A Mão e a Luva
NOTA DESTA EDIÇÃO ELETRÔNICA
A mão e a luva, publicado no jornal O Globo entre 26 de setembro e 3 de novembro de 1874, saiu em forma de livro ainda no mesmo mês de novembro. Era o segundo romance de Machado de Assis, que, dois anos antes, estreara na narrativa longa com Ressurreição.
Na breve advertência ao leitor, Machado chama o livro de "novela" e se desculpa de possíveis falhas de estilo e de composição, imputando tais possíveis falhas "às urgências da publicação diária". Essa espécie de pedido de desculpas faz parte de uma estratégia retórica relativamente comum nos autores do século XIX, a maioria dos quais, no Brasil e no exterior, publicaram seus romances na grande imprensa de seus respectivos países antes de os oferecerem ao público em volume.
Não cabe nesta breve introdução discutir esse fenômeno. Se o mencionamos é porque o próprio autor se mostra preocupado com a opinião dos leitores, chegando a declarar, na mesma Advertência, que "se a escrevesse em outras condições" – isto é, sem pressa – a "novela" seria mais desenvolvida, e as personagens, mais profundamente caracterizadas. Portanto, está consciente – ou o simula – de que entrega ao público um livro "menor", em que os caracteres estão apenas "esboçados".
De fato, se comparado com Memórias póstumas de Brás Cubas ou com Dom Casmurro, este romance parece mais superficial, de estrutura mais simples, de enredo até certo ponto previsível, com personagens menos complexas. Entretanto, ao escrever a Advertência da segunda edição (1907), o autor, embora consciente de que, nos trinta e tantos anos decorridos entre a primeira edição e a segunda, o seu próprio estilo e maneira de compor os seus romances tinham mudado muito, prefere não alterar substancialmente o livro de 1874: tira-lhe 15 linhas e corrige erros tipográficos e de ortografia. Ora, isto é sinal claro de que reconhece valor no livro e considera que o mesmo tem um lugar na sua história de escritor de romances.
Tem razão o autor: A mão e a luva, a despeito do enredo relativamente simples, do desenho pouco elaborado das personagens e da estrutura narrativa sem grandes novidades em relação ao que se produzia no Brasil na época em que foi publicado, é um romance que já aponta para o Machado maduro, para o autor que seria, no Brasil, o grande mestre da arte de narrar, dando-lhe nova feição e novo fôlego, elevando a literatura brasileira a um patamar de qualidade comparável ao das melhores literaturas do Ocidente.
Em quatro aspectos A mão e a luva prenuncia claramente os romances da maturidade de Machado de Assis: o olhar sobre a sociedade, a análise psicológica, a utilização de citações e alusões literárias, bem como o aspecto formal. Atente o leitor para o caráter das relações de dependência na sociedade brasileira da época, especialmente na situação de Mrs. Oswald e da própria Guiomar na casa da baronesa. Como o autor declara na Advertência, as personagens constituem o seu "objeto principal" e, talvez por isso, a complexidade psicológica de Guiomar não deve ser desprezada: trata-se de uma mocinha até certo ponto ingênua, mas que é capaz de cálculo e dissimulação, antecipando as protagonistas dos romances da chamada segunda fase. No que diz respeito à intertextualidade, isto é, à presença de outras obras e outros autores no interior do texto machadiano, aqui já se revela a brilhante capacidade de Machado de Assis de utilizar citações e alusões a serviço, por exemplo, da caracterização das personagens, como quando, ao introduzir a figura de Mrs. Oswald, usa um verso de Virgílio para sugerir o caráter traiçoeiro e pouco confiável da governanta. Quanto à forma, A mão e a luva, ao apresentar vários episódios de autoconsciência narrativa, ou seja, de intromissões do narrador na sua história, revela uma moderna estratégia de controle da recepção do leitor, cuja opinião sobre fatos e personagens o narrador tenta manipular.
