques, o jovem advogado evitava o mais que podia achar-se com ele.

Marques, apenas o viu, deu-lhe a notícia de que Hortênsia lhe mandara lembranças na última carta.

- É uma carta de queixas, meu caro Meneses; tenho pena de a ter deixado em casa. Como eu me demorei em mandar-lhe a última carta minha, Hortênsia diz-me que eu a esqueço. Vê lá! Mas eu já mandei dizer-lhe que não; que a amo como sempre. Cousas de namorados que não te interessam a ti. Que tens feito?

- Trabalho agora muito - disse Meneses.

- Metido nos autos! Que maçada!

- Não; gosto daquilo.

- Ah! Gostas... Há quem goste do amarelo.

- Os autos são maçantes, mas a ciência é bela.

- É um aforismo que eu dispenso. Melhor processo é aquilo.

E Marques apontou para um camarote da segunda ordem.

Meneses olhou e viu uma mulher vestida de preto, sozinha, olhando para o lado em que os dous rapazes se achavam.

- Que achas? - disse Marques.

- É bonita. Quem é?

- É uma mulher...

- Respeito o mistério.

- Não me interrompas: é uma mulher adorável e incomparável...

- Se Hortênsia te ouvisse - disse Meneses sorrindo.

- Oh! Ela é mulher à parte, é a minha esposa... Está fora de questão. Demais, isto são pecadilhos de pequena monta. Hortênsia há de acostumar-se a eles.

Meneses não respondeu; mas disse consigo: "Pobre Hortênsia!"

Marques propôs a Meneses apresentá-lo à dama em questão. Meneses recusou.

Acabado o espetáculo saíram os dous. À porta, Meneses despediu-se de Marques, mas este, depois de indagar por que lado ia ele, disse que o acompanhava. Adiante, num lugar pouco frequentado, estava um carro parado.

- É o meu carro; vou deixar-te em casa - disse Marques.

- Mas eu ainda vou tomar chá aí em qualquer hotel.

- Toma chá comigo.

E arrastou Meneses para o carro.

No fundo do carro estava a mulher do teatro.

Meneses já não podia recusar e entrou.

O carro seguiu para a casa da mulher, que Marques disse chamar-se Sofia.

Duas horas depois, Meneses seguia para casa, a pé, e meditando profundamente no futuro que ia ter a noiva de Marques.

Este não ocultara a Sofia o projeto do casamento, porque a rapariga, estando à mesa do chá, disse a Meneses:

- Que me diz, doutor, ao casamento deste senhorzinho?

- Digo que é um belo casamento.

- Que tolice! Casar-se nesta idade!

Um mês depois desta cena estava Meneses no escritório, quando entrou o velho Azevedo com as feições um pouco alteradas.

- Que tem? - disse-lhe o advogado.

- Onde está o Marques?

- Não o vejo há oito dias.

- Nem o verá mais - disse Azevedo fulo de cólera.

- Por quê?

- Veja isto.

E mostrou-lhe o Jornal do Commercio desse dia, onde vinha, entre os passageiros para o rio da Prata, o nome do noivo de Hortênsia.

- Partiu para o rio da Prata... Não leu isto?

- Leio agora, porque não tenho tempo de ler tudo. Que iria lá fazer?

- Foi acompanhar esta passageira.

E Azevedo apontou para o nome de Sofia.

- Seria isso? - balbuciou Meneses, procurando desculpar o amigo.

- Foi. Eu sabia há dias que havia alguma cousa; recebi duas cartas anônimas que me diziam estar o meu futuro genro de amores com aquela mulher. Entristeceu-me o fato. A cousa era tão verdadeira que ele escasseou as suas visitas à minha casa, e a pobre Hortênsia, em duas cartas que me escreveu ultimamente, dizia ter pressentimentos de que não seria feliz. Coitadinha! Se ela soubesse! Há de sabê-lo; é impossível que não saiba! E ela ama-o.

O advogado procurou acalmar o pai de Hortênsia, censurou o procedimento de Marques, e incumbiu-se de escrever-lhe para ver se o trazia de novo ao caminho do dever.

Mas Azevedo recusou; disse-lhe que era já impossível; e que, se nas vésperas do enlace Marques procedia assim, o que não faria quando fosse casado?

