Romance

Ressurreição

1872

NOTA DESTA EDIÇÃO ELETRÔNICA

Ressurreição é o primeiro romance publicado por Machado de Assis, em 1872. Durante a vida do autor, saiu mais uma edição, em 1905, também pela casa editora Garnier.

Para cada uma dessas edições, o autor escreveu uma "Advertência": na primeira, que assina (M. A.) e data de 17 de abril de 1872, explica o propósito do livro e, recorrendo a Shakespeare, que traduz em nota de rodapé, declara que vai escrever um livro sobre a questão da dúvida; na segunda, que assina (M. de A.) e não data, a advertência é bem mais curta e, ao reproduzir a "Advertência da 1a. Edição", já não fornece a tradução que constava na publicação de 1872.

Agora autor consagrado, Machado reflete sobre o seu romance de estreia e declara que não "lhe alter[a] a composição nem o estilo", apenas troca alguns vocábulos e faz pequenas correções de ortografia. No entanto, pode o leitor atento perceber a ausência, na segunda edição, da tradução dos versos de Shakespeare, como se o autor maduro se eximisse da tarefa de traduzir, e, por esse expediente, elevasse a si mesmo e ao seu público-leitor, que pressupõe apto a dispensar a versão para o português da passagem shakespeariana. Ganha em sutileza, dá mais trabalho ao leitor, cuja recepção continua manipulando, mas de maneira mais sorrateira.

Sem investigar em profundidade as possíveis outras motivações da ausência da tradução na edição de 1905, deixamos ao leitor de 2008 uma provocação, um convite a pensar sobre essa obra que, pertencendo à "primeira fase" - como ele próprio assinala na abertura da segunda edição - guarda mais mistérios do que se poderia pensar à primeira vista.

Para estabelecer o texto da presente edição eletrônica, utilizamos como fonte a edição Garnier / Fundação Casa de Rui Barbosa de 1988, preparada por José Galante de Sousa, que se baseou na segunda edição da obra (1905), a última em vida do escritor e, portanto, autorizada por ele. Para solucionar eventuais dúvidas, recorremos diretamente a exemplares da primeira e da segunda edições, existentes na biblioteca da Fundação Casa de Rui Barbosa.

Foi feita uma atualização ortográfica, mas mantivemos formas que, embora em desuso atualmente, ainda são consignadas pelos principais dicionários de língua portuguesa ("cousa", "cômplice" "cepticismo"). Em nome da preservação do que se poderia chamar de "atmosfera textual", conservamos na língua de origem palavras estrangeiras como "tilbury" e "champagne", apesar de já existirem consignadas em dicionários atuais na forma aportuguesada ("tílburi", "champanhe"). Do mesmo modo, deixamos as duas formas "noute" (uma ocorrência) e "noite" (mais de trinta), por supor que, na fala em que se encontra a forma antiga ("noute"), é possível que Machado de Assis a tenha empregado deliberadamente, como um traço do registro um tanto artificial da personagem que a emprega.

Talvez o maior problema no estabelecimento de textos escritos no século XIX seja o da pontuação. Ao preparar esta edição, optamos por uma política a meio caminho entre uma atualização radical, de acordo com as normas presentemente vigentes, e o respeito à pontuação de Machado de Assis. Para citar um exemplo apenas: mantivemos todas as vírgulas antes da aditiva "e" precedendo verbos cujo sujeito era precisamente o mesmo da oração anterior ("Félix deu uma volta pelo interior da casa, e foi até à sala [...]"). Assim deliberamos por identificar no procedimento um traço estilístico recorrente no romance. Por outro lado, nos casos em que consideramos que a vírgula (ou a ausência dela) comprometia o melhor entendimento do texto, não hesitamos em intervir, como ocorreu no caso de vírgulas precedendo orações adjetivas restritivas (que suprimimos) e de falta de vírgulas precedendo orações adjetivas explicativas (que inserimos). Num caso apenas, deixamos a vírgula separando o sujeito de seu verbo ("O que está feito, está feito."), por considerar que a pontuação procura reproduzir, na fala da personagem, a pausa própria da oralidade.

Esta não pretende ser uma edição crítica, nela não há notas editoriais. Nosso objetivo foi produzir uma edição fidedigna do texto machadiano que, através dos hiperlinks, oferece ao leitor do século XXI uma ferramenta de fácil utilização e encurta a distância entre ele, leitor, e o enorme universo de referências de Machado de Assis.

Registre-se aqui a colaboração, na pesquisa dos hiperlinks, de Camila Abreu, ex-bolsista de Iniciação Científica na Fundação Casa de Rui Barbosa; na revisão, a de Ana Maria Vasconcelos e Karen Nascimento, bolsistas de Iniciação Científica, e, na construção do texto digital e do software que possibilita a visualização dos links, a de Eduardo Pinheiro da Costa, técnico em informática da Fundação Casa de Rui Barbosa.

