Conto

Antes Que Cases...

1875
Este conto foi originalmente publicado no Jornal das Famílias em julho, agosto e setembro de 1875. Segundo Galante de Sousa (Bibliografia de Machado de Assis. Rio de Janeiro, INL, 1955. p. 478),
"[e]ste conto está assinado nos três fragmentos em que foi publicado, com as iniciais B.B. No índice do periódico, porém, o terceiro fragmento consta como sendo de Lara. Por esse motivo o incluímos [entre os contos de Machado de Assis] com as devidas reservas". O texto desta edição eletrônica foi cotejado com o da publicação original.

VI

- Juras então que me amas?

- Juro.

- Até à morte?

- Até à morte.

- Também eu te amo, minha querida Ângela, não de hoje, mas há muito, apesar dos teus desprezos...

- Oh!

- Não direi desprezos, mas indiferença... Oh! Mas tudo lá vai; agora somos dois corações ligados para sempre.

- Para sempre!

Neste ponto ouviu-se um rumor na casa de Ângela.

- Que é? - perguntou Alfredo.

Ângela quis fugir.

- Não fujas!

- Mas...

- Não é nada; algum criado...

- Se dessem por mim aqui!

- Tens medo?

- Vergonha.

A noite encobriu a mortal palidez do namorado.

- Vergonha de amar! - exclamou ele.

- Quem te diz isso? Vergonha de me acharem aqui, expondo-me às calúnias, quando nada impede que tu...

Alfredo reconheceu a justiça.

Nem por isso deixou de meter a mão nos cabelos com um gesto de aflição trágica, que a noite continuava a encobrir aos olhos da formosa viúva.

- Olha! O melhor é vires à nossa casa. Autorizo-te a pedir a minha mão.

Conquanto ela já houvesse indicado isto nas cartas, era a primeira vez que formalmente o dizia. Alfredo viu-se transportado ao sétimo céu. Agradeceu a autorização que lhe dava e respeitosamente beijou-lhe a mão.

- Agora, adeus!

- Ainda não! - exclamou Alfredo.

- Que imprudência!

- Um instante mais!

- Ouves? - disse ela prestando o ouvido ao rumor que se fazia na casa.

Alfredo respondeu apaixonada e literariamente:

- Não é a calhandra, é o rouxinol!

- É a voz de minha tia! - observou a viúva prosaicamente -. Adeus...

- Uma última cousa te peço antes de ir à tua casa.

- Que é?

- Outra entrevista neste mesmo lugar.

- Alfredo!

- Outra e última.

Ângela não respondeu.

- Sim?

- Não sei, adeus!

E libertando a sua mão das mãos do namorado que a retinha com força, Ângela correu para casa.

Alfredo ficou triste e alegre ao mesmo tempo.

Ouvira a doce voz de Ângela, tivera nas suas a sua mão alva e macia como veludo, ouvira-a jurar que o amava, enfim estava autorizado a pedir-lhe solenemente a mão.

A preocupação porém da moça a respeito do que pensaria a tia afigurou-se-lhe extremamente prosaica. Quisera vê-la toda poética, embebida no seu amor, esquecida do resto do mundo, morta para tudo o que não fosse o bater do seu coração.

A despedida sobretudo pareceu-lhe repentinamente demais. O adeus foi antes de medo que de amor; não se despediu, fugiu. Ao mesmo tempo esse sobressalto era dramático e interessante; mas por que não conceder-lhe segunda entrevista? Enquanto ele fazia estas reflexões, Ângela pensava na impressão que lhe teria deixado e na mágoa que porventura lhe ficara da recusa de uma segunda e última entrevista.

Refletiu longo tempo e resolveu remediar o mal, se mal se podia aquilo chamar.

No dia seguinte, logo cedo, recebeu Alfredo um bilhetinho da namorada.

Era um protesto de amor, com uma explicação da fuga da véspera e uma promessa de outra entrevista na seguinte noite, depois da qual ele iria pedir-lhe oficialmente a mão.

Alfredo exultou.