Para estabelecer o texto da presente edição eletrônica, utilizamos como fonte a edição Garnier / Fundação Casa de Rui Barbosa de 1988, preparada por José Galante de Sousa, que se baseou na segunda edição da obra (1907), a última em vida do escritor e, portanto, autorizada por ele. Para solucionar eventuais dúvidas, recorremos diretamente a exemplares da primeira e da segunda edições, existentes na biblioteca da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Foi feita uma atualização ortográfica, mas mantivemos formas que, embora em desuso atualmente, ainda são consignadas pelos principais dicionários de língua portuguesa ("cousa", "dous"). Mantiveram-se usos hoje não consagrados pela norma culta, como "meia estátua, meia mulher"; ou como o uso do modo indicativo depois de palavras como "talvez" ("mas talvez advertiu consigo que se eram assim mais belos pediam outro rosto em que caíssem melhor"), ou locuções como "ainda que" ("Estêvão, [...] observava entre si que as maneiras da moça não lhe eram desnaturais, ainda que podiam ser calculadas naquela situação."; ou, ainda, como a alternativa "ou" utilizada na expressão "entre isso ou aquilo" ("A moça ficou algum tempo quieta, [...] como a hesitar entre queimá-lo ou restituí-lo intato a seu autor.").
Talvez o maior problema no estabelecimento de textos escritos no século XIX seja o da pontuação. Na preparação desta edição, optou-se por uma política a meio caminho entre uma atualização radical, de acordo com as normas presentemente vigentes, e o respeito à pontuação de Machado de Assis. Para citar dois exemplos: mantivemos todas as vírgulas antes da aditiva "e" precedendo verbos cujo sujeito era precisamente o mesmo da oração anterior ("Guiomar refletiu ainda muito e muito, e não refletiu só,[...]"); bem como as vírgulas separando o sujeito de seu verbo ("Está bom, Mrs. Oswald, o que passou, passou."). Assim deliberamos por identificar no procedimento um traço estilístico relevante no romance. Por outro lado, nos casos em que consideramos que a vírgula (ou a ausência dela) comprometia o melhor entendimento do texto, não hesitamos em intervir, como ocorreu no caso de vírgulas precedendo orações adjetivas restritivas (que suprimimos) e de falta de vírgulas precedendo orações adjetivas explicativas (que inserimos).
Optamos por recorrer às aspas sempre que a "fala" de uma personagem é, na verdade, a expressão verbal de um pensamento que não chega a ser exteriorizado. Nos diálogos, foi preservado o travessão.
Esta não pretende ser uma edição crítica. Nosso objetivo foi produzir uma edição fidedigna do texto machadiano que, através dos hiperlinks, oferece ao leitor do século XXI uma ferramenta de fácil utilização e encurta a distância entre ele, leitor, e o enorme universo de referências de Machado de Assis.
Registre-se aqui a colaboração, na pesquisa dos hiperlinks, de Camila Abreu, ex-bolsista de Iniciação Científica na Fundação Casa de Rui Barbosa; na revisão, a de Ana Maria Vasconcelos e Victor Heringer, bolsistas de Iniciação Científica, e, na construção do texto digital e do software que possibilita a visualização dos links, a de Eduardo Pinheiro da Costa, técnico em informática da Fundação Casa de Rui Barbosa.
III
AO PÉ DA CERCA
A primeira cousa que Estêvão pôde descobrir é que a vizinha era moça. Via-lhe o perfil, em cada aberta que deixavam as árvores, um perfil correto e puro, como de escultura antiga. Via-lhe a face cor de leite, sobre a qual se destacava a cor escura dos cabelos, não penteados de vez, mas frouxamente atados no alto da cabeça, com aquele desleixo matinal que faz mais belas as mulheres belas. O roupão - de musselina branca - finamente bordado, não deixava ver toda a graça do talhe, que devia ser e era elegante, dessa elegância que nasce com a criatura ou se apura com a educação, sem nada pedir, ou pedindo pouco à tesoura da costureira. Todo o colo ia coberto até o pescoço, onde o roupão era preso por um pequeno broche de safira. Um botão, do mesmo mineral, fechava em cada pulso as mangas estreitas e lisas, que rematavam em folhos de renda.
Estêvão, da distância e na posição em que se achava, não podia ver todas estas minúcias que aqui lhes aponto, em desempenho deste meu dever de contador de histórias. O que ele viu, além do perfil, dos cabelos, e da tez branca, foi a estatura da moça, que era alta, talvez um pouco menos do que parecia com o vestido roçagante que levava. Pôde ver-lhe também um livrinho, aberto nas mãos, sobre o qual pousava os olhos, levantando-os de espaço a espaço, quando lhe era mister voltar a folha, e deixando-os cair outra vez para embeber-se na leitura.