Marta de Senna, pesquisadora
Marcelo da Rocha Lima Diego, bolsista de Iniciação Científica
Fundação Casa de Rui Barbosa/CNPq/FAPERJ


agosto de 2008

XII

UM PONTO NEGRO

Lívia e Raquel estavam assentadas no sofá; o coronel, encostado a uma cadeira, consultava o relógio. Não consultava; tinha o relógio na mão, diante dos olhos, mas os olhos reviam-se na filha, enquanto esta respondia às perguntas da viúva.

- Aqui está a doente - disse Lívia apenas viu assomar à porta da sala o médico e o irmão.

Raquel voltou a cabeça, e não pôde reter uma exclamação de surpresa e de alegria. Félix adiantou o passo e foi apertar-lhe a mão.

- Então? Não está salva? - disse ele olhando alternadamente para as duas moças.

- Foi o senhor que a salvou - disse o coronel chegando-se ao grupo.

- Não fui; auxiliei a natureza, nada mais.

- Havemos de pô-la totalmente boa e viva como era antes - disse Lívia dando um beijo na convalescente.

Raquel ouviu este diálogo com um sorriso triste que parecia ainda mais triste naqueles lábios sem cor. Estava extremamente pálida e magra; os olhos, agora que o fogo da febre se apagara neles, pareciam amortecidos e fundos. Ainda assim, não perdera ela a sua natural gentileza. Mais: a própria morbidez do aspecto como que lhe dava realce maior.

Talvez essa circunstância influísse na impressão que o médico agora recebia; pela primeira vez lhe pareceu Raquel uma mulher.

O coronel respirava felicidade por todos os poros. A alegria que perdera durante a moléstia da filha, voltava agora mais que nunca ruidosa e comunicativa. Era um velho palreiro e jovial, amigo da palestra e de anedotas, antes gracioso que chocarreiro, tendo aquela amável gravidade com que a gente se familiariza sem perder o respeito. De quando em quando olhava para a filha com olhos paternalmente namorados, então parecia esquecer-se do resto do mundo, porque o mundo inteiro, ao menos parte dele, que a outra parte lhe ficara em casa, estava ali resumida naquela franzina e alquebrada criatura.

- E promete-me que ma restituirá - disse ele à viúva -, não corada, que ela nunca o foi, mas com aspecto de saúde, viva como era, e alegre, e até se quiser travessa?

- E por que não? Os ares são bons; os carinhos serão fraternais, e melhor que os ares e os carinhos, há de curá-la a natureza, e creio também que a boa vontade dela. Não é assim? - disse Lívia batendo na face de Raquel.

A resposta de Raquel foi dar-lhe um beijo, e sorrir, não já tristemente como da primeira vez. A tarde caíra de todo. O coronel fez algumas recomendações derradeiras à filha, agradeceu à viúva e ao médico, meteu-se no carro e voltou para Catumbi. Lívia foi mostrar à amiga o seu aposento; Félix despediu-se de ambas e dirigiu-se para a porta.

- Volta? - perguntou Lívia.

- Talvez não, minha senhora - respondeu Félix, cuja intenção positiva era ir lá tomar chá.

A presença de Raquel veio de algum modo alterar as relações dos dous namorados. Já não podiam ser frequentes as entrevistas solitárias em que ambos se esqueciam do mundo e de si. Mais que nunca, procurou Félix recatar o seu amor das vistas alheias, por modo que, apesar da convivência que tinha com os dous, Raquel nada suspeitou entre eles. Alguma cousa adivinharia se reparasse que a viúva, quando estava com ela, quase que só falava do médico; mas, como ela também não falava de outra pessoa, parecia-lhe que era antes a viúva quem a imitava.

Por esse tempo começou Meneses a frequentar a casa de Viana, com quem travara relações alguns meses antes. Félix fez a respeito dele um elogio sincero e merecido. O parasita acompanhou a boa opinião do médico com um entusiasmo que cheirava a bons jantares. O advogado correspondeu à expectação da viúva e não tardou que se tornasse familiar na casa.

Estava curado da sua malfadada paixão. Curado e vexado, dizia ele, quando Félix o interrogou a esse respeito.

- Estes amores são as lições da escola de meninos - concluiu Meneses sorrindo -. Já saíste da primeira escola; por que não sobes de estudos?

A esta metáfora, um tanto rebuscada, respondeu Félix com um sorriso que podia confessar e negar ao mesmo tempo. Meneses, que não tinha nenhuma intenção oculta nas suas palavras, não se deu a averiguar qual das duas expressões convinha ao sorriso do amigo. As relações de ambos pareceram estreitar-se mais. Com um pouco mais de expansão e confiança, teria o médico referido ao amigo os seus amores e a sua felicidade próxima. Não o fez, nem Meneses lho adivinhou. Teve suspeitas uma noite em que surpreendeu os olhos da viúva amorosamente cravados no médico, mas a indiferença com que este se levantou para ir gracejar com Raquel de todo o dissuadiu.

