Romance

Esaú e Jacó

1904

NOTA DESTA EDIÇÃO ELETRÔNICA

Esaú e Jacó, publicado em 1904, é o oitavo e penúltimo romance de Machado de Assis. Situado entre aquele que é por muitos considerado o ponto alto da ficção machadiana, Dom Casmurro (1900), e o rarefeito relato do Memorial de Aires (1908), a obra não costuma assumir papel central nos estudos machadianos ou no imaginário dos leitores brasileiros. Mas, ainda que um pouco obscurecido pela fascinante vizinhança, Esaú e Jacó não se apequena diante dos demais livros da fase madura de Machado de Assis.

Por vezes qualificado como profissão de fé da estética machadiana, Esaú e Jacó constitui-se através de um complexo jogo de espelhos, no qual o narrador ora é identificado com o conselheiro Aires, também personagem do livro, ora com a própria persona Machado de Assis, de quem Aires pode ser considerado um duplo. O conceito de duplicidade, além disso, se estende a várias instâncias narrativas e, como é costumeiro na obra do autor, é constantemente posto em xeque. Como exemplo, basta o próprio título do romance, referente aos dois protagonistas, Pedro e Paulo, que, embora gêmeos, estão em perene conflito, desmentindo a crença, muitas vezes reforçada pela ficção, na solidariedade indissolúvel entre univitelinos.

A questão do narrador, sempre problemática em Machado, desde os primeiros contos até o Memorial de Aires e até em romances aparentemente narrados em terceira pessoa neutra, como Quincas Borba (1891), é em Esaú e Jacó acompanhada de um procedimento bastante sofisticado no que diz respeito à epígrafe do livro. A epígrafe é explicada no capítulo XIII. No anterior, o narrador "neutro" havia introduzido a personagem Aires e "transcrevera" um trecho do seu diário, que termina com a citação de um verso de Dante: Dico che quando l'anima mal nata... ("Digo que quando a alma mal nascida..."). A partir daí, o narrador de terceira pessoa recupera a voz narrativa e diz:

Ora, aí está justamente a epígrafe do livro, se eu lhe quisesse pôr alguma, e não me ocorresse outra. Não é somente um meio de completar as pessoas da narração com as idéias que deixarem, mas ainda um par de lunetas para que o leitor do livro penetre o que for menos claro ou totalmente escuro. (cap. XIII)

Ressalte-se a subversão temporal processada: ao suposto autor da narrativa, que conta uma história com base nas anotações do diário de uma de suas personagens, ocorre, no 13º capítulo, dar ao livro, por epígrafe - "um par de lunetas para que o leitor penetre o que for menos claro, ou totalmente escuro" -, um verso de Dante que essa sua personagem havia "truncado" e aplicado a uma situação absolutamente banal e quotidiana. Mas a subversão não é meramente técnica, embora isso por si só já fosse muito. Se tentarmos descobrir o que pretende este citador impenitente, percebemos que a subversão é mais radical, porque: a) o verso de Dante é deslocado, posto no mesmo patamar do adágio popular "O que o berço dá só a cova o tira"; é, portanto, trivializado, rebaixado e, o que é pior, através dessa equiparação, sofre uma fixação de sentido: l'anima malnata está destinada a ser má por toda a vida; b) o verso de Dante é utilizado como antecipação do que o narrador quer que acreditemos acontecer no enredo, isto é, que os gêmeos Pedro e Paulo (que, como Esaú e Jacó, já brigavam no ventre materno) têm "almas mal-nascidas", ou "mal-concebidas", isto é, estão predestinados à dissensão, ao conflito, à rivalidade irreconciliável: "o pau que nasce torto morre torto."

Ora, o verso de Dante, no contexto do canto V do "Inferno", não diz isto. É, sim, parte de uma narração dos horrores infernais, a saber, da maneira pela qual Minos, lendário rei de Creta, famoso por seu senso de justiça e figurado no poema como um dos juízes do "doloroso ospizio", atribui a pena segundo o modo de enrolar a cauda, isto é, cinge-se com a cauda tantas vezes quantos são os círculos do inferno que a alma danada ("l'anima mal nata") deve descer.

Machado (seu narrador) não trunca o verso, que, pelo contrário, reproduz fielmente; antes o desenraíza e o emprega com uma visão entre fatalista e determinista que não poderia existir, e não existe, no original. O narrador-autor finge que quem lhe dá a chave para a decifração do livro é o memorial do Conselheiro, mas é ele, o autor, quem a inscreve no início do livro e é ainda ele quem atribui ao verso de Dante - na acepção especial e especiosa que lhe dá - a função de habilitar-nos, a nós, leitores, a enxergar o que está menos claro, embora não totalmente obscuro.

