Romance

Ressurreição

1872

NOTA DESTA EDIÇÃO ELETRÔNICA

Ressurreição é o primeiro romance publicado por Machado de Assis, em 1872. Durante a vida do autor, saiu mais uma edição, em 1905, também pela casa editora Garnier.

Para cada uma dessas edições, o autor escreveu uma "Advertência": na primeira, que assina (M. A.) e data de 17 de abril de 1872, explica o propósito do livro e, recorrendo a Shakespeare, que traduz em nota de rodapé, declara que vai escrever um livro sobre a questão da dúvida; na segunda, que assina (M. de A.) e não data, a advertência é bem mais curta e, ao reproduzir a "Advertência da 1a. Edição", já não fornece a tradução que constava na publicação de 1872.

Agora autor consagrado, Machado reflete sobre o seu romance de estreia e declara que não "lhe alter[a] a composição nem o estilo", apenas troca alguns vocábulos e faz pequenas correções de ortografia. No entanto, pode o leitor atento perceber a ausência, na segunda edição, da tradução dos versos de Shakespeare, como se o autor maduro se eximisse da tarefa de traduzir, e, por esse expediente, elevasse a si mesmo e ao seu público-leitor, que pressupõe apto a dispensar a versão para o português da passagem shakespeariana. Ganha em sutileza, dá mais trabalho ao leitor, cuja recepção continua manipulando, mas de maneira mais sorrateira.

Sem investigar em profundidade as possíveis outras motivações da ausência da tradução na edição de 1905, deixamos ao leitor de 2008 uma provocação, um convite a pensar sobre essa obra que, pertencendo à "primeira fase" - como ele próprio assinala na abertura da segunda edição - guarda mais mistérios do que se poderia pensar à primeira vista.

Para estabelecer o texto da presente edição eletrônica, utilizamos como fonte a edição Garnier / Fundação Casa de Rui Barbosa de 1988, preparada por José Galante de Sousa, que se baseou na segunda edição da obra (1905), a última em vida do escritor e, portanto, autorizada por ele. Para solucionar eventuais dúvidas, recorremos diretamente a exemplares da primeira e da segunda edições, existentes na biblioteca da Fundação Casa de Rui Barbosa.

Foi feita uma atualização ortográfica, mas mantivemos formas que, embora em desuso atualmente, ainda são consignadas pelos principais dicionários de língua portuguesa ("cousa", "cômplice" "cepticismo"). Em nome da preservação do que se poderia chamar de "atmosfera textual", conservamos na língua de origem palavras estrangeiras como "tilbury" e "champagne", apesar de já existirem consignadas em dicionários atuais na forma aportuguesada ("tílburi", "champanhe"). Do mesmo modo, deixamos as duas formas "noute" (uma ocorrência) e "noite" (mais de trinta), por supor que, na fala em que se encontra a forma antiga ("noute"), é possível que Machado de Assis a tenha empregado deliberadamente, como um traço do registro um tanto artificial da personagem que a emprega.

Talvez o maior problema no estabelecimento de textos escritos no século XIX seja o da pontuação. Ao preparar esta edição, optamos por uma política a meio caminho entre uma atualização radical, de acordo com as normas presentemente vigentes, e o respeito à pontuação de Machado de Assis. Para citar um exemplo apenas: mantivemos todas as vírgulas antes da aditiva "e" precedendo verbos cujo sujeito era precisamente o mesmo da oração anterior ("Félix deu uma volta pelo interior da casa, e foi até à sala [...]"). Assim deliberamos por identificar no procedimento um traço estilístico recorrente no romance. Por outro lado, nos casos em que consideramos que a vírgula (ou a ausência dela) comprometia o melhor entendimento do texto, não hesitamos em intervir, como ocorreu no caso de vírgulas precedendo orações adjetivas restritivas (que suprimimos) e de falta de vírgulas precedendo orações adjetivas explicativas (que inserimos). Num caso apenas, deixamos a vírgula separando o sujeito de seu verbo ("O que está feito, está feito."), por considerar que a pontuação procura reproduzir, na fala da personagem, a pausa própria da oralidade.

Esta não pretende ser uma edição crítica, nela não há notas editoriais. Nosso objetivo foi produzir uma edição fidedigna do texto machadiano que, através dos hiperlinks, oferece ao leitor do século XXI uma ferramenta de fácil utilização e encurta a distância entre ele, leitor, e o enorme universo de referências de Machado de Assis.

Registre-se aqui a colaboração, na pesquisa dos hiperlinks, de Camila Abreu, ex-bolsista de Iniciação Científica na Fundação Casa de Rui Barbosa; na revisão, a de Ana Maria Vasconcelos e Karen Nascimento, bolsistas de Iniciação Científica, e, na construção do texto digital e do software que possibilita a visualização dos links, a de Eduardo Pinheiro da Costa, técnico em informática da Fundação Casa de Rui Barbosa.