Nesse dia a natureza pareceu-lhe melhor. O almoço foi excelente apesar de lhe terem dado um filet tão duro como sola e de estar o chá frio como água. O patrão nunca lhe pareceu mais amável. Todas as pessoas que encontrava tinham cara de excelentes amigos. Enfim, até o criado ganhou com os sentimentos alegres do amo: Alfredo deu-lhe uma boa molhadura pela habilidade com que lhe escovara as botas, que, entre parênteses, nem sequer levavam graxa.

Verificou-se a entrevista sem nenhum incidente notável. Houve os costumados protestos:

- Amo-te muito!

- E eu!

- És um anjo!

- Seremos felizes.

- Deus nos ouça!

- Há de ouvir-nos.

Estas e outras palavras foram o estribilho da entrevista que durou apenas meia hora.

Nessa ocasião Alfredo desenvolveu o seu sistema de vida, a maneira por que ele encarava o casamento, os sonhos de amor que haviam realizar, e mil outros artigos de um programa de namorado, que a moça ouviu e aplaudiu.

Alfredo despediu-se contente e feliz.

A noite que passou foi a mais deliciosa de todas. O sonho que ele procurara durante tanto tempo ia enfim realizar-se; amava a uma mulher como ele a queria e imaginava. Nenhum obstáculo se oferecia à sua ventura na terra.

No outro dia de manhã, entrando no hotel, encontrou o amigo Tibúrcio; e referiu-lhe tudo.

O confidente felicitou o namorado pelo triunfo que alcançara e deu-lhe logo um aperto de mão, não podendo dar-lhe, como quisera, um abraço.

- Se soubesses como vou ser feliz!

- Sei.

- Que mulher! Que anjo!

- Sim! É bonita.

- Não é só bonita. Bonitas há muitas. Mas a alma, a alma que ela tem, a maneira de sentir, tudo isso e mais, eis o que faz uma criatura superior.

- Quando será o casamento?

- Ela o dirá.

- Há de ser breve.

- Dentro de três a quatro meses.

Aqui fez Alfredo um novo hino em louvor das qualidades eminentes e raras da noiva e pela centésima vez defendeu a vida romanesca e ideal. Tibúrcio observou gracejando que era-lhe necessário primeiro suprimir o bife que estava comendo, observação que Alfredo teve a franqueza de achar descabida e um pouco tola.

A conversa porém não teve incidente desagradável e os dois amigos separaram-se como dantes, não sem que o noivo agradecesse ao confidente a animação que lhe dera nos piores dias do seu amor.

- Enfim, quando a vais pedir?

- Amanhã.

- Coragem!

VII

Não é minha intenção nem vem ao caso referir ao leitor todos os episódios do amor de Alfredo Tavares.

Até aqui foi necessário contar alguns e resumir outros. Agora que o namoro chegou ao seu termo e que o período do noivado vai começar, não quero fatigar a atenção do leitor com uma narração que nenhuma variedade apresenta. Justamente três meses depois da segunda entrevista recebiam-se os dois noivos, na igreja da Lapa, em presença de algumas pessoas íntimas, entre as quais o confidente de Alfredo, um dos padrinhos. O outro era o primo de Ângela, de quem falara o cocheiro do tilbury, e que até agora não apareceu nestas páginas por não ser preciso. Chamava-se Epaminondas e tinha a habilidade de desmentir o padre que tal nome lhe dera, pregando a cada instante a sua peta. A circunstância não vem ao caso e por isso não insisto nela.

Casados os dois namorados, foram passar a lua-de-mel na Tijuca, onde Alfredo escolhera casa adequada às circunstâncias e ao seu gênio poético.

Durou um mês esta ausência da Corte. No trigésimo primeiro dia, Ângela viu anunciada uma peça nova no Ginásio e pediu ao marido para virem à cidade.

Alfredo objetou que a melhor comédia deste mundo não valia o aroma das laranjeiras que estavam florindo e o melancólico som do repuxo do tanque. Ângela encolheu os ombros e fechou a cara.

- Que tens, meu amor? - perguntou-lhe daí a vinte minutos o marido.

Ângela olhou para ele com um gesto de lástima, ergueu-se e foi encerrar-se na alcova.

Dois recursos restavam a Alfredo.

1º Coçar a cabeça.