A técnica complicada, no entanto, encontra seu equilíbrio na prosa simples e precisa de Esaú e Jacó, marca registrada, aliás, da produção ficcional de Machado de Assis como um todo. Já nas resenhas publicadas à época em que o romance veio a público, destacava-se o modo de tratar as ações narradas, isto é, as qualidades da construção e dicção da prosa. O crítico José Veríssimo, ao resenhar o livro logo depois de sua publicação, chegou a afirmar que "a história é simples, e por isso mesmo difícil de contar. Aliás as histórias do Sr. Machado de Assis perderiam muito em ser recontadas por outros. O seu principal encanto talvez esteja no contador."

A atenção dispensada aos processos de construção textual explica-se pela aparente imobilidade do enredo. Há poucos "grandes acontecimentos" capazes de transformar o curso da narrativa. A trama gira em torno de Pedro e Paulo, seus pequenos desentendimentos e a disputa pelo amor de Flora, que se dá sem os arroubos românticos que a estrutura triangular sugere. O enredo de Esaú e Jacó, como definiu o crítico John Gledson, é "calculado para desapontar". Diante dessa configuração, cabe ao leitor o papel de observador astuto dos movimentos mais sutis, e não raro contraditórios, da alma humana, encenados em Esaú e Jacó com a destreza característica de Machado de Assis.

Na preparação deste texto, foram tomadas algumas decisões editoriais, das quais é preciso dar conta ao leitor. A ortografia foi atualizada - conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 1º de janeiro de 2009 ("introito" e não "intróito"; "boleia" e não "boléia"; "frequente" e não "freqüente"). No entanto, nos casos em que os dicionários atuais consignam uma forma dupla de grafia (como em "gérmen"/"germe", "súbdito"/"súdito"), preferiu-se aquela utilizada pelo autor, não obstante o arcaísmo. Foi tomada uma decisão divergente das primeiras edições e das edições da Comissão Machado de Assis e de Adriano da Gama Kury quando, no capítulo LXXXIII, há evidente erro de concordância nominal: "[...] mas do lado da porta, metido na penumbra, a figura de Pedro aparecia, não menos bela, mas um tanto triste" foi corrigido para " mas do lado da porta, metida na penumbra, a figura de Pedro aparecia, não menos bela, mas um tanto triste." Assim se procedeu por considerar-se que se trata de erro tipográfico e não de uma improvável silepse de gênero.

Questões de diagramação também oferecem problemas, apresentando cada edição disposições diferentes para palavras ou passagens em destaque. Em Esaú e Jacó isto é particularmente notável nos capítulos LXII e LXIII, com relação às palavras que compõem a tabuleta da confeitaria pertencente a Custódio, vizinho de frente do conselheiro Aires, na rua do Catete. Neste caso específico, seguiu-se aqui o padrão utilizado pelo autor no manuscrito, do qual existe edição fac-similar, publicada em 2008 pela Academia Brasileira de Letras.

Possivelmente o maior problema no estabelecimento de textos escritos no século XIX é o da pontuação. Ao preparar esta edição, optou-se por uma política a meio caminho entre uma atualização radical, de acordo com as normas presentes, e o respeito à pontuação de Machado de Assis, que, de resto, era a geralmente aceita no século XIX no Brasil e em Portugal. Para citar dois exemplos: manteve-se a vírgula antes da aditiva "e" precedendo verbos cujo sujeito é precisamente o mesmo da oração anterior ("Quando era o sono, cada uma levava o seu menino ao berço, e ia cuidar de outra cousa."); assim como não se introduziu vírgula antes da aditiva "e" precedendo sujeito diferente ("Concertou a vela depressa e o gigante ficou atrás cercado de Tétis, enquanto ela seguiu o caminho da Índia."). Também foram respeitadas idiossincrasias como a alternância do uso e não uso de vírgula antes de oração consecutiva ("[...] e cada um pleiteava a sua escolha com tão boas razões, que acabavam trocando de parecer."; e "[...] um vintém sujo e triste, ao pé da nota tão novinha que parecia sair do prelo."). Convém assinalar que, nos casos de elipse do verbo, inseriu-se vírgula para indicá-la ("Meses depois, Pedro abria consultório médico, aonde iam pessoas doentes, Paulo, banca de advogado, que procuravam os carecidos de justiça."), o que nem sempre é o procedimento do autor. Também nos casos em que se considerou que a vírgula (ou a ausência dela) comprometia o melhor entendimento do texto, não se hesitou em intervir, como ocorreu no caso de vírgulas precedendo orações adjetivas restritivas (suprimidas) e de falta de vírgulas precedendo orações adjetivas explicativas (inseridas).

Embora o padrão para o uso de aspas e travessões indicativos de falas e pensamentos das personagens seja travessão para fala e aspas para pensamentos, respeitamos as ocorrências de fala também entre aspas que vêm assim na primeira e na segunda edições, bem como na publicação da Comissão Machado de Assis. É o que ocorre entre o capítulo LIII e o LVII, como se a fala de Batista estivesse ecoando na mente de Aires. No entanto, há uma fala de Flora no capítulo CV indicada por um travessão no meio do parágrafo em que a voz é a do narrador (assim na primeira edição e na da Comissão). Foi feito parágrafo por entender-se que se trata de provável erro tipográfico que se perpetuou, pois nada justifica esse emprego inusual do travessão.