Marta de Senna, pesquisadora
Marcelo da Rocha Lima Diego, bolsista de Iniciação Científica
Fundação Casa de Rui Barbosa/CNPq/FAPERJ


agosto de 2008

IX

LUTA

O amor de Félix era um gosto amargo, travado de dúvidas e suspeitas. Melindroso lhe chamara ela, e com razão; a mais leve folha de rosa o magoava. Um sorriso, um olhar, um gesto, qualquer cousa bastava para lhe turbar o espírito. O próprio pensamento da moça não escapava às suas suspeitas: se alguma vez lhe descobria no olhar a atonia da reflexão, entrava a conjeturar as causas dela, recordava um gesto da véspera, um olhar mal explicado, uma frase obscura e ambígua, e tudo isto se amalgamava no ânimo do pobre namorado, e de tudo isto brotava, autêntica e luminosa, a perfídia da moça.

Lívia preferia decerto uma confiança honesta e leal, mas a desconfiança estava longe de lhe amargurar o coração, aceitava-a com alegria.

- Antes isto - dizia-lhe depois de uma reconciliação -; vejo que me ama. A confiança também se parece com a indiferença, e a indiferença é o pior de todos os males.

Esta filosofia teve seus instantes de desmaio. Não bastava a força do amor para resistir à suspeita de todos os dias, que se apagava às vezes logo, mas que renascia depois, para de novo se apagar e renascer. Lívia começou a fugir dos lugares que até então frequentava habitualmente. Raras vezes aparecia no teatro ou numa reunião. Félix compreendeu a causa desta reserva e disse-lha. A moça negou; mas, como ele insistisse em afirmar e pedir que ela não alterasse os seus hábitos, respondeu:

- É bom de dizer, Félix; assim vamos melhor; lá fora como aqui, lá pior do que aqui, a menor cousa basta para lhe transviar o espírito.

- Juro-lhe que não.

Jurava, mas quebrava o juramento. O espírito não ratificava as promessas do coração. De que lhe servia a ela a máxima prudência nas suas relações com as demais pessoas, se tudo era pouco para obter a confiança de Félix? Uma hora de inalterável felicidade era comprada à custa de muitas horas de tédio, às vezes de lágrimas. Ele as sentia decerto, e pagar-lhas-ia com sacrifícios, se precisos fossem; mas eram curtos esses lúcidos instantes.

Lívia não se acostumou a ler logo na fisionomia do médico. Ele possuía em alto grau a faculdade de esconder o bem e o mal que sentisse. Era uma faculdade preciosa, que o orgulho educara, e se fortificou com o tempo. O tempo, entretanto, a pouco e pouco lhe foi adelgaçando essa couraça, à medida que se prolongava e multiplicava a luta. Então os olhos da viúva aprenderam a soletrar-lhe no rosto os terrores e as tempestades do coração. Às vezes, no meio de uma conversa indiferente, alegre, pueril, os olhos de Lívia se obscureciam e a palavra lhe morria nos lábios. A razão da mudança estava numa ruga quase imperceptível que ela descobria no rosto do médico, ou num gesto mal contido, ou num olhar mal disfarçado.

Esta situação pôde esconder-se aos olhos de todos, menos aos de Luís Batista. Observador e perspicaz, e ao mesmo tempo sem paixões nem escrúpulos, percebeu este que quanto mais o amor de Félix se tornasse suspeitoso e tirânico, tanto mais perderia terreno no coração da viúva, e assim, roto o encanto, chegaria a hora das reparações generosas com que ele se propunha a consolar a moça dos seus tardios arrependimentos.

Para alcançar esse resultado, era mister multiplicar as suspeitas do médico, cavar-lhe fundamente no coração a ferida do ciúme, torná-lo em suma instrumento de sua própria ruína. Não adotou o método de Iago, que lhe parecia arriscado e pueril; em vez de insinuar-lhe a suspeita pelo ouvido, meteu-lha pelos olhos.

A dificuldade era certamente maior e mais delicada, mas o pretendente tinha em larga escala as qualidades precisas para ela. Era-lhe necessário afetar com a moça uma intimidade misteriosa, mas discreta, sem aparato, antes cercada de infinitas cautelas, tão hábil que ela não percebesse, mas tão claramente dissimulada, que fosse direito ao coração de Félix.

Mas a mulher dele? A mulher dele, amigo leitor, era uma moça relativamente feliz. Estava mais que resignada, estava acostumada à indiferença do marido. Dera-lhe a Providência essa grande virtude de se afazer aos males da vida. Clara havia buscado a felicidade conjugal com a ânsia de um coração que tinha fome e sede de amor. Não logrou o que sonhara. Pedira um rei e deram-lhe um cepo. Aceitou o cepo e não pediu mais.

