Conto

Ponto de Vista

1873

XIV

D. RAQUEL A D. LUÍSA

Corte, 15 de fevereiro

Engana-se quando supõe que o Dr. Alberto é uma figura grotesca; já lhe disse que é rapaz elegante; e até aquele ar compassado e escultural que eu lhe achava, até isso parece ter desaparecido desde que tem intimidade conosco.

Não foi pois a minha vaidade que se ofendeu; não foi também o meu coração. Senti que você não me acreditasse, nada mais.

Eu podia fazer-lhe agora uma dissertação a respeito do amor; mas retraio a pena por me lembrar que iria ensinar o padre-nosso ao vigário.

Seu marido quer entrar na política? Vai você admirar-se da minha opinião a este respeito, que não parece opinião de uma devaneadora, como você me chama. Eu penso que a política para você tem uma onça de inconvenientes e uma libra de vantagens.

A política há de ser uma rival, mas pesadas as cousas antes essa que outra. Essa ao menos ocupa o espírito e a vida; mas deixa o coração livre e puro. Demais, eu nem sempre sou a cismadora que tens na cabeça; sinto um grãozinho de ambição comigo, a ambição de ser... ministra. Ri-se? Eu também me rio, o que prova que o meu espírito anda despreocupado e livre, livre como a pena que me corre agora no papel, produzindo uma letra que não sei se entenderá.

Adeus.

RAQUEL

XV

O DR. ALBERTO A RAQUEL

18 de fevereiro

Perdoe-me a audácia; peço-lhe de joelhos uma resposta que os seus olhos teimam em me não dar. Não lhe digo no papel o que sinto; não o poderia exprimir cabalmente. Mas o seu espírito há de ter compreendido o que se passa no meu coração, há de ter lido no meu rosto aquilo que eu nunca me atreveria a dizer de viva voz.

ALBERTO

XVI

D. RAQUEL A D. LUÍSA

21 de fevereiro

Mamãe estava com disposições de ir visitá-la; mas eu infelizmente não me acho boa, e adiamos a viagem. Quando desempenha você a sua palavra vindo passar alguns dias na corte? Conversaríamos muito.

RAQUEL

XVII

À MESMA

5 de março

Não é carta; é apenas um bilhetinho. Não me dirá o que é o coração humano? Um logogrifo. "Mistério!", exclamará você ao ler estas linhas. Pois será.

RAQUEL

XVIII

ALBERTO A D. RAQUEL

8 de março

Oh! Não sabe como lhe agradeço a sua carta! Enfim veio! Foi um raio de luz entre as sombras da minha incerteza. Sou amado? Não me ilude? Também sente esta paixão que me devora o peito, capaz de levar-me ao céu, capaz de levar-me ao inferno?

Tem razão quando me pergunta se o não percebera já nos seus olhos. É verdade que eu julguei ler neles a minha felicidade. Mas podia iludir-me; supus que a suprema felicidade não era tão pronta, e se me iludisse, não sei se viveria...

Por que razão duvida de mim? Por que motivo receia que o meu amor seja um passatempo de sala? Que mortal haveria neste mundo que brincasse com a coroa de glória trazida à terra nas mãos de um anjo?

Não, Raquel... perdão se lhe chamo assim! Não, o meu amor é imenso, casto, sincero, como os verdadeiros amores.

Uma só palavra sua e podemos converter esta paixão no mais doce e delicioso estado de bem-aventurança. Quer ser minha esposa? Diga, responda essa palavra.

ALBERTO

XIX

D. LUÍSA A D. RAQUEL

Juiz de Fora, 10 de março

O coração é um mar, sujeito à influência da lua e dos ventos. Serve-lhe esta definição? Pena foi que o bilhetinho não tivesse mais quatro linhas: saberia agora tudo. Ainda assim adivinho alguma cousa; adivinho que ama.

LUÍSA

XX

À MESMA

Juiz de Fora, 17 de março

A 10 deste mês escrevi-lhe uma carta de que ainda não obtive resposta.

Por quê?

Já me lembrou se estaria doente; mas creio que se assim fosse ter-me-iam mandado dizer.

Esta carta vai por mão própria; o portador não volta cá; mas sendo por mão própria tenho certeza de que lhe será entregue. E quero que me responda imediatamente.

Vá; um esforço.

Adeus.

LUÍSA

XXI

À MESMA

Juiz de Fora, 24 de março

Nada até hoje! Que é isso, Raquel?

O portador da minha carta anterior mandou-me dizer que lhe havia entregue em mão própria; não estava doente; por que razão este esquecimento? Esta é a última; se me não escrever, acreditarei que outra amiga lhe merece mais, e que você esqueceu a confidente do colégio.