Os numerais foram grafados por extenso, que é o uso predominante na prosa do autor. Adotou-se esse procedimento pelo mesmo motivo que se mantiveram em língua estrangeira os vocábulos assim escritos na primeira edição, por acreditar-se que tudo isso contribui para aquilo que se poderia chamar de "atmosfera textual" machadiana.

A presente edição, ao apresentar notas que esclarecem as muitas citações e alusões feitas pela obra machadiana, visa tornar mais acessível o texto de Esaú e Jacó, no tocante ao seu já citado caráter intertextual. Dessa forma, o leitor poderá identificar com maior agilidade as inúmeras influências (e afluências) do romance e refletir acerca do modo com que o autor as utiliza.

Esta não pretende ser uma edição crítica. Nosso objetivo foi produzir uma edição fidedigna do texto machadiano que, através dos hiperlinks, oferece ao leitor do século XXI uma ferramenta de fácil utilização e encurta a distância entre ele, leitor, e o enorme universo de referências de Machado de Assis.

Registre-se aqui a colaboração, na pesquisa dos hiperlinks, de Camila Abreu, ex-bolsista de Iniciação Científica na Fundação Casa de Rui Barbosa; e, na construção do texto digital e do software que possibilita a visualização dos links, a de Eduardo Pinheiro da Costa, técnico em informática da Fundação Casa de Rui Barbosa.

Marta de Senna, pesquisadora
Victor Heringer, bolsista de Iniciação Científica
Fundação Casa de Rui Barbosa/CNPq/FAPERJ

novembro de 2010

Revisto em fevereiro de 2011.

XLIX

TABULETA VELHA

Toda a gente voltou da ilha com o baile na cabeça, muita sonhou com ele, alguma dormiu mal ou nada. Aires foi dos que acordaram tarde; eram onze horas. Ao meio-dia almoçou; depois escreveu no Memorial as impressões da véspera, notou várias espáduas, fez reparos políticos e acabou com as palavras que lá ficam no cabo do outro capítulo. Fumou, leu, até que resolveu ir à rua do Ouvidor. Como chegasse à vidraça de uma das janelas da frente, viu à porta da confeitaria uma figura inesperada, o velho Custódio, cheio de melancolia. Era tão novo o espetáculo que ali se deixou estar por alguns instantes; foi então que o confeiteiro, levantando os olhos, deu com ele entre as cortinas, e enquanto Aires voltava para dentro, Custódio atravessou a rua e entrou-lhe em casa.

- Que suba - disse o conselheiro ao criado.

Custódio foi recebido com a benevolência de outros dias e um pouco mais de interesse. Aires queria saber o que é que o entristecia.

- Vim para contá-lo a V. Exa.; é a tabuleta.

- Que tabuleta?

- Queira V. Exa. ver por seus olhos - disse o confeiteiro, pedindo-lhe o favor de ir à janela.

- Não vejo nada.

- Justamente, é isso mesmo. Tanto me aconselharam que fizesse reformar a tabuleta que afinal consenti, e fi-la tirar por dous empregados. A vizinhança veio para a rua assistir ao trabalho e parecia rir de mim. Já tinha falado a um pintor da rua da Assembleia; não ajustei o preço porque ele queria ver primeiro a obra. Ontem, à tarde, lá foi um caixeiro, e sabe V. Exa. o que me mandou dizer o pintor? Que a tábua está velha, e precisa outra; a madeira não aguenta tinta. Lá fui às carreiras. Não pude convencê-lo de pintar na mesma madeira; mostrou-me que estava rachada e comida de bichos. Pois cá de baixo não se via. Teimei que pintasse assim mesmo; respondeu-me que era artista e não faria obra que se estragasse logo.

- Pois reforme tudo. Pintura nova em madeira velha não vale nada. Agora verá que dura pelo resto da nossa vida.

- A outra também durava; bastava só avivar as letras.

Era tarde, a ordem fora expedida, a madeira devia estar comprada, serrada e pregada, pintado o fundo para então se desenhar e pintar o título. Custódio não disse que o artista lhe perguntara pela cor das letras, se vermelha, se amarela, se verde em cima de branco ou vice-versa, e que ele, cautelosamente, indagara do preço de cada cor para escolher as mais baratas. Não interessa saber quais foram.

Quaisquer que fossem as cores, eram tintas novas, tábuas novas, uma reforma que ele, mais por economia que por afeição, não quisera fazer; mas a afeição valia muito. Agora que ia trocar de tabuleta sentia perder algo do corpo - cousa que outros do mesmo ou diverso ramo de negócio não compreenderiam, tal gosto acham em renovar as casas e fazer crescer com elas a nomeada. São naturezas. Aires ia pensando em escrever uma Filosofia das Tabuletas, na qual poria tais e outras observações, mas nunca deu começo à obra.