Os dias foram assim passando, longos para os dous amantes, breves para Meneses e Raquel, que achavam naquela casa a mais deliciosa companhia deste mundo.

Aqui podia acabar o romance muito natural e sacramentalmente, casando-se estes dous pares de corações e indo desfrutar a sua lua de mel em algum canto ignorado dos homens. Mas para isso, leitor impaciente, era necessário que a filha do coronel e o Dr. Meneses se amassem, e eles não se amavam, nem se dispunham a isso. Uma das razões que desviavam da gentil menina os olhos de Meneses era que este os trazia namorados da viúva. De admiração ou de amor? Foi de admiração primeiro, e depois foi de amor; cousa de que nem ele, nem o autor do livro temos culpa. Que quer? Ela era formosa e moça, ele, rapaz e amorável, e de mais a mais, inexperiente ou cego, que não adivinhava a situação anterior da viúva e do médico, ainda por entre os véus com que lha ocultavam.

Ao inverso de Félix, cujo espírito só engendrava receios e dúvidas, Meneses era antes de tudo propenso às fantasias cor-de-rosa. Irmanavam-se no ponto de serem joguetes de sua imaginação. Meneses facilmente entreviu um mundo de esperanças. A afabilidade com que a viúva o tratava pareceu-lhe auspiciosa; o mais inocente de todos os sorrisos servia-lhe de base a um castelo de vento; uma expressão qualquer, simples cortesia de sala, afigurava-se-lhe cheia de mil promessas de futuro. Nem futuro nem esperanças havia; havia a candura dele, que era botão de flor, ainda entrefechado à corrupção da vida.

Tal era o contraste desses dous caracteres, que a estrela da viúva, não sei se boa ou má estrela, reuniu a seus pés. Um, se viesse a adorar um rosto hipócrita, desceria na escala das degradações, com os olhos fitos na quimera da sua felicidade; outro, ardendo pela mais angélica das criaturas humanas, quebraria com as próprias mãos a escada que o levaria ao céu.

Félix percebeu, enfim, o que se passava no coração do amigo. Sua primeira impressão foi de cólera, não porque duvidasse logo da moça, mas por isso mesmo que outro homem se atrevia a amá-la. E não havia perigo em tal situação? A simples pergunta era suficiente para dar largas ao espírito de Félix. Veio imediatamente a ideia de que à moça não fosse desagradável o amor de Meneses. A vaidade, primeiro, depois o hábito, enfim a curiosidade do coração, os levariam um para o outro. Talvez os houvessem levado já.

Aconteceu uma vez que, falando dela, a fisionomia de Meneses, de risonha que estava, se tornasse subitamente séria. Félix era mais hábil que ele, não lhe foi difícil sondar-lhe o coração. O amigo contou-lhe tudo, com o fervor que lhe era próprio, e a singeleza de um homem ainda pouco conversado nas cousas do mundo. O médico escutou-o com sofreguidão, mas aparentemente quieto.

- E esperanças? - disse ele.

- Poucas ou muitas; não sei bem o que seja. Há ocasiões em que tudo se me afigura fácil e decisivo; outras vezes desanimo e descreio de mim mesmo. Ela é afável comigo, mas também o é contigo e com os mais. Adivinharia já alguma cousa? Quero crer que sim, e visto que se não agasta, é bom sinal, penso eu. O pior de tudo é que eu me não atrevo a dizer-lhe o que sinto.

Uma só palavra bastava ao médico para arredar do seu caminho aquele rival nascente; Félix repeliu essa ideia, metade por cálculo, metade por orgulho - mal-entendido orgulho - mas natural dele. O cálculo era cousa pior; era uma cilada - experiência, dizia ele -, era pôr em frente uma da outra duas almas que lhe pareciam, por assim dizer, consanguíneas, tentá-las a ambas, aquilatar assim a constância e a sinceridade de Lívia.

Assim pois, era ele o artífice do seu próprio infortúnio, com as suas mãos reunia os elementos do incêndio em que viria a arder, senão na realidade, ao menos na fantasia, porque o mal que não existisse depois, ele mesmo o tiraria do nada, para lhe dar vida e ação.

Meneses explicou ainda mais o estado de sua alma; não era amor violento que sentia, era afeição serena e branda: tranquila, mas irresistível fascinação. O médico, por um sentimento de pudor que lhe ficara, não animou abertamente as esperanças do amigo; entretanto, a sua palavra era tão alegre, o riso de tão boa feição, que o espírito de Meneses para logo sentiu reflorirem-lhe as esperanças, se é que elas haviam secado alguma vez.

XIII

CRISE

Lívia não percebeu logo o amor de Meneses; mas, era impossível que tarde ou cedo o não suspeitasse. Não se fingiu admirada, quando ele lho confiou depois de algum tempo de assiduidade nas Laranjeiras. Nem se admirou nem se irritou; além de não ser motivo para cólera, havia entre ambos, como Félix dissera um dia, certa conformidade de sentir e pensar, que de algum modo os vinculava.