Ia assim andando, sem cuidar que a visse alguém, tão serena e grave, como se atravessara um salão. Estêvão, que não tirava os olhos dela, mentalmente pedia ao céu a fortuna de a ter mais próxima, e ansiava por vê-la chegar à rua que lhe ficava diante. Contudo, era difícil que lhe parecesse mais formosa do que era, vista assim de perfil, a escapar por entre as árvores. O jovem bacharel, por não perder o sestro dos primeiros tempos, avocava todas as suas reminiscências literárias; a desconhecida foi sucessivamente comparada a um serafim de Klopstock, a uma fada de Shakespeare, a tudo quanto na memória dele havia mais aéreo, transparente, ideal.
Enquanto ele trabalhava o espírito nestas comparações poéticas, não descabidas, se quiserem, em tal lugar, e ao pé de tão graciosa criatura, ela seguia lentamente e chegara à encruzilhada das duas grandes ruas da chácara. Estêvão esperava que voltasse à direita, isto é, que viesse para o lado dele, mas sobretudo receava que seguisse pela mesma rua adiante e se perdesse no fundo da chácara. A moça escolheu um meio-termo, voltou à esquerda, dando as costas ao seu curioso admirador e continuando no mesmo passo vagaroso e regular.
A chácara não era em demasia grande; e, por mais lento que fosse o passo da madrugadora, não gastaria ela imenso tempo em percorrer até o fim aquela porção da rua em que entrara. Mas ali, ao pé daquele coração juvenil e impaciente, cada minuto parecia, não direi um século - seria abusar dos direitos do estilo -, mas uma hora, uma hora lhe parecia, com certeza.
A moça, entretanto, chegando ao fim, parou alguns instantes, pousou a mão nas costas de um banco rústico que ali havia e enfrentava com outro, colocado na extremidade oposta. A outra mão descaíra-lhe, e os olhos também, o que magoou o seu curioso observador. Seriam saudades de alguém? Estêvão sentiu uma cousa, a que chamarei ciúme antecipado, mas que na realidade eram invejas da alheia fortuna. A inveja é um sentimento mau; mas nele, que nascera para amar, e que, além disso, tinha em si o contraste do nascimento com o instinto, um berço obscuro e umas aspirações à vida elegante - nele a inveja era quase um sentimento desculpável.
A moça voltou e veio pela rua adiante. "Enfim", disse consigo Estêvão, "vou contemplá-la de mais perto". Ao mesmo tempo, receoso de que, descobrindo ali um estranho, guiasse os passos para casa, Estêvão afastou-se do lugar em que ficara, resoluto a aparecer, quando ela estivesse próxima à cerca do jardim. A moça vinha andando com o livro fechado, e os olhos ora no chão, ora nas andorinhas e camaxilras que esvoaçavam na chácara. Se trazia saudades, não se lhe podiam ler no rosto, que era quieto e pensativo, sim, mas sem a menor sombra de pena ou de tristeza.
Estêvão do lugar onde estava podia examinar-lhe as feições, sem ser visto por ela; mas foi justamente do que não cuidou, desde que lhas pôde distinguir. Valia a pena, entretanto, contemplar aqueles grandes olhos castanhos, meio velados pelas longas, finas e bastas pestanas, não maviosos nem quebrados, como ele os cuidara ver, mas de uma beleza severa, casta e fria. Valia a pena admirar como eles comunicavam a todo o rosto e a toda a figura um ar de majestade tranquila e senhora de si. Não era ela uma dessas belezas que, ao mesmo tempo que subjugam o coração, acendem os sentidos; falava à inteligência primeiro do que ao coração, tanto a arte parecia haver colaborado com a natureza naquela criatura, meia estátua e meia mulher.
Tudo isto, podia ver e considerar o nosso bacharel. A verdade, porém, é que a nenhuma destas cousas atendeu. Desde que distinguira as feições da moça, ficou como tomado de assombro, com os olhos parados, a boca entreaberta, fugindo-lhe a vida e o sangue todo para o coração.