- V. Exa. há de me perdoar o incômodo que lhe trouxe, vindo contar-lhe isto, mas V. Exa. é sempre tão bom comigo, fala-me com tanta amizade, que eu me atrevi... Perdoa-me, sim?

- Sim, homem de Deus.

- Conquanto V. Exa. aprove a reforma da tabuleta, sentirá comigo a separação da outra, a minha amiga velha, que nunca me deixou, que eu, nas noites de luminárias, por São Sebastião e outras, fazia aparecer aos olhos da gente. V. Exa., quando se aposentou, veio achá-la no mesmo lugar em que a deixou por ocasião de ser nomeado. E tive alma para me separar dela!

- Está bom, lá vai; agora é receber a nova, e verá como daqui a pouco são amigos.

Custódio saiu recuando, como era seu costume, e desceu trôpego as escadas. Diante da confeitaria deteve-se um instante, para ver o lugar onde estivera a tabuleta velha. Deveras, tinha saudades.

L

O TINTEIRO DE EVARISTO

-... Este caso prova que tudo se pode amar muito bem, ainda um pedaço de madeira velha. Creiam que não era só a despesa que ele naturalmente sentia, eram também saudades. Ninguém se despega assim de um objeto tão íntimo, que faz parte integral da casa e da pele, porque a tabuleta não foi sequer arriada um dia. Custódio não teve ocasião de ver se estava estragada. Vivia ali como as portadas e a parede.

Era ao jantar, em Botafogo. Só quatro pessoas, as duas irmãs, Santos e Aires. Pedro fora jantar a São Clemente, com a família Batista.

D. Perpétua aprovou os sentimentos do confeiteiro. Citou, a propósito, o tinteiro de Evaristo. A irmã sorriu para o marido, e este para a mulher, como se dissessem: "Lá vem ele!" Era um tinteiro que servira ao famoso jornalista do Primeiro Reinado e da Regência, obra simples, feita de barro, igual aos tinteiros que a gente chã comprava nas lojas de papel daquele e deste tempo. O sogro de D. Perpétua, que lho dera em lembrança, tivera um da mesma idade, massa e feição.

- Veio assim de mão em mão parar às minhas. Não chega aos tinteiros do mano Agostinho nem de Natividade, que são luxuosos, mas tem grande valor para mim.

- Sem dúvida - concordou Aires -, valor histórico e político.

- Meu sogro dizia que dele saíram os grandes artigos da Aurora. A falar verdade, eu nunca li tais artigos, mas meu sogro era homem de verdade. Conhecia a vida de Evaristo, por ouvi-la a outros, e fazia-lhe louvores que não acabavam mais...

Natividade buscou desviar a conversação para o baile da véspera. Tinham já falado dele, mas não achou outro derivativo. Entretanto, o tinteiro ainda ficou algum tempo. Não era só uma das lembranças de D. Perpétua, relíquia de família, era também uma de suas ideias. Prometeu mostrá-lo ao conselheiro. Ele prometeu vê-lo com muito gosto. Confessou que tinha veneração aos objetos de uso dos grandes homens. Enfim, o jantar acabou, e eles passaram ao salão. Aires, falando da enseada:

- Aqui está uma obra, que é mais velha que o tinteiro do Evaristo e a tabuleta do Custódio, e, não obstante, parece mais moça, não é verdade, D. Perpétua? A noite é clara e quente; podia ser escura e fria, e o efeito seria o mesmo. A enseada não difere de si. Talvez os homens venham algum dia a atulhá-la de terra e pedras para levantar casas em cima, um bairro novo, com um grande circo destinado a corridas de cavalos. Tudo é possível debaixo do sol e da lua. A nossa felicidade, barão, é que morreremos antes.

- Não fale em morte, conselheiro.

- A morte é uma hipótese - redarguiu Aires -, talvez uma lenda. Ninguém morre de uma boa digestão, e os seus charutos são deliciosos.

- Estes são novos. Parecem-lhe bons?

- Deliciosos.

Santos estimou ouvir este louvor; achava-lhe uma intenção direta à sua pessoa, aos seus méritos, ao seu nome, à posição que tinha na sociedade, à casa, à chácara, ao Banco, aos coletes. É talvez muito; seria um modo enfático de explicar a força da ligação dele aos charutos. Valiam pela tabuleta e pelo tinteiro, com a diferença que estes significavam só afeição e veneração, e aqueles, valendo pelo sabor e pelo preço, tinham a superioridade do milagre, pela reprodução de todos os dias.

Tais eram as suspeitas que vagavam no cérebro de Aires, enquanto ele olhava mansamente para o anfitrião. Aires não podia negar a si mesmo a aversão que este lhe inspirava. Não lhe queria mal, decerto; podia até querer-lhe bem, se houvesse um muro entre ambos. Era a pessoa, eram as sensações, os dizeres, os gestos, o riso, a alma toda que lhe fazia mal.