A resposta que lhe deu foi certamente fria e decisiva, não desdenhosa nem severa. Quando viu porém a tristeza que lhe causou, esqueceu de todo as formalidades convencionais e necessárias; procurou suavizar as penas do moço. Tirou-lhe toda a esperança presente ou futura; não poderia amá-lo nunca. A amizade, porém, que lhe tinha, talvez o consolasse do desengano. Isso apenas; não devia simular um amor que não sentia nem acenar-lhe com uma felicidade que lhe não podia dar.

- Que me não pode dar! - repetiu Meneses apegando-se ainda a uma esperança fugitiva -; e se eu esperar que algum dia soe a hora da felicidade que me nega? Nada depende de nós; os próprios movimentos do coração parecem nascer de mil circunstâncias fortuitas, se não é que os rege uma lei misteriosa, e essa... Quem sabe? Um dia, talvez - ouso crê-lo -, um dia sentirá que a simpatia que lhe inspiro se transforma, e...

- Basta! - interrompeu Lívia em tom imperioso.

Meneses calou-se; ela continuou:

- O amor não é isso que o senhor diz; não nasce de uma circunstância fortuita, nem de uma longa intimidade, é uma harmonia entre duas naturezas, que se reconhecem e completam. Por mais semelhante que seja o nosso espírito, sinto que Deus não nos fez para que o amor nos unisse.

Meneses não estava para estas averiguações teóricas; é até duvidoso que prestasse atenção às últimas palavras da viúva. O quimérico edifício que tão laboriosamente construíra, via-o ele desfazer-se em fumo, e esta só impressão o dominava agora.

Decorreu algum tempo de completo e acanhado silêncio. Estavam encostados à janela que dava para o jardim. Meneses não ousava levantar os olhos para ela; não era só natural vexame da posição em que se achava, era também medo de contemplar ainda uma vez o bem que perdia. Lívia compreendia esse estado da alma do moço. Lastimava - quem sabe? - não ser ele o escolhido do seu coração. Era o mais que lhe podia dar, e era muito. Enfim:

- Fiquemos amigos - disse ela -. A amizade lhe fará esquecer o amor; é mais serena que ele, e talvez menos exposta a perecer. Conheço que sou egoísta; peço-lhe uma cousa que só a mim aproveitará. Amigos, não lhe será difícil achá-los; eu não os acharia tão facilmente nem tais como o senhor.

Meneses tocou levemente na mão que ela lhe estendeu ao terminar estas palavras. O pedido que ela lhe fazia era mais afetuoso que judicioso; a um coração desenganado não há imediatamente compensações possíveis nem eficazes consolações. A bondade da viúva o comoveu todavia; ia agradecer-lhe quando Raquel entrou na sala.

Raquel estacou. Ambos estavam acanhados. A viúva foi a primeira que rompeu o silêncio chamando a filha do coronel. Que queria dizer o sorriso benévolo, mas sonso, que lhe pairava nos lábios? Não o viu Meneses, que olhava para fora, mas viu-o a viúva e estremeceu.

Meneses não voltou lá durante uma semana; prolongaria a ausência, se o amor, fecundo de ilusões, lhe não houvesse enchido o peito de esperanças novas. Lívia tratou-o com a costumada afabilidade, talvez com afabilidade maior. Como a confiança de Félix não se havia alterado, Lívia usava assim uma dissimulação honesta, por simples motivo de piedade e gratidão. Estava no seu caráter este modo de interpretar as cousas, e de as tratar assim sem grande respeito às conveniências sociais. Profanas, diria eu antes, se quisesse exprimir os verdadeiros sentimentos da viúva, que achava naquela obra de simpatia uma espécie de missão espiritual.

Às missionárias daquela espécie, se as há, desejo-lhes maior perspicácia ou mais feliz estrela. Nem a estrela nem a perspicácia da nossa heroína estavam acima do seu coração. O sentimento que a impelia era bom; o procedimento é que era errado. Ela não atentava nisso. Interrogava o rosto do médico, mais confiante e alegre que nunca, e só isto lhe bastava a seus olhos. Fossem eles menos namorados, e veriam que a tranquilidade de Félix era tão exagerada e fora dele, que não podia ser sincera.

A esses erros e ilusões, que podiam conter os elementos de um drama não remoto, veio juntar-se ainda a ilusão de Raquel. Esta aplaudia sinceramente os sentimentos que atribuía à viúva em relação a Meneses; o sorriso com que os surpreendera não queria dizer outra cousa. Fê-lo sentir um dia à viúva; a energia com que ela lhe respondeu mais a persuadiu ainda. Lívia quis então referir-lhe tudo, o verdadeiro objeto do seu amor e o seu próximo casamento; mas, posto que a idade não as separasse muito, Lívia considerava-a ainda criança e reprimiu o seu primeiro impulso.