Todavia, o cepo não o fora tanto antes do casamento. Paixão não a teve nunca pela noiva; teve, sim, um sentimento todo pessoal, mistura de sensualidade e fatuidade, espécie de entusiasmo passageiro, que os primeiros raios da lua de mel abrandaram até apagá-lo de todo. A natureza readquiriu os seus aspectos normais; a pobre Clarinha, que havia ideado um paraíso no casamento, viu desfazer-se em fumo a sua quimera, e aceitou passivamente a realidade que lhe deram - sem esperanças, é certo, mas também sem remorsos.

Faltava-lhe - e ainda bem que lhe faltava - aquela curiosidade funesta com que o anfíbio clássico, desenganado do cepo, entrou a pedir um rei novo e veio a ter uma serpente que o engoliu. A virtude salvou-a da queda e da vergonha. Lastimava-se, talvez, no refúgio do seu coração, mas não fez imprecações ao destino. E como nem tinha força de aborrecer, a paz doméstica nunca fora alterada; ambos podiam dizer-se criaturas felizes.

Ora, pois, enquanto Clarinha nenhum lugar ocupava no espírito do marido, este executou o plano que havia organizado. O resultado foi lento, mas certo. O coração de Félix bebeu aos poucos o veneno que lhe propinava tranquilamente o astuto rival; mil circunstâncias fortuitas vieram favorecer a obra de Luís Batista. O espírito de Félix era apropriado terreno para ela; a suspeita rara vez lhe morria em embrião; uma vez lançada a semente, germinava com força, crescia, apoderava-se dele, e então batia a hora da crise, a hora que o seu rival pacientemente esperou, e conseguiu.

Desta vez assentou Félix numa resolução heroica: romper o encanto que o prendia à bela viúva. Tinham já passado alguns meses, todos eles assim entremeados de felicidade e amargura. Cem vezes se convencera das suas injustiças; mas a cada suspeita nova ressurgiam as anteriores, as que ela perdoara, e a última confirmava então as primeiras, e o pobre rapaz achava-se sinceramente ludibriado e ridículo.

Escreveu uma carta longa e violenta, em que acusava a moça de perfídia e dissimulação. Havia amargura na carta, mas havia também ódio e desprezo, tudo quanto podia ferir para sempre um coração que até ali soubera amar e sofrer, mas que enfim podia cansar e desprezar.

Enviada a carta, deixou-se ele entregue à sua dor, disposto a não voltar a Catumbi. Ninguém viu então uma lágrima que o desespero lhe arrancou; e que ele se apressou de enxugar com vergonha de si mesmo. Recapitulou então todos os sucessos dos últimos dias; nunca lhe parecera mais evidente a traição da moça, nem mais cruel a situação do seu espírito. Um raio de esperança veio entretanto projetar-se na sua noite de dúvidas. Imaginou que tudo podia ser erro e ilusão, e esperou que a resposta de Lívia tudo viesse esclarecer.

Nada esclareceu a resposta da moça, porque o portador da carta voltou sem ela. Ao ciúme que o devorava, veio misturar-se o despeito; complicou-se a dor com o orgulho ofendido. Lívia apareceu-lhe com todos os caracteres de uma loureira vulgar, e loureira não traduz bem o pensamento do moço.

Nesse estado passou Félix o resto do dia. Longas lhe correram as horas, friamente longas como elas são, quando o coração padece ou espera. Enfim, caiu a tarde, apagou-se de todo o sol, as sombras da noite começaram a lutar com os derradeiros lampejos do crepúsculo, até que de todo dominaram o céu.

A melancolia da hora insinuou-se no coração do médico, e a pouco e pouco lhe aquietou o desespero do dia. Félix meditou longo tempo na situação que as circunstâncias lhe haviam criado. Viu o imenso espaço que aquele amor lhe tomara na vida, e a terrível influência que poderia exercer nela, caso não achasse forças para resistir à separação. Qual seria o meio de escapar a esse desenlace, pior que tudo? Félix pensou numa viagem, como o meio mais fácil e pronto. Dispunha mentalmente as cousas para esse fim, quando ouviu parar um carro.

Daí a pouco entrou um escravo dizendo que uma pessoa insistia em falar-lhe: era uma senhora.

- Uma senhora! - repetiu Félix.

Era Lívia. Quando Félix chegou à sala, estava ela à porta, com o rosto coberto por um véu que arregaçou imediatamente. Félix não pôde reter um grito de surpresa.

Lívia trazia pela mão um menino: era o filho. Caminhou para o médico depois de alguns instantes de absoluto silêncio, e estendeu-lhe a mão.

- Não esperava a minha visita? - disse ela com tranquilidade.

- Confesso que não.

- Devia esperar, porque eu não havia respondido à sua carta, e alguma cousa cumpria que lhe dissesse.

- Não receou que os olhos da sociedade... - disse ele.

- A sociedade está tomando chá - atalhou a viúva procurando sorrir -. Era preciso que eu viesse e vim.

Félix fez um movimento.