LI

AQUI PRESENTE

Perto das nove horas, ou logo depois, chegou Pedro com o casal Batista e Flora.

- Vimos trazer o seu menino - disse Batista a Natividade.

- Obrigado, doutor - acudiu Santos -, mas ele já não está em idade de se perder por essas ruas, e, se se perder, acha-se logo - acrescentou sorrindo.

Natividade não gostou da graça, tratando-se do filho e ao pé dela. Era talvez excesso de pudor. Há muito excesso nesse sentido, e o acertado é perdoá-lo. Há também excessos contrários, condescendências fáceis, pessoas que entram com prazer na troca de alusões picantes. Também se devem perdoar. Em suma, o perdão chega ao céu. Perdoai-vos uns aos outros, é a lei do Evangelho.

Ele, o rapaz, é que não ouviu nada; interrompera a conversa que trazia com Flora, e, trocadas algumas palavras, os dous foram reatar o fio a um canto. Aires reparou na atitude de ambos; ninguém mais lhes prestava atenção. Ao cabo, a conversa era em voz surda; não os poderiam ouvir. Ela escutava, ele falava; depois era o contrário, ela é que falava, ele é que ouvia, tão absortos que pareciam não atender a ninguém, mas atendiam. Possuíam o sexto sentido dos conspiradores e dos namorados. Que conversassem de amores, é possível; mas que conspiravam, é certo. Quanto à matéria da conspiração, podereis sabê-la, depois, brevemente, daqui a um capítulo. O próprio Aires não descobriu nada, por mais que quisesse fartar os olhos naquele diálogo de mistérios. Persuadiu-se que não era grave, porque eles sorriam com frequência; mas podia ser íntimo, escondido, pessoal, e acaso estranho. Supõe um fio de anedotas ou uma história comprida, cousa alheia; ainda assim podia ser deles somente, porque há estados da alma em que a matéria da narração é nada, o gosto de a fazer e de a ouvir é que é tudo. Também podia ser isto.

Vede, porém, como a natureza encaminha as cousas mínimas ou máximas, mormente se a fortuna a ajuda. A conversação tão doce, ao que parecia, começou por um enfado. A causa foi uma carta de Paulo, escrita ao irmão, e que este se lembrou de mostrar a Flora, dizendo-lhe que também a mostrara à mãe, e a mãe se zangara muito.

- Com o senhor?

- Com Paulo.

- Mas que dizia a carta?

Pedro leu-lhe o ponto principal, que era quase toda a carta; falava da questão militar. Já havia a "questão militar", um conflito de generais e ministros, e a linguagem de Paulo era contra os ministros.

- Mas por que é que o senhor foi mostrar essa carta a sua mãe?

- Mamãe quis saber o que é que ele me dizia.

- E sua mãe zangou-se, aí está; vai talvez repreendê-lo.

- Tanto melhor; Paulo precisa ser emendado; mas, diga-me, por que é que a senhora defende sempre a meu irmão?

- Para ter o direito de defender também ao senhor.

- Então ele já lhe tem falado mal de mim?

Flora quis dizer que sim, depois que não, afinal calou. Desconversou, perguntando por que eles se davam mal. Pedro negou que se dessem mal. Ao contrário, viviam bem. Não teriam as mesmas opiniões, e também podia ser que tivessem o mesmo gosto... Daqui a dizer que ambos a amavam era uma vírgula; Pedro pingou o ponto final. Esse astuto era também tímido. Mais tarde, compreendeu que, calando, andou melhor, e deu a si mesmo o aplauso da escolha; mas era falso, não escolhera nada. Não digo isto para fazê-lo desmerecer; sim, porque o medo acerta muitas vezes, e é mister deixar aqui esta reflexão.

Veio a zanga. Flora não replicou mais nada, e, por seu gosto, não teria jantado, a tal ponto sentia piedade do outro. Felizmente, o outro era este mesmo, aqui presente, com os olhos presentes, as mãos presentes, as palavras presentes. Não tardou que a zanga fugisse diante da graça, da brandura e da adoração. Bem-aventurados os que ficam, porque eles serão compensados.

LII

UM SEGREDO

Eis agora a matéria da conspiração. Na rua, ao virem de São Clemente, foi que Pedro, gastado o melhor do tempo com a carta e o jantar, pôde revelar à moça um segredo:

- Titia disse lá em casa que D. Cláudia lhe contara em segredo (não diga nada) que seu pai vai ser nomeado presidente de província.

- Não sei nada disso, mas não creio, porque papai é conservador.

- D. Cláudia disse a titia que ele é liberal, quase radical. Parece que a presidência é certa; ela pediu segredo, e titia, quando nos contou, também pediu segredo. Eu também lhe peço que não diga nada, mas é verdade.