LUÍSA

XXII

D. RAQUEL A D. LUÍSA

Corte, 30 de março

Esquecer-me de você? Está louca! Onde acharia eu melhor amiga nem tão boa? Não tenho escrito, é verdade, por mil razões, a qual mais justa, sendo a principal delas, ou antes a que as resume todas, uma razão... Não sei como lhe diga isto.

Amor?

Ah! Luísa, o mais puro e ardente que pode imaginar, e o mais inesperado também. Aquela devaneadora que você conhece, a que vive nas nuvens, viu lá mesmo das nuvens o esperado do seu coração, tal qual o sonhara um dia e desesperara de achar jamais.

Não lhe posso dizer mais nada, não sei. Tudo o que eu poderia escrever aqui estaria abaixo da realidade. Mas venha, venha, e talvez leia no meu rosto a felicidade que experimento, e no dele o sinal característico daquela superioridade que eu ambicionei sempre e tão rara é na terra.

Enfim, sou feliz!

RAQUEL

XXIII

D. LUÍSA A D. RAQUEL

Juiz de Fora, 8 de abril

Chegou enfim uma carta, e chegou a tempo, porque eu já estava disposta a esquecer-me de você. Ainda assim não lhe perdoava, se não fosse a razão... Céus! Que razão! Ama enfim? Achou o homem... quero dizer, o arcanjo que procurava a minha cismadora? Que figura tem? É bonito? É alto? É baixo? Vá, diga-me tudo.

Agora vejo que estive a pique de fazê-la perder a sua felicidade. Tanto lhe falei no tal Dr. Alberto, que, era bem possível, como às vezes acontece, vir a namorar-se dele, e então quando o outro chegasse... era tarde.

E diga-me: será ele velho como o da Mariquinhas Rocha? Não se zangue, Raquel, mas o peixe morre pela boca, e era possível que você fosse castigada por ter falado dela. Pela minha parte, não acharia que dizer, uma vez que ele a amasse e fosse homem digno de casar com a minha Raquel. Em todo o caso, antes um moço.

Não me atrevo a pedir-lhe o retrato; mas meu marido pede-lho. Não se zangue, eu contei tudo, e ele manda-lhe muitos parabéns. Os meus, irei eu mesma levá-los.

LUÍSA

XXIV

D. RAQUEL AO DR. ALBERTO

10 de abril

Estou muito zangada por não teres vindo ontem; cedo começas a esquecer-me.

Vem hoje ou eu fico zangada. Ao mesmo tempo quero que me tragas um retrato dos teus; é um segredo.

Ontem perdeste muito; esteve aqui a G... e naturalmente sentiu a tua falta. Sentes isso, não? Pobre da Raquel! Adeus.

RAQUEL

XXV

O DR. ALBERTO A D. RAQUEL

Teu ALBERTO

Adeus, minha desconfiada. Crê que eu te amo muito, muito e muito, agora e sempre.

Quanto à G... eu já não sei como te hei de dizer que é uma delambida de quem não faço caso; se queres, limitar-me-ei a cumprimentá-la apenas. Que mais desejas?

Levarei nessa ocasião o meu retrato, sem saber para que é; mas espero que não será para cousa má.

Teu pai pediu-me que eu fosse jantar hoje com a família; espera-me cedo.

Perdoa-me se não fui ontem lá; em compensação pensei muito em ti.

10 de abril

XXVI

D. RAQUEL A D. LUÍSA

17 de abril

Uma grande notícia! Fui ontem pedida a papai, e vou casar. Se soubesse como sou feliz!... Quisera que estivesse aqui para dar-lhe muitos e muitos beijos. Mas há de vir ao casamento, não? Se não vier, declaro que não caso.

Naturalmente adivinha que o retrato que vai dentro desta carta é o do meu noivo. Não é bonito? Que distinção! Que inteligência! Que espírito!... A alma, sobretudo, não creio que Deus mandasse a este mundo nenhuma outra que se lhe compare. Creio que eu não merecia tanto.

Venha depressa; o casamento há de ser em maio. Dê a notícia a seu marido.

RAQUEL

XXVII

D. LUÍSA A D. RAQUEL

Juiz de Fora, 22 de abril

Que cabeça! Disse tudo menos o nome do noivo!

LUÍSA

XXVIII

D. RAQUEL A D. LUÍSA

Corte, 27 de abril

Tem razão; sou uma cabeça no ar. Mas a felicidade explica ou desculpa tudo. O meu noivo é o Dr. Alberto.

RAQUEL

XXIX

D. LUÍSA A D. RAQUEL

Juiz de Fora, 1º de maio

!!!

LUÍSA

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