- É melhor que Hortênsia sofra de uma vez do que a vida inteira - disse ele.

Azevedo, nesse mesmo dia, escreveu à irmã que viesse para a Corte.

Não foi difícil convencer a Hortênsia. Ela própria, assustada com o escassear da correspondência de Marques, estava decidida a isso.

Daí a cinco dias estavam todas em casa.

VI

Azevedo procurou contar a Hortênsia o ato do noivo, de modo que a impressão não fosse grande.

Mas a precaução era inútil.

Quando uma criatura ama, como Hortênsia amava, todos os meios de poupar-lhe as comoções são nulos.

O golpe foi profundo.

Azevedo ficou desesperado; se encontrasse Marques nessa ocasião, matava-o.

Aquela família, que até então era feliz, e que estava às portas de uma grande felicidade, viu-se repentinamente atirada em profunda agonia, graças ao estouvamento de um homem.

Meneses não foi à casa de Azevedo apenas chegou Hortênsia, por dous motivos: o primeiro era deixar a infeliz moça chorar em liberdade a ingratidão do noivo; depois, era não reavivar a chama do seu próprio amor com o espetáculo daquela dor que exprimia para ele o mais eloquente dos desenganos. Ver a mulher amada chorar por outro não é a maior dor deste mundo?

VII

Quinze dias depois da volta de Hortênsia, o jovem advogado encontrou Azevedo, e perguntou-lhe notícias da família.

- Todos estão bons. Hortênsia, compreende que está triste, com a notícia daquele fato. Pobre menina! Mas há de consolar-se. Apareça, doutor. Está mal conosco?

- Mal, por quê?

- Então não nos abandone; apareça. Vai lá hoje?

- Talvez.

- Vá; lá o esperamos.

Meneses não queria ir; mas a retirada absoluta era impossível. Mais tarde ou mais cedo era obrigado àquela visita; foi.

Hortênsia estava divinamente pálida.

Meneses, contemplando aquela figura do martírio, sentiu que mais do que nunca a amava. Aquela dor causava-lhe ciúmes. Doía-lhe que aqueles olhos vertessem lágrimas por outro, e por outro que as não merecia.

"Há ali", pensava ele consigo, "há ali um grande coração, que torna um homem feliz só em palpitar por ele."

Meneses retirou-se às onze horas da noite para casa. Sentia que o mesmo fogo de outrora ainda lhe ardia dentro do peito. Estava um pouco coberto, mas não extinto; a presença da moça reavivou a chama.

- Mas que posso esperar? - dizia Meneses entrando em casa -. Ela sofre, é que o ama; aqueles amores não se esquecem facilmente. Sejamos forte.

O protesto era sincero; mas a execução era difícil.

Meneses continuou a frequentar a casa de Azevedo.

Pouco a pouco, Hortênsia readquiria as antigas cores, e posto que não tivesse a mesma alegria de outro tempo, o olhar apresentava uma serenidade de bom agouro.

O pai tornava-se contente ao ver aquela transformação.

Entretanto, Meneses escrevera a Marques uma carta de exprobração; dizia-lhe que o seu procedimento não era somente cruel, mas até feio, e procurava chamá-lo à Corte.

A resposta de Marques foi a seguinte:

Meu Meneses,

Eu não sou herói de romance, nem tenho vontade disso.
Sou um homem de resoluções súbitas.
Cuidei que não amava a ninguém mais senão a essa bela Hortênsia; mas enganei-me; encontrei Sofia, a quem me entreguei em corpo e alma.
Isto não quer dizer que eu não abandone Sofia; estou mesmo a ver que me prendo nos laços de alguma destas argentinas, que são as andaluzas da América.
Variar é viver. São dous verbos que começam por v: profunda lição que nos dá a natureza e a gramática. Penso, logo existo, dizia creio que o Descartes.
E vario, logo existo, digo eu.
Não te importes, portanto, comigo.
O pior é que Sofia já me tem comido umas boas centenas de pesos. Que estômago, meu caro!
Até um dia.

Esta carta era eloquente.

Meneses não respondeu; guardou-a simplesmente, e lastimou que a pobre moça tivesse posto em tão indignas mãos o seu coração de vinte anos.

A+
A-