2º Ir ao teatro com a mulher.

Alfredo curvou-se a estas duas necessidades da situação.

Ângela recebeu-o muito alegremente quando ele lhe foi dizer que iriam ao teatro.

- Nem por isso - acrescentou Alfredo -, nem por isso deixo de sentir algum pesar. Vivemos tão bem estes trinta dias.

- Voltaremos para o ano.

- Para o ano!

- Sim, alugaremos outra casa.

- Mas então esta?...

- Esta acabou. Pois querias viver num desterro?

- Mas eu pensei que era um paraíso - disse o marido com ar melancólico.

- Paraíso é cousa de romance.

A alma de Alfredo levou um trambolhão. Ângela viu o efeito produzido no esposo pelo seu reparo e procurou suavizar-lho, dizendo-lhe algumas cousas bonitas com que ele algum tempo mitigou as suas penas.

- Olha, Ângela - disse Alfredo -, o casamento, como eu imaginei sempre, é uma vida solitária e exclusiva de dois entes que se amam... Seremos nós assim?

- Por que não?

- Juras então...

- Que seremos felizes.

A resposta era elástica. Alfredo tomou-a ao pé da letra e abraçou a mulher.

Naquele mesmo dia vieram para a casa da tia e foram ao teatro.

A nova peça do Ginásio aborreceu tanto o marido quanto agradou à mulher. Ângela parecia fora de si de contente. Quando caiu o pano no último ato, disse ela ao esposo:

- Havemos de vir outra vez.

- Gostaste?

- Muito. E tu?

- Não gostei - respondeu Alfredo com evidente mau humor.

Ângela levantou os ombros, com o ar de quem dizia:

"Gostes ou não, hás de cá voltar."

E voltou.

Este foi o primeiro passo de uma carreira que parecia não acabar mais.

Ângela era um turbilhão.

A vida para ela estava fora da casa. Em casa morava a morte, sob a figura do aborrecimento. Não havia baile a que faltasse, nem espetáculo, nem passeio, nem festa célebre, e tudo isto cercado de muitas rendas, joias e sedas, que ela comprava todos os dias, como se o dinheiro nunca devesse acabar.

Alfredo esforçava-se por atrair a mulher à esfera dos seus sentimentos românticos; mas era esforço vão.

Com um levantar de ombros, Ângela respondia a tudo.

Alfredo detestava principalmente os bailes, porque era quando a mulher menos lhe pertencia, sobretudo os bailes dados em casa dele.

Às observações que ele fazia nesse sentido, Ângela respondia sempre:

- Mas são obrigações de sociedade; se eu quisesse ser freira metia-me na Ajuda.

- Mas nem todos...

- Nem todos conhecem os seus deveres.

- Oh! Vida solitária, Ângela! A vida para dois!

- A vida não é um jogo de xadrez.

- Nem um arraial.

- Que queres dizer com isso?

- Nada.

- Pareces tolo.

- Ângela!

- Ora!

Levantava os ombros e deixava-o sozinho.

Alfredo era sempre o primeiro a fazer as pazes. A influência que a mulher exercia nele não podia ser mais decisiva. Toda a energia estava com ela; ele era literalmente um fâmulo da casa.

Nos bailes a que iam, o suplício, além de ser grande em si mesmo, era aumentado com os louvores que Alfredo ouvia fazer à mulher.

- Lá está Ângela - dizia um.

- Quem é?

- É aquela de vestido azul.

- A que se casou?

- Pois casou?

- Casou, sim.

- Com quem?

- Com um rapaz bonachão.

- Feliz mortal!

- Onde está o marido?

- Caluda! Está aqui: é este sujeito triste que está concertando a gravata...

Estas e outras considerações irritavam profundamente Alfredo. Ele via que era conhecido por causa da mulher. A pessoa dele era uma espécie de cifra. Ângela é que era a unidade.

Não havia meio de se recolher cedo. Ângela entrando num baile só se retirava com as últimas pessoas. Cabia-lhe perfeitamente a expressão que o marido empregou num dia de mau humor:

-Tu espremes um baile até o bagaço.