- Verdade como? Papai não vai com liberais; o senhor não sabe como papai é conservador. Se ele defende os liberais é porque é tolerante.

- Se a província fosse a do Rio de Janeiro, eu gostaria, porque não era preciso ir morar na Praia Grande, e se ele fosse, a viagem é só de meia hora, eu podia ir lá todos os dias.

- Era capaz?

- Apostemos.

Flora, depois de um instante:

- Para quê, se não há presidência?

- Suponha que há.

- É preciso supor muito - que há presidência e que a província é a do Rio. Não, não há nada.

- Então suponha só metade - que há presidência e que é Mato Grosso.

Flora teve um calefrio. Sem admitir a nomeação, tremeu ao nome da província. Pedro lembrou ainda o Amazonas, Pará, Piauí... Era o infinito, mormente se o pai fizesse boa administração, porque não voltaria tão cedo. Já agora a moça resistia menos, achava possível e abominável, mas dizia isto para si, dentro do coração. De repente, Pedro, quase estacando o passo:

- Se ele for, eu peço ao governo o lugar de secretário e vou também.

A luz intermitente das lojas refletindo no rosto da moça, à medida que eles iam passando por elas, ajudava a dos lampiões da rua, e mostrava a emoção daquela promessa. Sentia-se que o coração de Flora devia estar batendo muito. Em breve, porém, começou ela a pensar em outra cousa. Natividade não consentiria nunca; depois, um estudante... Não podia ser. Pensou em algum escândalo. Que ele fugisse, embarcasse, fosse atrás dela...

Tudo isto era visto ou pensado em silêncio. Flora não se admirava de pensar tanto e tão atrevidamente; era como o peso do corpo, que não sentia: andava, pensava, como transpirava. Não calculou sequer o tempo que ia gastando em imaginar e desfazer ideias. Que isto lhe desse mais prazer que desprazer, é certo. Ao pé dela, Pedro ia naturalmente cuidando, com os olhos nos pés, e os pés nas nuvens. Não sabia que dissesse no meio de tão longo silêncio. Entretanto, a solução parecia-lhe única. Já não pensava na presidência do Rio. Queria-se com ela, no ponto mais remoto do império, sem o irmão. A esperança de se desterrarem assim de Paulo verdejou na alma de Pedro. Sim, Paulo não iria também; a mãe não se deixaria ficar desamparada. Que perdesse um filho, vá; mas ambos...

A quem quer que este final do monólogo pareça egoísta, peço-lhe pelas almas dos seus parentes e amigos, que estão no céu, peço-lhe que considere bem as cousas. Considere o estado da alma do rapaz, a contiguidade da moça, as raízes e as flores da paixão, a própria idade de Pedro, o mal da terra, o bem da mesma terra. Considere mais a vontade do céu, que vela por todas as criaturas que se querem, salvo se uma só é que quer a outra, porque então o céu é um abismo de iniquidades, e não lhe importe esta imagem. Considere tudo, amigo; deixe-me ir contando só e contando mal o que se passou naquele curto trânsito entre as duas casas. Quando lá chegaram, falavam de boca.

Em cima, como viste, continuaram a falar, até que o assunto da presidência voltou. Flora notou então a cautelosa insistência com que Aires olhava para eles, como se buscasse adivinhar a matéria da conversação. Sentia que não estivesse ali também, ouvindo e falando, finalmente prometendo fazer alguma cousa por ela. Aires podia, sim - era seu amigo e todos o tinham em grande conta -, podia intervir e destruir o projeto da presidência.

Sem querer nem saber, dizia isto mesmo com os olhos ao velho diplomata. Retirava-os, mas eles iam de si mesmos repetir o monólogo, e acaso perguntar alguma cousa que Aires não percebia e devia ser interessante. Pode ser que refletissem a angústia ou o que quer que era que lhe doía dentro. Pode ser; a verdade é que Aires começou a ficar curioso, e tão depressa Pedro deixou o lugar para acudir ao chamado da mãe, deixou ele Natividade para ir falar à moça.

Flora, já de pé, mal teve tempo de trocar duas palavras, dessas que se não podem interromper sem dor ou prurido, ao menos. Aires perguntava-lhe se nunca lhe dissera que sabia adivinhar.

- Não, senhor.

- Pois sei; adivinhei agora mesmo que me quer dizer um segredo.

Flora ficou espantada. Não querendo negar nem confessar, respondeu-lhe que só adivinhara metade.

- A outra é?

- A outra é pedir-lhe um obséquio de amizade.

- Peça.

- Não, agora não, já nos vamos embora; mamãe e papai estão fazendo as despedidas. Só se for na rua. Quer vir conosco a São Clemente?

- Com o maior prazer.