- Sim, era preciso - insistiu Lívia -. Uma carta seria já inútil; entre nós as cartas perderam a virtude, Félix. Eu já não sei, já não tenho palavras com que lhe restitua a confiança ao coração. Esta ousadia talvez...

A luz batia de chapa no rosto da moça; Félix viu tremerem-lhe duas lágrimas nos olhos, hesitarem um instante, e rolarem depois na face, levemente corada de agitação e de pejo.

- Fui talvez cruel no que lhe escrevi - disse ele - e quero crer que fosse também injusto, mas amo-a, é todo o meu crime...

Lívia suspirou.

- Não o amo eu também? - disse ela -. Nem por isso sou cruel ou injusta. Mas não o acuso; se o acusasse não viria aqui. Venho porque sei que padece, e a despeito de tudo devia vir.

Félix conduziu-a para o sofá, e sentou-se numa cadeira. Luís ficou de pé, entre ele e ela, meio indiferente, meio curioso do que ouvia sem entender.

- Não receou que este menino pudesse dizer alguma cousa? - perguntou Félix.

- Não pensei nisso. Fui visitar Raquel, que está muito mal; fui só com ele. Tinha a ideia de vir às Laranjeiras: isso dominava tudo. Se conseguir dissipar-lhe as novas dúvidas que o afligem, pouco me importam as consequências. Que quer? Eu sou assim. Vejo no mundo o meu amor e a sua felicidade; tudo o mais me é estranho ou nulo.

Lívia dizia estas palavras com um tom singelo e verdadeiramente d'alma, que comoveu o médico.

- Oh! Para isso basta uma cousa - disse Félix com impetuosidade -. Jura-me que nenhuma razão havia para suspeitar?

Lívia abriu muito os olhos como espantada do que ouvira; depois, abanando tristemente a cabeça:

- O senhor há de quebrar todo o meu orgulho - disse com amargura -. Eu arrisco tudo para lhe restituir a felicidade e a paz; o senhor recompensa-me este sacrifício com a humilhação. Jurar-lhe! De que serve um juramento mais entre nós? Se o que acabo de fazer não é bastante, Félix, concluamos aqui o nosso romance; e oxalá que alguma página dele possa algum dia lembrar-lhe com saudade.

Dizendo estas palavras, a moça voltou o rosto para esconder a sua comoção. Félix sentiu pungir-lhe um remorso, e teve ímpeto de cair aos pés da bela viúva. Murmurou algumas palavras, que ela não percebeu ou não ouviu, até que o menino chamou a atenção de ambos, dizendo:

- Vamos, mamãe?

Lívia levantou-se e desceu o véu sobre o rosto.

- Perdoe-me tudo - disse Félix -; ainda uma vez lhe peço perdão. Não me julgue como os outros fariam, se conhecessem esta triste história de alguns meses. Não sou mau; falta-me confiança; algum dia lhe direi por quê. Por agora, perdoe-me outra vez. Injuriei-a, bem sei; não devia pedir-lhe nada mais, porque me deu generosamente a maior consolação que o meu espírito ousaria esperar.

- Esse homem? - disse a viúva, depois de um instante.

- Por que me pergunta?

- Quero afastá-lo de minha casa, se ele lá vai, ou evitar as ocasiões de me encontrar com ele.

- É um homem que a não respeita, sequer, um libertino, cuja mulher é um anjo...

- O Dr. Batista?

- Esse.

Lívia estendeu-lhe a mão. Félix quis ainda falar-lhe, mas a viúva observou que era tarde e dirigiu-se para a porta. Félix acompanhou-a até o jardim. Ao despedir-se dela pela última vez, o médico apertou-lhe fervorosamente a mão.

- Perdoa-me?

- Sim! - disse ela.

E pela primeira vez nessa noite era a sua voz terna e amorosa como de costume.

Félix viu-a entrar no carro que partiu imediatamente. Voltou para a sala. Estava irritado contra si mesmo. Reconhecia a sua precipitação; achava-se grosseiramente injusto. Se lhe houvera lembrado a visita da moça, tê-la-ia pedido como o meio único de lhe desvanecer de todo as suspeitas. Agora que ela o deixava, acusava-se de a haver obrigado àquele extremo recurso.

A noite pareceu-lhe ainda mais longa que o dia. Velava e remordia-lhe a consciência. Ouviu bater uma por uma as horas todas, ansioso por que viesse o dia seguinte para ir a Catumbi resgatar à força de ternura e respeito a injustiça com que tratara a viúva. Cerrou os olhos quando a arraiada despontou no céu; pouco dormiu, entretanto. Ao levantar-se tinha o espírito mais sossegado, e pôde apreciar melhor a situação.

"O casamento me restituirá a confiança", pensava ele; "quando estivermos juntos os dous, afastados da convivência e do contato de estranhos, a paz morará no meu coração; só então seremos felizes sem amargura nem remorso."