A moça chegara à cerca; esteve de pé algum tempo, olhou em derredor e por fim sentou-se no banco que ali havia, dando as costas para o jardim de Luís Alves. Abriu novamente o livro, e continuou a leitura do ponto em que a deixara tão só consigo, tão embebida no livro que tinha diante, que não a despertou o rumor, aliás sumido, dos passos de Estêvão nas folhas secas do chão. Teria percorrido meia página, quando Estêvão, reclinando-se sobre a cerca, e procurando abafar a voz para que só chegasse aos ouvidos dela, proferiu este simples nome:
- Guiomar!
A moça soltou um grito de surpresa e de susto, e voltou-se sobressaltada para o lado donde partira a voz. Ao mesmo tempo levantara-se. A impressão que lhe produzira, e não sei se também algum ar de cólera que lhe notasse no rosto e, além de tudo, o remorso de não haver sufocado aquele grito de seu coração, fez com que Estêvão, quase no mesmo instante, murmurasse em tom de súplica:
- Perdoe-me; foi uma centelha do passado que estava debaixo da cinza: apagou-se de todo.
Guiomar - sabemos agora que era este o seu nome - olhou séria e quieta para o seu mal-aventurado interruptor, dous longos e mortais minutos. Estêvão, confuso e vexado, tinha os olhos em terra; o coração palpitava-lhe com força, como a despedir-se da vida. A situação era em demasia aflitiva e embaraçosa para que se pudesse prolongar mais. Estêvão ia cortejá-la e despedir-se; mas a moça, com um sorriso de mais piedade que afeto, murmurou:
- Está perdoado.
Caminhou para a cerca e estendeu-lhe a mão, que ele apertou - apertou não é bem dito -, em que ele tocou apenas, o mais cerimoniosamente que podia e devia naquela situação.
E depois ficaram a olhar um para o outro, sem se atreverem a dizer nada, nem a sair dali, a verem ambos o espectro do passado, aquele tão amargo passado para um deles. Guiomar foi a primeira que rompeu o silêncio, fazendo a Estêvão uma pergunta natural, como não podia deixar de ser naquelas circunstâncias, mas ainda assim, ou por isso mesmo, a mais acerba que ele podia ouvir:
- Há dous anos que nos não vemos, creio eu?
- Há dous anos - murmurou Estêvão abafando um suspiro.
- Já está formado, não? Lembra-me ter lido o seu nome...
- Estou formado. Sabe que era o desejo maior de minha tia...
- Não a vejo há muito tempo - interrompeu Guiomar -; eu saí do colégio, logo depois que o senhor seguiu para São Paulo. Saí a convite da baronesa, minha madrinha, que lá foi buscar-me um dia, alegando que eu já não tinha que aprender, e que me não convinha ensinar.
- Decerto - assentiu Estêvão -. Minha tia é que não deixou nem podia deixar de ensinar; acabou no ofício.
- Acabou?
- Morreu.
- Ah!
- Morreu há cerca de um ano.
- Era uma boa criatura - continuou Guiomar, depois de alguns instantes de silêncio -, muito carinhosa e muito prendada. Devo-lhe o que aprendi... Está admirando esta flor?
Estêvão, apanhado em flagrante delito de admiração, não da flor mas da mão que a sustinha - uma deliciosa mão, que devia ser por força a que se perdeu da Vênus de Milo -, Estêvão balbuciou:
- Com efeito, é linda!
- Há muita flor bonita aqui na chácara. A baronesa tem imenso gosto a estas cousas, e o nosso jardineiro é homem que sabe do seu ofício.
Aquele natural acanhamento da primeira ocasião foi desaparecendo aos poucos, e a conversa veio a ser, não tão familiar, como outrora, mas em todo o caso menos fria do que a princípio estivera. Havia, contudo, uma diferença entre os dous: ele, sem embargo do desembaraço, sentia-se abalado e comovido; ela, porém, vencido o sobressalto do princípio, mostrava-se tranquila e fria, sempre polida e grave, risonha às vezes, mas de um risonho à flor do rosto, que não lhe alterava a serenidade e compostura.
O sítio e a hora eram mais próprios de um idílio que de uma fria e descolorida prática. Um céu claro e límpido, um ar puro, o sol a coar por entre as folhas uma luz ainda frouxa e tépida, a vegetação em derredor, todo aquele reviver das cousas parecia estar pedindo uma igual aurora nas almas. Estas é que deviam falar ali a sua língua delas, amorosa e cândida, em vez da outra, cortês, elegante e rígida, que a nenhum deles desprazia, decerto, mas que era muito menos voluntária nos lábios de Estêvão.