Às vezes estava o mísero em casa, descansando e alegremente conversando com ela, abrindo todo o pano à imaginação. Ângela, ou por aborrecimento, ou por desejo invencível de passear, ia vestir-se e convidava o marido a sair. O marido já não recalcitrava; suspirava e vestia-se. Do passeio voltava ele aborrecido, e ela, alegre, além do mais porque não deixava de comprar um vestido novo e caro, uma joia, um enfeite qualquer.

Alfredo não tinha forças para reagir.

O menor desejo de Ângela era para ele uma lei de ferro; cumpria-a por gosto e por fraqueza.

Nesta situação, Alfredo sentiu necessidade de desabafar com alguém. Mas esse alguém não aparecia. Não lhe convinha falar ao Tibúrcio, por não querer confiar a um estranho, embora amigo, as suas zangas conjugais. A tia de Ângela parecia apoiar a sobrinha em tudo. Alfredo lembrou-se de pedir conselho a Epaminondas.

VIII

Epaminondas ouviu atentamente as queixas do primo. Achou-as exageradas, e foi o menos que lhe podia dizer, porque no seu entender eram verdadeiros despropósitos.

- O que você quer é realmente impossível.

- Impossível?

- Decerto. A prima está moça, quer naturalmente divertir-se. Por que razão há de viver como freira?

- Mas eu não peço que viva como freira. Quisera vê-la mais em casa, menos aborrecida quando está só comigo. Lembra-se da nossa briga do domingo?

- Lembro-me. Você queria ler-lhe uns versos e ela respondeu que não a aborrecesse.

- Que tal?...

Epaminondas recolheu-se a um eloquente silêncio.

Alfredo esteve também algum tempo calado.

Enfim:

- Estou resolvido a usar da minha autoridade de marido.

- Não caia nessa.

- Mas então devo viver eternamente nisto?

- Eternamente já vê que é impossível - disse Epaminondas sorrindo -. Mas veja bem o risco que corre. Eu tive uma prima que se vingou do marido por uma dessas. Parece incrível! Cortou a si mesma o dedo mínimo do pé esquerdo e deu-lhe a comer com batatas.

- Está brincando...

- Estou falando sério. Chamava-se Lúcia. Quando ele reconheceu que efetivamente tinha devorado a carne da sua carne, teve um ataque.

- Imagino.

- Dois dias depois expirou de remorsos. Não faça tal; não irrite uma mulher. Dê tempo ao tempo. A velhice há de curá-la e trazê-la a costumes pacíficos.

Alfredo fez um gesto de desespero.

- Sossegue. Também eu fui assim. Minha finada mulher...

- Era do mesmo gosto?

- Do mesmíssimo. Quis contrariá-la. Ia-me custando a vida.

- Sim?

- Tenho aqui entre duas costelas uma cicatriz larga; foi uma canivetada que Margarida me deu estando eu a dormir muito tranquilamente.

- Que me diz?

- A verdade. Mal tive tempo de lhe segurar no pulso e arrojá-la para longe de mim. A porta do quarto estava fechada com o trinco, mas foi tal a força com que a empurrei que a porta se abriu e ela foi parar ao fim da sala.

- Ah!

Alfredo lembrou-se a tempo do sestro do primo e deixou-o falar a gosto. Epaminondas engendrou logo ali um ou dois capítulos de romance sombrio e ensanguentado. Alfredo, aborrecido, deixou-o só.

Tibúrcio encontrou-o algumas vezes cabisbaixo e melancólico. Quis saber da causa, mas Alfredo conservou prudente reserva.

A esposa deu ampla liberdade aos seus caprichos. Fazia recepções todas as semanas, apesar dos protestos do marido, que, no meio da sua mágoa, exclamava:

- Mas então eu não tenho mulher! Tenho uma locomotiva!

Exclamação que Ângela ouvia sorrindo sem lhe dar a mínima resposta.

Os cabedais da moça eram poucos; as despesas, muitas. Com as mil cousas em que se gastava o dinheiro não era possível que ele durasse toda a vida. Ao cabo de cinco anos, Alfredo reconheceu que tudo estava perdido.

A mulher sentiu dolorosamente o que ele lhe contou.