X

A ENFERMA

A doença de Raquel era grave; durante alguns dias chegaram a recear um desenlace funesto. Os velhos pais quase enlouqueceram, quando o médico os preparou para a terrível catástrofe. A menina percebeu o seu estado, mas nem o medo da morte, nem a saudade da terra lhe fez doer o coração. Morria como flor que era. A mágoa era toda para os que a viam assim condenada sem remédio.

O médico assistente dera à moléstia um nome tirado não sei se do grego, se do latim. Na opinião da mãe, havia alguma cousa mais do que o nome e a moléstia; havia uma inexplicável melancolia, anterior à doença, uma espécie de tédio precoce da vida, se não era antes alguma esperança malograda - ou, mais claramente, alguma afeição sem esperança.

Para obter dela a confissão que imaginava, tinha D. Matilde o necessário tato e doçura: era mulher e mãe. Mas, ou porque nada houvesse realmente, ou porque quisesse levar consigo o segredo da sua melancolia, Raquel nenhuma confissão lhe fez.

Dous dias depois da visita de Lívia, Félix foi à casa do coronel. O coronel estava na sala, mergulhado numa poltrona, com os olhos parados e as feições abatidas pela vigília e pela dor. Quis levantar-se quando Félix apareceu à porta, mas este correu para ele e impediu o movimento.

- Soube anteontem do estado de sua filha - disse Félix sentando-se ao lado do velho pai -. Disseram-me que estava mal...

- Mal - repetiu o coronel -, definitivamente mal. A pouca esperança que tínhamos veio tirar-no-la o médico. O senhor não sabe o que é perder assim metade da alma.

Félix disse algumas palavras banais de consolação, e chegou até a falar de esperança; mas, ainda que a esperança fala sempre ao coração dos desgraçados, o bom velho em outra cousa não acreditava mais que na morte.

Algum tempo estiveram calados; enfim o coronel rompeu o silêncio:

- Raquel é muito sua amiga - disse ele -. Duas vezes perguntou pelo senhor.

- Desde quando está doente?

- De cama está há quinze dias; mas já sofria antes disso. A princípio não me deu muito cuidado; a moléstia, porém, agravou-se rapidamente, e tem ido a pior.

Foram interrompidos pelo médico assistente. Tinha este sido companheiro de Félix na escola. Ao vê-lo ali suspeitou que o tivessem mandado chamar; Félix apressou-se a explicar o motivo da sua visita.

- Em todo o caso, doutor - disse o outro -, aproveito as suas luzes, e façamos, se lhe parece, uma conferência.

O coronel foi ver se Raquel estava acordada; voltou pouco depois e acompanhou os dois médicos à alcova da doente.

Félix foi o primeiro que assomou à porta; parou alguns instantes, impressionado com o espetáculo que se lhe oferecia.

Sentada à cabeceira da cama estava D. Matilde, descorada e abatida, com os olhos túmidos, e porventura cansados de chorar. Aos pés da cama via-se uma moça amiga da infância de Raquel, e sua dedicada enfermeira nesta ocasião. Ambas, triste e silenciosamente, contemplavam a doente.

Raquel estava branca como a fronha do travesseiro em que descansava a formosa cabeça. Tinha os lábios entreabertos e a respiração curta e difícil. O pequeno rumor que fizeram os médicos ao entrar um pouco a sobressaltou. Raquel abriu os olhos, que ardiam de febre.

Quando Félix se aproximou do leito e tomou o pulso da moça, esta olhou para ele e fez um gesto de espanto. Olhou depois em volta de si, como se duvidasse do lugar em que se achava. D. Matilde inclinou-se para a filha e disse:

- É o Dr. Félix.

Raquel olhou outra vez para Félix, com aquele sorriso apagado e triste dos doentes e murmurou:

- Obrigada!

- Como se sente? - perguntou Félix.

- Melhor - disse ela com uma voz tão fraca que parecia um suspiro

- Deveras melhor?

Raquel fez um gesto de indiferença e não respondeu.

- Vamos lá, não desanime - disse Félix - e sobretudo não faça entristecer seus pais, que lhe querem tanto.

Félix examinou a doente, fazendo-lhe algumas perguntas, a que ela debilmente respondia. Quando ele cessou de a interrogar, a moça murmurou:

- Morro, não é?

- Não - disse Félix -, não há de morrer, não deve morrer. Tem ainda vida larga, mas é preciso ânimo.

Raquel fez um gesto de quem não acreditava nas boas palavras do médico e voltou as olhos para a mãe. D. Matilde tinha os seus cravados em Félix, como se lhe quisesse ler no rosto a sentença da filha. A doente pareceu adivinhar o pensamento, e disse com esforço:

- Por que não dá as suas consolações a mamãe?

A conferência não durou muito tempo. Félix começou opinando por uma modificação no tratamento até ali seguido, e declarou que não julgava todas as esperanças perdidas. O colega concordou facilmente na alteração pedida por Félix, tanto mais, disse ele, quanto as esperanças eram nenhumas.

