Estremeceu; mas era ilusão. Chegou à janela, para ver a chuva, e lembrou-se que um de seus prazeres, em tais ocasiões, era estar à porta do Bernardo ou do Farani, vendo passar a gente, uns para baixo, outros para cima, numa contradança de guarda-chuvas... A impressão do silêncio, principalmente, afligia mais que a da solidão. Ouvia alguns pios de passarinho, cigarras - às vezes um rodar de carro, ao longe -, alguma voz humana, ralhos, cantigas, uma risada, tudo fraco, vago e remoto, e como que destinado só a agravar o silêncio. Quis ler e não pôde; foi reler as cartas e examinar as contas velhas. Estava impaciente, zangado, nervoso. A chuva, posto que não forte, prometia durar muitas horas, e talvez dias. Outra cainçada aos fundos, e desta vez trouxe-lhe à memória um dito do velho Tobias. Estava em casa dele, ambos à janela, e viram passar na rua um cão, fugindo de dous, que ladravam; outros cães, porém, saindo das lojas e das esquinas, entraram a ladrar também, com igual ardor e raiva, e todos corriam atrás do perseguido. Entre eles ia o do próprio Tobias, um que o dono supunha ser descendente de algum cão feudal, companheiro das antigas castelãs. Bonifácio riu-se, e perguntou-lhe se um animal tão nobre era para andar nos tumultos de rua.