Raquel ficou com as suas suspeitas.

Perdoemos agora à inexperiência da boa moça - criança, como dizia a viúva - a leviandade com que insinuou ao médico as suspeitas que alimentava. Fê-lo por meio de alusão delicada e fina numa ocasião em que o pedia a conversa. O golpe foi profundo, a prova pareceu decisiva desta vez.

Raquel notou a impressão do médico. O sorriso inocente e brincão que lhe entreabria os lábios repentinamente se lhe apagou. Félix olhava para ela sem ver a mudança que se lhe havia operado. Viu-a enfim, mas não a entendeu. Tentou fazer-se galhofeiro como sempre fora com ela; conseguiu fazê-la sorrir.

Os dias que se seguiram a este foram de triste provação para a viúva. Sabemos já que o ciúme de Félix era às vezes ríspido. Nunca o fora mais que desta vez. Longas cartas trocaram ambos, amargas as dela, as dele friamente cruéis e chocarreiras. Félix não lhe disse logo a causa desta nova crise: adivinhou-a Lívia, e tudo lhe contou lealmente, sem lhe negar a boa intenção com que tratava o coração de Meneses. Era mostrar-se muito pouco mulher. Félix viu em tudo aquilo um tecido de absurdos.

O que lhe disse então foi o transunto das cartas que lhe escrevera. Grosseiro, irônico, incoerente, tudo isso foi nas palavras com que fulminou a pobre senhora.

Lívia não protestava. Quis interrompê-lo uma vez; quando ele acabou nada achou que lhe merecesse resposta. Estavam na sala. Olhou assustada para todas as portas, deixou-se cair frouxamente numa cadeira e tapou o rosto com as mãos.

Félix deu um passo para ela; o movimento era bom, mas o arrependimento veio logo.

- Adeus! - disse ele.

A moça descobriu o rosto.

- Félix! - exclamou ela.

O médico parou alguns instantes. Lívia levantou-se e foi a ele arrebatadamente. Chegou a pegar-lhe numa das mãos, abatida e lacrimosa ia começar uma última súplica. Ele porém puxou a mão violentamente, olhou para ela, e depois de longo silencio, repetiu:

- Adeus!

XIV

OU CAPÍTULO DO ACASO

Félix chegou a casa cheio de cólera e desespero. Entrou impetuoso na sala; como se precisasse de vingar em alguma cousa a suposta injúria, lançou mão do primeiro vaso que se lhe deparou e deitou-o ao chão. O vaso fez-se em estilhas.

- Que é isso? - disse uma voz estranha. Félix estacou espantado; olhou para o vão de uma janela, donde viera a voz, e deu com a figura de Moreirinha, comodamente sentado, com um livro de gravuras aberto sobre os joelhos.

- Sou eu - disse o visitante levantando-se e indo apertar a mão ao dono da casa -. Admira-se de me ver aqui? Tomei a liberdade de o esperar, a despeito das observações que me fez o seu criado.

Félix não pôde encobrir o desprazer que lhe causava a visita. Moreirinha leu-lhe isso claramente nos olhos, e continuou:

- Talvez não lhe seja agradável a minha presença, sobretudo porque me parece ter alguma cousa que o molesta nesta ocasião; mas não podia ser de outro modo...

Félix levantou os ombros.

- E maior será ainda o seu desgosto - continuou Moreirinha -, quando souber que não lhe peço asilo só por uma hora, mas até amanhã.

Dizendo isto, estendeu-lhe a mão. Félix estendeu-lhe a sua, e friamente lhe disse que podia ficar o tempo que quisesse.

Quando o coração padece não há maior importuno que um conversador indiferente e frívolo. Esta circunstância veio ainda azedar mais o espírito de Félix. A solidão lhe daria talvez um bálsamo salutar, se o havia para ele. O acaso deparou-lhe, entretanto, uma testemunha diante de quem lhe era forçoso aparentar a serenidade que não tinha.

O hóspede compreendeu a situação, e francamente lhe disse que o não queria perturbar; viera como asilado, não como visita; não tinha direito às atenções do dono da casa. Félix respondeu o melhor que pôde a esta cortesia, que aliás o obrigava ainda mais. Não havendo meio de escapar, procurou ao menos ser igualmente cortês. Demais, Moreirinha não era tão importuno como pareceria, porque falava sempre e não tinha o sestro dessa outra casta de importunos que interrompem a cada passo os discursos com perguntas... de boca e de gesto.

Não se demorou o hóspede em dizer a causa que o trouxera ali: era Cecília. Apesar da situação em que se achava, Félix não pôde deixar de lhe prestar atenção.

- Cecília? - perguntou ele.