Em sua opinião, Raquel estava irremediavelmente perdida. Não era opinião aérea e infundada; ele podia demonstrá-la com argumentos cabais e irrefutáveis. Demonstrou-o efetivamente, durante vinte minutos, com a justa apreciação dos fatos, os dados seguros da ciência, e uma dialética tão cerrada que era impossível fazer-lhe a menor objeção.

Quinze dias depois, entrava Raquel em convalescença.

No sentir dos pais, era Félix o salvador da filha. Fora ele quem lhes restituíra a esperança, e a realizara com os seus bons conselhos e diligente desvelo.

O colega de Félix, para quem o restabelecimento da moça era a destruição de todas as noções médicas recebidas, ficou profundamente surpreendido com esse resultado. Em todo caso, era impossível negá-lo; limitou-se a aplaudi-lo, e quando a moça entrou em convalescença aconselhou os pais que a mandassem para algum arrabalde da cidade, a fim de respirar ares melhores.

Não podia vir mais a propósito o conselho. Lívia mudara-se para as Laranjeiras. A ideia da mudança era de Viana, que um dia a propôs à irmã, e fora aprovado por ela. A casa ficava pouco acima da de Félix, do lado oposto.

Era um prédio elegante, levantado no meio de uma chácara, não extensa nem esmeradamente tratada. Viana, entretanto, organizara um programa de reforma, que prometia executar pontualmente. Seu contentamento parecia não ter limites; além de preferir aquele bairro ao outro em que morava, havia a circunstância de ir ficar ao pé da casa de Félix - o que era já meia felicidade, dizia ele.

Lívia aprovara a mudança sob a influência de igual ideia. Aqueles últimos dias tinham sido de plena e deliciosa paz. Seus projetos de futuro eram imensos; delineava uma vida independente de todas as escravidões sociais, vida exclusiva deles, cheia de todos os prestígios da poesia e do amor. Às vezes receava que esses sonhos fossem apenas sonhos. Ainda assim não os dera por nenhum preço deste mundo.

Estavam então nos primeiros dias de outubro; o casamento fora marcado para meado de janeiro. Marcado, entenda-se bem, apenas entre os dous, porque Félix conseguira da viúva a promessa de que a notícia seria dada nas vésperas do acontecimento.

- Mas a razão deste segredo? - perguntou Lívia depois de lhe prometer o que pedia.

- Um capricho.

A razão verdadeira era a vacilação do seu espírito; mas a que ele deu contentou perfeitamente a moça.

- Se eu tivesse o teu coração - disse ela -, desconfiava desta exigência; mas, vê lá, eu creio em ti.

Estavam sós na chácara; Viana, fiel ao seu programa de não perturbar os dous namorados, foi meditar a alguma distância nas reformas que pretendia fazer. Caminhavam os dous calados e distraídos, ou melhor, concentrados em si mesmos. De repente, a viúva levantou a cabeça e disse como continuação das suas anteriores palavras:

- Há contudo ocasiões em que esta confiança parece abalar-se, não porque eu duvide de ti, mas porque duvido do destino. Já te disse que sou supersticiosa - defeito das mulheres e das crianças. Estremeço algumas vezes, encaro o futuro, e, sem saber por que, pergunto a mim mesma qual será o fim de tudo isto. Desmaios apenas, e raros, de um coração que ambiciona, talvez, mais do que poderia obter.

- Não te parece que eu esteja emendado? - disse Félix sorrindo -. Há quantos dias não há sequer...

- Cala-te! - interrompeu Lívia tocando-lhe os lábios com os dedos -. Tenho medo de te ouvir falar assim.

E depois de um instante de silêncio:

- Não é o teu coração que me faz tremer; o teu coração é bom. Não é também o teu espírito, apesar de caprichoso, visionário, inconstante. Receio do futuro, à vista do passado.

- Do passado? - perguntou Félix estacando o passo.

Lívia suspirou.

- Que houve de mau no teu passado? - continuou o médico fitando nela um olhar perscrutador.

- Tudo.

Havia perto um velho sofá de vime. Lívia encaminhou-se lentamente para ele e sentou-se. Félix contemplou-a algum tempo do lugar em que ficara. Já não sorria; a dúvida ensombrava-lhe os olhos. Enfim, deu alguns passos e parou em frente dela.

XI

O PASSADO

- Serei indiscreto perguntando que passado foi esse? - disse Félix depois de alguns instantes.

- Oh! Descansa! Não me pesa nada na consciência; mas no coração...

- Amaste alguém?

- Amei a meu marido.

A esta resposta de Lívia seguiu-se novo e longo silêncio. A memória do passado a que ela tão misteriosamente aludira parecia doer-lhe na alma. Arfava-lhe o seio, e as mãos, em que o médico amorosamente tocou, estavam geladas e trêmulas.

- Não acreditas que eu possa compreender-te melhor que os outros? - perguntou finalmente o médico.