Guiomar falava com certa graça, um pouco hirta e pausada, sem viveza, nem calor.
Estêvão, que a maior parte do tempo ficara a ouvi-la, observava entre si que as maneiras da moça não lhe eram desnaturais, ainda que podiam ser calculadas naquela situação. A Guiomar que ele conhecera e amara era o embrião da Guiomar de hoje, o esboço do painel agora perfeito; faltava-lhe outrora o colorido, mas já se lhe viam as linhas do desenho.
A conversa durou cerca de três quartos de hora, uma migalha de tempo para ele, que desejara muito mais. Mas era preciso acabar; ela foi a primeira a dizer-lho.
- O senhor fez-me perder muito tempo. Há talvez uma hora que estamos aqui a conversar. Era natural, depois de dous anos. Dous anos! Mas o que não era natural - continuou ela mudando de tom - era atrever-me a falar com um estranho neste déshabillé tão pouco elegante...
- Elegantíssimo, pelo contrário.
- O senhor tem sempre um cumprimento de reserva: vejo que não perdeu o tempo na Academia. Vou-me embora. São horas da baronesa dar o seu passeio pela chácara.
- Será aquela senhora que ali está no alto da escada? - perguntou Estêvão.
- É ela mesma - respondeu Guiomar -. Está à espera que lhe vá dar o braço.
E com um gesto friamente fidalgo, estendeu a mão a Estêvão dizendo:
- Passe bem, senhor doutor, estimei vê-lo.
Estêvão tocou-lhe levemente na mão, fina e macia, e inclinou-se respeitoso. A moça caminhou para casa. Ele acompanhou-a com os olhos, admirando a gentileza com que ela, desta vez a passo acelerado, resvalava por entre as árvores até subir as escadas da casa. Viu-a dar o braço à madrinha, descerem e seguirem vagarosamente pelo mesmo caminho por onde Guiomar seguira da primeira vez.
Estêvão ainda ficou algum tempo encostado à cerca, na esperança de que ela olhasse ou dirigisse os passos para aquele lado; ela, porém, passou indiferente, como se nem da existência dele soubera. Estêvão retirou-se dali cabisbaixo e triste, batido de contrários sentimentos, cheio de uma tristeza e de uma alegria que mal se combinavam, e por cima de tudo isso o eco vago e surdo desta interrogação:
- Entro num drama ou saio de uma comédia?
IV
LATET ANGUIS
O passeio da baronesa durou pouco mais de meia hora.
O sol começava a aquecer, e, apesar de ser bastante sombreada a chácara, o calor aconselhava à boa senhora que se recolhesse. Guiomar deu-lhe o braço, e ambas, seguindo pelo mesmo caminho, guiaram para casa.
- Parece muito tarde, Guiomar - disse a baronesa ao cabo de alguns segundos.
- E é, madrinha. Demorei-me hoje mais do que costumo, por causa de um encontro que tive aqui na chácara.
- Um encontro?
- Um homem.
- Algum ladrão? - perguntou a madrinha parando.
- Não, senhora - respondeu Guiomar sorrindo -, não era ladrão. A minha mestra do colégio... sabe que morreu?
- Quem disse isso?
- O sobrinho, o tal sujeito que encontrei aqui hoje.
- Você está zombando comigo! Um homem na chácara?
- Não era bem na chácara, mas no jardim do Dr. Luís Alves. Estava encostado à cerca; trocamos algumas palavras.
A baronesa olhou para ela alguns segundos.
- Mas, menina, isso não é bonito. Que diriam se os vissem?... Eu não diria nada, porque conheço o que você vale, e sei a discrição que Deus lhe deu. - Mas as aparências... Que qualidade de homem é esse sobrinho?
Interrompeu-as uma mulher de quarenta e quatro a quarenta e cinco anos, alta e magra, cabelo entre louro e branco, olhos azuis, asseadamente vestida, a Sra. Oswald - ou, mais britanicamente, Mrs. Oswald -, dama de companhia da baronesa, desde alguns anos. Mrs. Oswald conhecera a baronesa em 1846; viúva e sem família, aceitou as propostas que esta lhe fez. Era mulher inteligente e sagaz, dotada de boa índole e serviçal. Antes da ida de Guiomar para a companhia da madrinha, era Mrs. Oswald a alma da casa; a presença de Guiomar, que a baronesa amava extremosamente, alterou um pouco a situação.