- É verdade: é o meu mau anjo. Lembra-se dos elogios que lhe fiz dela? Eram sinceros, e eram também justos naquele tempo. Até então não havia encontrado docilidade igual. Não sou piegas, sabe; mas gosto de um episódio assim. Não sei que lhe fizeram à boa rapariga, que de todo mudou e veio a ser um verdadeiro diabo. Aquelas cadeias tão leves que nos prendiam um ao outro, e que eu chamava cadeias de rosas, tornaram-se de ferro pesado. Quero fugir-lhe e não posso; tenho tentado tudo para escapar-lhe, mas em vão. Escondo-me em casa, na casa dos amigos, nos hotéis; onde quer que esteja lá irá buscar-me, e então Deus sabe o que sofro. Hoje lembrou-me vir passar aqui o resto do dia e a noute com o senhor; estou certo de que não dará comigo.

Félix ouvira atentamente a exposição do Moreirinha, não sem achar alguma relação entre o estado dele e o seu. Moreirinha referiu então muitos episódios do que ele chamava sua escravidão.

- E não conhece nenhum meio de lhe escapar por uma vez?

- Nenhum; ainda quando eu pudesse sair da Corte, estou certo de que ela iria buscar-me a bordo do navio ou à portinhola do carro que me levasse.

Tão notável mudança no caráter de Cecília não deixou de chamar a atenção de Félix. Compreendeu facilmente que era obra do próprio amante. A rola fizera-se gavião, pela única razão de que Moreirinha lhe dera ensejo de conhecer a própria força.

De abatimento em abatimento chegara Moreirinha à miserável posição atual. Não era ele homem de salutares reações nem de resignações filosóficas: era, sim, homem de fugir e adiar, caráter feito de inércia e medo, maravilhosamente disposto para os desesperos inúteis e as capitulações vergonhosas.

- Mas, por que não sai da Corte algum tempo? - disse Félix após alguns minutos -. Sempre há de haver meio de fugir...

Moreirinha refletiu um instante.

- Por duas razões - disse ele -: a primeira é que, apesar de tudo, não deixo de gostar dela, e se pudesse escapar-lhe durante trinta dias, ia no trigésimo primeiro procurá-la...

- A segunda razão... - interrompeu Félix a quem parecia incomodar essa ingênua confissão.

- A segunda razão - respondeu Moreirinha com hesitação - é que... não posso.

Félix desceu os olhos ao vestuário do rapaz, e viu nele o comentário das palavras que acabava de ouvir. Elegância ainda havia, mas já pobre e rafada; os botins tinham sinais de longo serviço; o paletó, aliás bem lançado, era de fazenda visivelmente inferior. Trazia luvas cor havana, mas ao olhar curioso de Félix não escapou a circunstância de que as pontas dos dedos já estavam assinaladas por uma leve pasta de cor preta, vestígio de aturado uso.

Não era preciso grande perspicácia para compreender que aquilo tudo era obra de Cecília. Nem ficaria longe da verossimilhança quem afiançasse que Moreirinha estava eternamente condenado ao capricho daquela mulher. Não tinha decerto o rapaz com que lhe satisfazer todas as vaidades e necessidades; ela incumbia-se de abrir outras verbas no orçamento da receita, mediante um bem combinado sistema de impostos.

Félix compreendeu tudo isso de relance, e procurou trazer o espírito de Moreirinha a ideias mais alegres, menos ainda por ele que por si.

Não foi cousa difícil. Ao espírito de Moreirinha repugnavam as preocupações graves. Aproveitou o ensejo que o médico lhe ofereceu e entrou a falar das cousas correntes do dia. Dos mil episódios da vida de certa classe, não havia gazeta melhor informada que o amante de Cecília. Os novos amores de uma, os arrufos de outra, o dito chistoso desta, a aventura daquela, tudo ele sabia em primeira mão. Não lhe perguntassem por estreias literárias nem crises políticas; mas a mobília com que Fulano presenteara a certa dama, a ceia equívoca em que Sicrano chegara a beber champagne por uma botina, esse era domínio seu, desde que os amores de Cecília de todo o separaram da sociedade.

Isto não recreava nem interessava, mas enchia o tempo, e desde que estava obrigado a sofrer o hóspede, era melhor sofrê-lo assim. Era impossível, entretanto, não volver o espírito à sua própria situação. De quando em quando o médico esquecia o narrador, e o seu pensamento ia esvoaçar em derredor da viúva. Foi numa dessas ocasiões que lhe chegou uma carta dela. Félix abriu-a sofregamente e leu-a duas vezes. Era longa; recapitulava a história daqueles últimos meses, e concluía fazendo um apelo à razão do médico. Adivinhava-se que a moça escrevera com lágrimas, mas já não havia o tom súplice com que em análogas ocasiões lhe pedia a reconciliação.

O tempo alguma obra havia já feito no espírito de Félix; a carta veio consumá-la. Félix não estava ainda certo da inocência da viúva, mas já estava certíssimo da brutalidade da sua explosão, e este reconhecimento era uma dor nova, quase tão profunda como a outra.