- Talvez não.

Félix fez um gesto de despeito. A moça arredou o vestido e abriu espaço no sofá, onde o médico se sentou a um sinal dela.

- Talvez me não compreendas melhor que os outros - continuou Lívia - e com isto não quero dizer que sejas tão vulgar como os mais deles. Não o és; mas há cousas que um homem dificilmente compreenderá, creio eu.

- Nem quando ama? - perguntou Félix.

Lívia não respondeu; Félix continuou:

- Mas que passado foi esse? Posso não compreender-te, como dizes, mas saberei dizer-te algumas palavras de consolação, e dissipar com elas a tristeza que te ficar desta confidência, que não é um remorso, decerto.

- Amei a meu marido - começou Lívia - e toda a minha confidência se resume nessas poucas palavras. Tive uma paixão da primeira idade, quando o amor vem surpreender a ignorância do coração. Será esse o amor mais forte? Há quem diga que o primeiro amor nasce apenas da necessidade de amar. Pode ser. Hoje que te amo sinto que pode ser assim. Em todo o caso, aquele afeto dominou-me toda; cobrei uma vida que me parecia imortal.

- E ele?

- Amava-me, creio, mas não entendíamos o amor do mesmo modo; tal foi o meu doloroso e tardio desencanto. Para mim era um êxtase divino, uma espécie de sonho em ação, uma transfusão absoluta de alma para alma; para ele o amor era um sentimento moderado, regrado, um pretexto conjugal, sem ardores, sem asas, sem ilusões. Erraríamos ambos, quem sabe?

- Vejo que eram incompatíveis - interrompeu Félix -; mas, por que exigir de todos essa maneira de ver e sentir, que é mais da imaginação que da realidade?

Lívia levantou os ombros.

- Estou explicando a situação da minha alma - continuou ela -. Foi aflitiva e triste; não lha ocultei. Riu-se de mim. Era um homem apático e frio; honesto, é verdade, e bom coração, mas falávamos língua diversa e não nos podíamos entender. Confiei todavia na influência do amor. Empreendi a tarefa de o trazer à atmosfera dos meus sentimentos, errada tentativa, que só me produziu atribulação e cansaço. Fatigava-o com isso a que ele chamava pieguices poéticas; da fadiga passou à exasperação, da exasperação ao tédio. No dia em que o tédio apareceu conheci que o mal estava consumado. Quis emendá-lo e não pude. Tinha feito da nossa vida conjugal um deserto; e se a minha alma clamava contra o destino, minha consciência me acusava de um erro, o erro de haver perturbado a paz doméstica, a troco de um sonho que não veio. Não me faço melhor do que sou, bem vês; mas uma parte da culpa não será da natureza que me fez tão pueril? Tal é o meu receio agora - continuou Lívia depois de alguns segundos de silêncio -; às vezes cuido que não vim ao mundo para ser feliz nem para dar a felicidade a ninguém. Nasci defeituosa, parece. Serás tu capaz de desfazer a apreensão ou corrigir o defeito?

A viúva concluiu estendendo-lhe a mão, que o médico apertou entre as suas. Um sorriso de simpatia ou de comiseração, ou de ambas as cousas juntas, entreabriu os lábios de Félix. Nenhum deles falou; ambos pareciam conversar consigo mesmo. Enfim, a viúva repetiu a pergunta.

- Talvez possa dissipar-te a apreensão - respondeu Félix -; mas, creio que não será fácil. Tens um coração ainda muito criança, e que o há de ser até a morte, penso eu.

Félix calou-se, e contemplou à vontade a fisionomia da viúva, que tinha os olhos postos no chão, absorta e pensativa. A pouco e pouco o rosto do médico se foi igualmente fechando, e ambos, durante largo espaço, se deixaram ir na corrente de seus pensamentos sombrios. Félix foi o primeiro que despertou do letargo.

- Naufragaste à vista de terra - disse ele -, e do naufrágio trouxeste apenas úmidos os vestidos. Sabes o que é naufragar em mar alto e solitário, e perder tudo, até a vida? Foi assim comigo.

- Sim? - disse Lívia com um tom em que a alegria se misturava à curiosidade.

Félix não pôde reter um sorriso.

"O infortúnio é egoísta", pensou ele.

E continuou:

- Sim, perdi muito mais. Abraçar um cadáver, que é isso para quem já abraçou uma serpente? Tu perdeste apenas alguns anos de amor mal compreendido; não perdeste um bem precioso, que o tempo me levou: a confiança. Podes hoje ser feliz do mesmo modo que o querias ser então; basta que te ame alguém. Eu não, minha querida Lívia, falta-me a primeira condição da paz interior: eu não creio na sinceridade dos outros.