- São nove horas! - disse de longe a inglesa -; pensei que hoje não queriam voltar para casa. O calor está forte; e a senhora baronesa sabe que não é conveniente expor-se aos ardores do sol, sobretudo neste tempo de epidemias.
- Tem razão, Mrs. Oswald; mas Guiomar tardou hoje tanto em ir buscar-me, que o passeio começou tarde.
- Por que me não mandou chamar?
- Estava talvez a dormir, ou entretida com o seu Walter Scott...
- Milton - emendou gravemente a inglesa -; esta manhã foi dedicada a Milton. Que imenso poeta, D. Guiomar!
- Tamanho como este calor - observou Guiomar sorrindo -. Apertemos o passo e lá dentro a ouviremos com melhor disposição.
Foram as três andando, subiram a escada e entraram na sala de jantar, que era vasta, com seis janelas para a chácara. Dali seguiram para uma saleta, onde a baronesa sentou-se na sua poltrona, a esperar a hora do almoço. Guiomar saiu para ir cuidar da toilette; e a baronesa, que desde alguns minutos estivera cabisbaixa e pensativa, olhou fixamente para Mrs. Oswald, sem dizer palavra.
Era ela uma senhora de cinquenta anos, refeita, vestida com esse alinho e esmero da velhice, que é um resto da elegância da mocidade. Os cabelos, cor de prata fosca, emolduravam-lhe o rosto sereno, algum tanto arrugado, não por desgostos, que os não tivera, mas pelos anos. Os olhos luziam de muita vida, e eram a parte mais juvenil do rosto.
Tendo casado cedo, coube-lhe a boa fortuna de ser igualmente feliz desde o dia do noivado até o da viuvez. A viuvez custara-lhe muito; mas já lá iam alguns anos, e da crua dor que tivera ficara-lhe agora a consolação da saudade.
- Chegue-se mais perto; preciso falar-lhe a sós - disse ela à inglesa, que se achava a alguns passos de distância.
Mrs. Oswald foi até a porta espreitar se viria alguém e voltou a sentar-se ao pé da baronesa. A baronesa estava outra vez pensativa, com as mãos cruzadas no regaço e os olhos no chão.
Estiveram as duas ali silenciosas alguns dous ou três minutos. A baronesa despertou enfim das reflexões, e voltou-se para a inglesa:
- Mrs. Oswald - disse ela -, parece estar escrito que não serei completamente feliz. Nenhum sonho me falhou nunca; este, porém, não passará de sonho, e era o mais belo de minha velhice.
- Mas por que desespera? - disse a inglesa. Tenha ânimo, e tudo se há de arranjar. Pela minha parte, oxalá pudesse contribuir para a completa felicidade desta família, a quem devo tantos e tamanhos benefícios.
- Benefícios!
- E que outra cousa são os seus carinhos, a proteção que me tem dado, a confiança...
- Está bom, está bom - interrompeu afetuosamente a baronesa -; falemos de outra cousa.
- Dela, não é? Diz-me o coração que com alguma paciência tudo se alcançará. Todos os meios se hão de tentar; e todos eles são bons se se trata de fazer a felicidade sua e dela. Bem está o que bem acaba, disse um poeta nosso, homem de juízo. Por enquanto só vejo um obstáculo: a pouca disposição...
- Só esse?
- Que outro mais?
- Talvez outro - disse a baronesa abaixando a voz -; pode ser que não, mas tão infeliz sou neste meu desejo, que há de vir a ser obstáculo, talvez.
- Mas que é?
- Um homem, um moço, não sei quem, sobrinho da mestra que foi de Guiomar... Ela mesma contou-me tudo há pouco.
- Tudo o quê?
- Não sei se tudo; mas enfim disse-me que, estando a passear na chácara, vira o tal sobrinho da mestra, junto à cerca do Dr. Luís Alves, e ficara a conversar com ele. Que será isto, Mrs. Oswald? Algum amor que continua ou recomeça agora - agora, que ela já não é a simples herdeira da pobreza de seus pais, mas a minha filha, a filha do meu coração.