Seu primeiro impulso foi ir ter com Lívia; desistiu dele e preferiu escrever-lhe uma carta. Três vezes a começou sem lograr chegar ao fim. Vacilava entre ser afetuoso ou severo; num caso lembrava-lhe a perfídia possível, noutro, a provável inocência; temia ser injusto ou ridículo. Como todos os caracteres indecisos, não achou mais recurso que uma inútil desesperação.

Anoitecera; Moreirinha estava mais alegre que nunca, e pagava a hospitalidade do médico com as suas galhofas costumadas. Não contava com Cecília, mas adivinhou que era ela quando ouviu parar um carro à porta.

- Estou perdido! - disse ele desatando um longo suspiro.

Era ela.

Cansada de esperar que lhe levassem resposta do recado que dera, Cecília desceu do carro e entrou em casa. Ao chegar à porta relanceou os olhos pela sala, onde não viu desde logo o amante; Moreirinha metera-se no vão de uma janela. Félix olhou severamente para Cecília, como quem lhe estranhava a liberdade que tomara. Mas onde iam já as flores de antanho? A dócil rapariga de outro tempo tornara-se mulher desgarrada e solta. Caminhou afoutamente para o médico e estendendo-lhe a mão:

- Como estás, mon vieux? - disse com um risinho de mofa.

Nessa ocasião descobriu o amante, que parecia entretido em contar as estrelas. Foi a ele, e soltava já as primeiras palavras de uma veemente apóstrofe, quando Félix julgou prudente intervir a tempo de evitar um escândalo; reconciliou-os como pôde, e secamente os despediu.

Lívia estava à janela desconsolada e triste, enquanto Raquel, não menos triste que ela, executava no piano uma melodia adequada à situação de ambas. Não viera resposta do médico, a viúva sentia desvanecer-se-lhe a esperança de tantos meses, e com ela o futuro que tão perto se lhe afigurava. Estas eram as suas melancólicas reflexões, quando viu parar à porta de Félix um carro, descer uma mulher, entrar, sair depois com um homem e partirem ambos.

O golpe foi terrível e mais profundo que nunca. A viúva não temia decerto uma rival triunfante; mas via e sentia o desprezo do homem por quem tantas lágrimas chorara naquele dia. Se o médico lhe aparecesse então, ela reconheceria o seu engano, e a alegria de se sentir estimada lhe daria forças contra a dor de se ver ofendida. Félix não veio. Lívia mal pôde resistir à humilhação. Uma lágrima - a última que lhe restava - foi a única expressão do seu imenso desespero.

XV

ENFANT TERRIBLE

No dia seguinte, logo cedo, Viana foi à casa do médico. Não ia almoçar com ele; ia convidá-lo para jantar.

- Faço anos hoje - disse o parasita - e quisera ter à mesa alguns amigos, poucos. O senhor é dos primeiros, não pode faltar.

- Não faltarei - respondeu Félix.

Viana emitiu em seguida algumas ideias a respeito da maneira por que encarava um jantar de anos. Não devia compreender senão amigos íntimos, por ser festa do coração, alegria doméstica, em que tudo o que não falasse a língua da amizade seria estrangeiro ou talvez inimigo. Não bastava gosto para a escolha de tais amigos; era preciso jeito e sagacidade para discernir os que se prendiam pelo afeto dos que aderiam pelo costume. Esqueceu-lhe o principal; esqueceu-lhe dizer que, no seu ponto de vista, um jantar de anos era também um jantar a juros.

Félix aceitou o convite com sofreguidão; esperava um pretexto para voltar à casa de Lívia. Pungia-o ainda o ciúme, mas a irritação passara, e em lugar dela nascera o desejo de ver restabelecida a harmonia antiga, não por ato de vontade própria, mas por uma completa justificação da amada.

Com tais sentimentos saiu de casa. Lívia estava à janela quando o viu chegar; foi recebê-lo no patamar da escada que dava para o jardim. Ao apertar-lhe a mão, entre triste e risonha:

- Era eu que devia perdoar-lhe - disse -; mas seria ofender o seu orgulho.

- O meu orgulho? Perdoar-me? - repetiu Félix.

- Sim - disse ela fazendo um gesto afirmativo.

Leu-lhe Félix no rosto tão sincera tranquilidade, que esteve quase a aceitar a reconciliação. Hesitou algum tempo; deitou os olhos à sala, e viu atravessá-la na direção da escada a figura de Raquel. Então lembrou-lhe a semiconfidência que esta lhe fizera, e amargamente respondeu à viúva:

- Sejamos sérios.

Lívia empalideceu. Quis responder alguma cousa, e não pôde; Raquel estava com eles. Pouco depois chegaram o coronel e D. Matilde; Meneses não tardou muito. Algumas pessoas mais completavam o pessoal da festa. A presença de estranhos constrangia a viúva e o médico; era forçoso ser alegre como os outros, e isso custava a ambos, mais ainda a ela que a ele.