LIII

DE CONFIDÊNCIAS

Entenda-se que não. Não era com prazer maior nem menor. Era imposição de sociedade, desde que Flora o pedira, não sei se discretamente. Que a isto ligasse tal ou qual desejo de saber algum segredo, não serei eu que o negue, nem tu, nem ele mesmo. Ao cabo de alguns instantes, Aires ia sentindo como esta pequena lhe acordava umas vozes mortas, falhadas ou não nascidas, vozes de pai. Os gêmeos não lhe deram um dia a mesma sensação, senão porque eram filhos de Natividade. Aqui não era a mãe, era a mesma Flora, o seu gesto, a sua fala, e porventura a sua fatalidade.

"Mas quer-me parecer que desta vez ela está presa; escolheu enfim", pensou Aires.

Flora falou-lhe da presidência, mas não lhe pediu segredo, como as outras pessoas; confessou-lhe que não queria ir daqui, fosse para onde fosse, e acabou dizendo que tudo estava nas mãos dele. Só ele podia despersuadir o pai de aceitar a presidência. Aires achou tão absurdo este pedido que esteve quase a rir, mas susteve-se bem. A palavra de Flora era grave e triste. Aires respondeu, com brandura, que não podia nada.

- Pode muito, todos atendem aos seus conselhos.

- Mas eu não dou conselhos a ninguém - acudiu Aires -. Conselheiro é um título que o imperador me conferiu, por achar que o merecia, mas não obriga a dar conselhos; a ele mesmo só lhos darei, se mos pedir. Imagine agora se eu vou à casa de um homem ou mando chamá-lo à minha para lhe dizer que não seja presidente de província. Que razão lhe daria?

Não tinha razões a moça; tinha necessidade. Apelou para os talentos do ex-ministro, que acharia uma razão boa. Nem se precisavam razões, bastava o falar dele, a arte que Deus lhe dera de agradar a toda a gente, de a arrastar, de influir, de obter o que quisesse. Aires viu que ela exagerava para o atrair, e não lhe pareceu mal. Não obstante, contestou tais méritos e virtudes. Deus não lhe dera arte nenhuma, disse ele, mas a moça ia sempre afirmando, em tal maneira que Aires suspendeu a contestação, e fez uma promessa.

- Vou pensar; amanhã ou depois, se achar algum recurso, tentarei o negócio.

Era um paliativo. Era também um modo de fazer cessar a conversação, estando a casa próxima. Não contava com o pai de Flora, que à fina força lhe quis mostrar, àquela hora, uma novidade, aliás uma velharia, um documento de valor diplomático. "Venha, suba, cinco minutos apenas, conselheiro."

Aires suspirou em segredo, e curvou a cabeça ao Destino. Não se luta contra ele, dirás tu; o melhor é deixar que nos pegue pelos cabelos e nos arraste até onde queira alçar-nos ou despenhar-nos. Batista nem lhe deu tempo de refletir; era todo desculpas.

- Cinco minutos e está livre de mim, mas verá que lhe pago o sacrifício.

O gabinete era pequeno; poucos livros e bons, os móveis graves, um retrato de Batista com a farda de presidente, um almanaque sobre a mesa, um mapa na parede, algumas lembranças do governo da província. Enquanto Aires circulava os olhos, Batista foi buscar o documento. Abriu uma gaveta, tirou uma pasta, abriu a pasta, tirou o documento, que não estava só, mas com outros. Conhecia-se logo, por ser um papel velho, amarelo, em partes roído. Era uma carta do conde de Oeiras, escrita ao ministro de Portugal na Holanda.

"É o dia das antiguidades", pensou Aires; "a tabuleta, o tinteiro, este autógrafo..."

- A carta é importante, mas longa - disse Batista -, não podemos lê-la agora. Quer levá-la?

Não lhe deu tempo de responder; pegou de uma sobrecarta grande e meteu dentro o manuscrito, com esta nota por fora: "Ao meu excelentíssimo amigo conselheiro Aires". Enquanto ele fazia isto, Aires passava os olhos pela lombada de alguns livros. Entre eles havia dous Relatórios da presidência de Batista, ricamente encadernados.

- Não me atribua esse luxo - acudiu o ex-presidente -; foi um mimo da secretaria do governo, que nunca fez isto a ninguém. Era um pessoal muito distinto.

E foi à estante e tirou um dos relatórios para ser melhor visto. Aberto, mostrou a impressão e as vinhetas; lido, podia mostrar o estilo por um lado, e, por outro, a prosperidade das finanças. Batista limitou-se aos algarismos totais: despesa, mil duzentos e noventa e quatro contos, setecentos e noventa mil-réis; receita, mil quinhentos e quarenta e quatro contos, duzentos e nove mil-réis; saldo, duzentos e quarenta e nove contos, quatrocentos e dezenove mil-réis. Verbalmente, explicou o saldo, que alcançou pela modificação de alguns serviços, e por um pequeno aumento de impostos. Reduziu a dívida provincial, que achou em trezentos e oitenta e quatro contos, e deixou em trezentos e cinquenta contos. Fez obras novas e consertos importantes; iniciou uma ponte...