- Sinto isto deveras - acrescentou Alfredo -; mas a minha consciência está tranquila. - Sempre me opus a despesas loucas...

- Sempre?

- Nem sempre, porque te amava e amo, e doía-me ver que ficavas triste; mas à maior parte delas opus-me com todas as forças.

- E agora?

- Agora precisamos ser econômicos; viver como pobres.

Ângela curvou a cabeça.

Seguiu-se um grande silêncio.

O primeiro que o rompeu foi ela.

- É impossível!

- Impossível o quê?

- A pobreza.

- Impossível, mas necessária - disse Alfredo com filosófica tristeza.

- Não é necessária; eu hei de fazer alguma cousa; tenho pessoas de amizade.

- Ou um Potosi...

Ângela não se explicou mais; Alfredo foi para a casa de negócio que estabelecera, não descontente com a situação.

"Não estou bem", pensava ele; "mas ao menos terei mudado a minha situação conjugal."

Os quatro dias seguintes passaram sem novidade.

Houve sempre uma novidade.

Ângela estava muito mais carinhosa com o marido do que até então. Alfredo atribuía esta mudança às circunstâncias atuais e agradeceu à boa estrela que tão venturoso o tornara.

No quinto dia Epaminondas foi falar a Alfredo propondo-lhe ir pedir ao governo uma concessão e privilégio de minas em Mato Grosso.

- Mas eu não me meto em explorador de minas.

- Perdão; vendemos o privilégio.

- Está certo disso? - perguntou Alfredo tentado.

- Certíssimo.

E logo:

- Temos além disso outra empresa: uma estrada de ferro no Piauí. Vende-se a empresa do mesmo modo.

- Tem elementos para ambas as cousas?

- Tenho.

Alfredo refletiu.

- Aceito.

Epaminondas declarou que alcançaria tudo do ministro. Tantas cousas disse que o primo, sabedor dos carapetões que ele pregava, começou a desconfiar.

Errava desta vez.

Pela primeira vez Epaminondas falava verdade; tinha elementos para alcançar as duas empresas.

Ângela não perguntou ao marido a causa da preocupação com que ele nesse dia entrou na casa. A idéia de Alfredo era tudo ocultar à mulher, pelo menos enquanto pudesse.

Confiava no resultado dos seus esforços para trazê-la a melhor caminho.

Os papéis andaram com uma prontidão rara em cousas análogas. Parece que uma fada benfazeja se encarregava de adiantar o negócio.

Alfredo conhecia o ministro. Duas vezes fora convidado para lá tomar chá e tivera além disso a honra de o receber em casa algumas vezes. Nem por isso julgava ter direito à pronta solução do negócio. O negócio, porém, corria mais veloz que uma locomotiva.

Não se haviam passado dois meses depois da apresentação do memorial quando Alfredo ao entrar em casa foi surpreendido por muitos abraços e beijos da mulher.

- Que temos? - disse ele todo risonho.

- Vou dar-te um presente.

- Um presente?

- Que dia é hoje?

-Vinte e cinco de março.

- Fazes anos.

- Nem me lembrava.

- Aqui está o meu presente.

Era um papel.

Alfredo abriu o papel.

Era o decreto de privilégio das minas.

Alfredo ficou literalmente embasbacado.

- Mas como veio isto?...

- Quis causar-te esta surpresa. O outro decreto há de vir de aqui a oito dias.

- Mas então sabia que eu...?

- Sabia tudo.

- Quem te disse?...

Ângela titubeou.

- Foi... foi o primo Epaminondas.

A explicação satisfez Alfredo durante três dias.

No fim desse tempo abriu um jornal e leu com pasmo esta mofina:

Mina de caroço

Com que então os cofres públicos já servem para nutrir o fogo no coração dos ministros.

Quem pergunta quer saber.

Alfredo rasgou o jornal no primeiro ímpeto.

Depois...

IX

- Mas em suma que tens? - disse Tibúrcio ao ver que Alfredo não se atrevia a falar.

- O que tenho? Fui à cata de poesia e acho-me em prosa chata e baixa. Ah! Meu amigo, quem me mandou seguir pela rua da Quitanda?

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