O jantar passou sem novidade de vulto. As pilhérias do coronel, e os brindes repetidos de Viana entretiveram a sociedade. Félix tentou seguir a corrente da alegria e logrou obtê-lo. Não reparava - ainda mal! - que a fronte da viúva parecia entristecer-se mais; seus olhos procuravam antes os de Meneses que os dela. Meneses tinha os seus embebidos nela.

No fim do jantar Viana propôs que fossem conversar na chácara. Meneses pediu que a filha do coronel tocasse primeiro uma melodia que lhe ouvira alguns dias antes. Raquel consentiu. A melodia era extremamente melancólica, e Raquel tocava-a com alma. O tom da música influiu nos ânimos; não havia só o simples silêncio da atenção, mas o recolhimento da tristeza.

Em alguns dos convivas esta impressão era mais natural e foi mais pronta. O médico, entretanto, forcejava não só por sacudir a estranha influência, como por afetar completa isenção de espírito.

Luís estava em pé diante dele, com os cotovelos fincados nos seus joelhos. Félix brincava-lhe com os cabelos, e ambos sorriam um para o outro, como se fossem os únicos estranhos à comoção geral. Ora, no meio do absoluto silêncio da sala, apenas interrompido pelas notas soltas e magoadas que os dedos de Raquel tiravam do piano, o filhinho de Lívia fez esta singela pergunta ao médico:

- Por que é que o senhor não se casa com mamãe?

Lívia estremeceu. Raquel cessou de tocar e volveu rapidamente a cabeça para o grupo donde partira a voz. Dos outros convivas, uns sorriam da inocente indiscrição do menino, outros observavam a viúva, ninguém reparava em Raquel.

A filha do coronel deixou imediatamente o piano. Viana lembrou então o passeio da chácara. Todos aceitaram o alvitre e saíram da sala. A espécie de acanhamento que a pergunta do menino deixara em todos para logo desapareceu de alguns.

Lívia não saíra logo. A alguma distância repararam na falta dela, e Raquel propôs-se a ir buscá-la. Achou-a a abraçar e beijar o filho. Conquanto ela fosse mãe extremosa, não havia razão imediata para aquela explosão de ternura. Raquel estacou sem compreender nada.

A viúva olhou para ela conchegando o filho ao coração.

- Que queres? - perguntou.

Raquel não respondeu. A pouco e pouco se lhe ia alumiando o espírito. Olhou longo tempo para ela, como se à força quisesse arrancar-lhe a explicação que o seu coração pressentia. Enfim, pareceu adivinhar tudo.

- Ama-o então? - perguntou ela com os lábios trêmulos.

- Creio que o amei - respondeu Lívia baixando tristemente a cabeça.

Se o espírito de Raquel não fosse ainda o regaço da castidade, aquela confissão mentirosa da viúva, porque ela ainda amava, podia fazer-lhe nascer alguma desairosa suspeita. Mas Raquel não viu naquelas palavras mais do que um amor medroso e não compreendido. Sua eloquente resposta foi apertá-la nos braços.

Lívia apertou-a com força. Era a primeira vez que o acaso lhe deparava uma confidente. Alteava-se-lhe o seio, túmido de suspiros; duas lágrimas lhe romperam dos olhos e foram morrer na espádua de Raquel. O menino interrompeu essa doce efusão. Lívia respirou largamente, e beijando com ternura a moça, disse:

- Vamos.

Mas Raquel não se movia. Tinha os olhos postos nela, os lábios apertados, os braços pendentes. Lívia sacudiu-lhe brandamente os ombros.

- Que tens? - disse.

- Nada - suspirou Raquel.

Lívia estremeceu. Súbito relâmpago lhe atravessou as sombras do espírito. Interrogou-a de novo, mas foi em vão. Então sentiu em si todas as energias do seu temperamento, e com um grito, que a cólera abafava, exclamou:

- Ah! Tu o amas também!

Raquel não lhe respondeu. Se a viúva lhe houvera falado com brandura é provável que lhe fizesse plena confissão de seus sentimentos. Mas, às palavras coléricas de Lívia, a pobre moça começou a tremer.

- Tu o amas também! - respondeu Lívia com voz surda e concentrada.

Raquel curvou o corpo, pôs as mãos em atitude de súplica, e murmurou com voz trêmula:

- Perdão!

Pairou nos lábios da viúva um sorriso sarcástico. Raquel repetiu ainda muitas vezes a palavra "perdão"; mas a única resposta da sua rival foi pegar-lhe do braço e indicar-lhe a porta.

- Vai ter com ele! - exclamou.

Depois saiu arrebatada da sala. Raquel, magoada pela violência do gesto da viúva, acompanhou-a com o olhar até à porta. Os olhos da corça ofendida não chamejavam ódio contra a leoa irritada.

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