Aqui parou como se esperasse alguma observação da viúva; ela, porém, olhava para ele tranquila e até risonha. Félix continuou as suas confidências do passado. Eram histórias de afeições malogradas e traídas, contadas com sincera expansão, como se estivesse falando a si mesmo. Às vezes a comoção fazia tremer-lhe a voz, e nessas ocasiões, sobretudo, lia-se nos olhos da moça o enlevo com que ela ouvia falar-lhe o coração.

- Ninguém esperdiçou mais generosamente os afetos do que eu - continuou o médico -, ninguém mais do que eu soube ser amigo e amante. Era crédulo como tu; a hipocrisia, a perfídia, o egoísmo nunca me pareceram mais que lastimáveis aberrações. Meu espírito criara um mundo seu, uma sociedade platônica,- em que a fraternidade era a língua universal, e o amor, a lei comum. Deixei-me ir assim, rio abaixo dos anos, gastando a seiva toda da juventude, sem cálculo nem arrependimento, até que me bateu a hora das decepções funestas.

Calou-se. Sentira um rumor próximo; era Viana que passeava na chácara entregue às suas combinações de horticultura. Ouviria ele a voz de Félix? Parece que sim, porque a pouco e pouco se foi afastando do lugar. Os dous ficaram outra vez sós. O médico prosseguiu:

- Não me caíram as ilusões como folhas secas que um débil sopro desprega e leva, foram-me arrancadas no pleno vigor da vegetação. Não me deixaram essas doces recordações, que são para as almas enfermas como que uma aura de vitalidade. Meu espírito ficou árido e seco. Invadiu-me então uma cruel misantropia, a princípio irritada e violenta, depois melancólica e resignada. Calejou-se-me a alma a pouco e pouco, e o meu coração literalmente morreu.

Félix continuou a narração por este mesmo tom elegíaco e triste. Foi longa e fiel. Se a viúva não o escutasse só com o coração, poderia perceber alguma cousa mais do que ressentimento e amargura. Félix não era virtualmente mau; tinha, porém, um cepticismo desdenhoso ou hipócrita, segundo a ocasião. Não perceberia só isso; veria também que a natureza fora um tanto cômplice na transformação moral do médico. A desconfiança dos sentimentos e das pessoas não provinha só das decepções que encontrara; tinha também raízes na mobilidade do espírito e na debilidade do coração. A energia dele era ato de vontade, não qualidade nativa: ele era mais que tudo fraco e volúvel.

Lívia não percebia nada disto; escutava-o com a fé pia de um coração amante. Sabendo que a razão do atual abatimento eram os infortúnios passados, ela confiava de si mesma o renovar aquela alma que envelhecera antes do tempo. Tais foram as suas consolações quando o médico terminou a longa confidência. Ele agradeceu-lhas comovido, não sem lhe perguntar se ela teria força bastante para concluir essa missão piedosa.

- Tenho - afirmou Lívia.

- É certo que me ressuscitaste - continuou o médico -; e se o futuro me guarda ainda alguns dias de felicidade sem mescla, a ti só os deverei, minha boa Lívia; tu só haverás feito o milagre. Mas...

- Mas? - repetiu a moça com impaciência.

- A obra não está completa - continuou Félix -; metade apenas. Fizeste brotar dentre as ruínas uma flor solitária, mas bela; única neste árido terreno do meu coração. Não basta; é preciso agora um raio que a anime e lhe conserve o perpétuo viço; essa é a confiança, não de uma hora, mas a de todos os dias, a que não falece nunca e nos restitui a serenidade dos primeiros tempos. Sem ela, o meu amor será um largo e inútil martírio.

Dizendo isto, conchegou-a ao seio; tocavam-se quase os rostos, que a ternura, não a voluptuosidade, enlanguescia. Não foi longo esse instante de mútua contemplação, mas valeu por muitas horas de prática. Se a vida pudesse ser eternamente aquilo, é provável que o coração de Félix adquirisse a paz que almejava. Enfim, a moça deixou cair o corpo, como se lho debilitasse o peso de comoções tão vivas, e a palavra afluiu aos lábios de ambos.

Falaram então em prosa; conversaram de seus projetos de futuro, dos arranjos do casamento, de uma viagem que fariam logo depois. Iam levantar-se quando ao longe lhes apareceu o irmão de Lívia. Caminhava apressadamente e alegre, ao encontro dos dous namorados. Félix compôs o rosto com a expressão que o caso pedia; Viana aproximou-se, e disse à irmã que o Coronel Morais estava na sala com a filha.

Lívia pediu licença ao médico e dirigiu-se para a casa. Félix deu o braço a Viana.

- Falávamos das suas reformas - disse ele - e fazíamos prosaicamente o orçamento da despesa que vai ter.

Viana sorriu-se à socapa, mas não deixou cair o assunto no chão. Falou com volubilidade dos seus planos, que eram vastos e originais, concluindo por uma singela confissão, acompanhada de um olhar indagador.

- Receio - disse ele - que a Lívia se case mais tarde ou mais cedo.

Félix limitou-se a sorrir com indiferença; entravam ambos na sala.

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