- A encadernação corresponde à matéria - disse Aires para concluir a visita.

Batista fechou o livro, e redarguiu que já agora não iria sem lhe resolver uma consulta.

- Tudo às avessas - concluiu -; eu de manhã resolvo consultas, agora à noite sou eu que as faço.

Tal foi o introito, mas do introito ao Credo há sempre um passo estirado, e o principal da missa para ele estava no Credo. Não achando o texto do missal, explicou-lhe um sinete, uma pena de ouro, um exemplar do Código Criminal. O código, posto que velho, valia por trinta novos, não que tivesse melhor rosto, senão que trazia anotações manuscritas de um grande jurista, Fulano. Tendo passado longa parte da vida no exterior, o conselheiro mal conhecera o autor das notas, mas desde que ouviu chamar-lhe grande assumiu a expressão adequada. Pegou do código com cuidado, leu algumas das notas com veneração.

Durante esse tempo, Batista ia criando fôlego. Compôs uma frase para iniciar a consulta, e só esperava que Aires fechasse o livro para soltá-la; mas o outro ia demorando o exame do código. Podia ser uma pontinha de malignidade, mas não era. Os olhos de Aires tinham uma faculdade particular, menos particular do que parece, porque outros a possuirão calados. Vinha a ser que eles não saíam da página, mas em verdade já lhe prestava menos atenção; o tempo, a gente, a vida, cousas passadas, surdiam a espiá-lo por detrás do livro com que tinham vivido, e Aires ia tornando a ver um Rio de Janeiro que não era este, ou apenas o fazia lembrado. Nem cuides que eram só réus e juízes, era o passeio, a rua, a festa, velhos patuscos e mortos, rapazes frescos e agora enferrujados como ele. Batista tossiu. Aires voltou a si e leu alguma das notas que o outro devia trazer de cor, mas eram tão profundas! Enfim, mirou a encadernação, achou o livro bem conservado, fechou-o e restituiu-o à biblioteca.

Batista não perdeu um instante, correu imediato ao assunto, com medo de o ver pegar em outro livro.

- Confesso-lhe que tenho o temperamento conservador.

- Também eu guardo presentes antigos.

- Não é isso; refiro-me ao temperamento político. Verdadeiramente há opiniões e temperamentos. Um homem pode muito bem ter o temperamento oposto às suas ideias. As minhas ideias, se as cotejarmos com os programas políticos do mundo, são antes liberais e algumas, libérrimas. O sufrágio universal, por exemplo, é para mim a pedra angular de um bom regímen representativo. Ao contrário, os liberais pediram e fizeram o voto censitário. Hoje estou mais adiantado que eles; aceito o que está, por ora, mas antes do fim do século é preciso rever alguns artigos da Constituição, dous ou três.

Aires escondia o espanto... Convidado assim àquela hora... Uma profissão de fé política... Batista insistia na distinção do temperamento e das ideias. Alguns amigos velhos, que conheciam esta dualidade moral e mental, é que teimavam em querer que ele aceitasse uma presidência; ele não queria. Francamente, que lhe parecia ao conselheiro?

- Francamente, acho que não tem razão.

- Que não tenho razão em quê?

- Em recusar.

- Propriamente, não recusei nada; há um grande trabalho neste sentido, e o meu desejo - acrescentou com mais clareza - é que os bons amigos sagazes me digam se tal cousa é acertada; não me parece que seja...

- Eu penso que é.

- De maneira que, se o caso fosse com o senhor...

- Comigo não podia ser. Sabe que eu já não sou deste mundo e politicamente nunca figurei em nada. A diplomacia tem este efeito que separa o funcionário dos partidos e o deixa tão alheio a eles, que fica impossível de opinar com verdade, ou, quando menos, com certeza.

- Mas não me disse que acha...

- Acho.

- Que posso aceitar uma presidência, se me oferecerem?

- Pode; uma presidência aceita-se.

- Pois então saiba tudo; é a única pessoa de sociedade com quem me abro assim francamente. A presidência foi-me oferecida.

- Aceite, aceite.

- Está aceita.

- Já?

- O decreto assina-se sábado.

- Então aceite também os meus parabéns.

- Propriamente, a lembrança não foi do ministério; ao contrário, o ministério não se resolveu antes de saber se efetivamente fiz uma eleição contra os liberais, há anos; mas logo que soube que por não os perseguir é que fui demitido, aceitou a indicação de chefes políticos, e recebi pouco depois este bilhete.

O bilhete estava no bolso, dentro da carteira. Qualquer outro, alvoroçado com a nomeação próxima, levaria tempo a achar o bilhete no meio dos papéis; mas Batista possuía o tato dos textos. Tirou a carteira, abriu-a descansado e com os dedos sacou o bilhete do ministro convidando-o a uma conversação. Na conversação ficou tudo assentado.

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