A comoção da baronesa ao proferir estas palavras era tal, que Mrs. Oswald pegou-lhe afetuosamente das mãos e procurou confortá-la com outras palavras de esperança e confiança. Disse-lhe, além disso, que o simples conversar com esse homem, que aliás nenhuma delas conhecia, não era razão para supor uma paixão anterior.
- Enfim - concluiu a inglesa -, custa-me crer que ela ame a alguém neste mundo. Por enquanto estou que não gosta de ninguém, e a nossa vantagem não é outra senão essa. Sua afilhada tem uma alma singular; passa facilmente do entusiasmo à frieza, e da confiança ao retraimento. Há de vir a amar, mas não creio que tenha grandes paixões, ao menos duradouras. Em todo o caso, posso responder-lhe atualmente pelo seu coração, como se tivesse a chave na minha algibeira.
A baronesa abanou a cabeça.
- Quanto a esse homem - continuou Mrs. Oswald -, saberemos quem é ele, e que relações de afeto houve no passado.
- Parece-lhe possível?
- Naturalmente!
A inglesa proferiu esta única palavra com a segurança necessária para serenar o ânimo da boa senhora, que ficou algum tempo a olhar pasmada para ela, como quem refletia.
- Há ocasiões - disse enfim a baronesa ao cabo de alguns segundos de silêncio -, há ocasiões em que eu quase chego a sentir remorsos do amor que tenho a Guiomar. Ela veio preencher na minha vida o vácuo deixado por aquela pobre Henriqueta, a filha das minhas entranhas, que a morte levou consigo, para mal de sua mãe. Se havia de ser infeliz, melhor é que a chore morta, com a esperança de a ir encontrar no céu. Mas não lhe quis mais, nem talvez tanto, como a esta criança, que levei à pia, e de quem Deus me fez mãe...
A baronesa calou-se; ouvira passos no corredor.
Guiomar, embora tivesse ido vestir-se e aprimorar-se, com tão singelos meios o fizera, que não desdizia daquele matinal desalinho em que o leitor a viu no capítulo anterior. O penteado era um capricho seu, expressamente inventado para realçar a um tempo a abundância dos cabelos e a senhoril beleza da testa. As pontas bordadas de um colarinho de cambraia dobravam-se faceiramente sobre o azul do vestido de glacé, talhado e ornado com uma simplicidade artística. Isto, e pouco mais, era toda a moldura do painel - um dos mais belos painéis que havia por aqueles tempos em toda a praia de Botafogo.
– Viva a minha rainha de Inglaterra! – exclamou Mrs. Oswald quando a viu assomar à porta da saleta.
E Guiomar sorriu com tanta satisfação e gozo ao ouvir-lhe esta saudação familiar, que um observador atento hesitaria em dizer se era aquilo simples vaidade de moça, ou se alguma cousa mais.
A baronesa pôs os olhos na afilhada, uns olhos amorosos e tristes, em que a moça reparou, e que a tornaram séria durante alguns rápidos segundos. Mas sorriu depois; e pegando das mãos da madrinha deu-lhe dous beijos no rosto, com tanta ternura e tão sincera, que a boa senhora sorriu de contentamento.
- Não precisa falar - disse Guiomar -, já sei que me acha bonita. É o que me diz todos os dias, com risco de me perder, porque, se eu acabo vaidosa, adeus, minhas encomendas, ninguém mais poderá comigo.
Guiomar disse isto com tanta graça e singeleza, que a madrinha não pôde deixar de rir, e a melancolia acabou de todo. A sineta do almoço chamou-as a outros cuidados, e a nós também, amigo leitor. Enquanto as três almoçam, relanceemos os olhos ao passado, e vejamos quem era esta Guiomar, tão gentil, tão buscada e tão singular, como dizia Mrs. Oswald.
V
MENINICE
Guiomar tivera humilde nascimento; era filha de um empregado subalterno não sei de que repartição do Estado, homem probo, que morreu quando ela contava apenas sete anos, legando à viúva o cuidado de a educar e manter. A viúva era mulher enérgica e resoluta, enxugou as lágrimas com a manga do modesto vestido, olhou de frente para a situação e determinou-se à luta e à vitória.
A madrinha de Guiomar não lhe faltou naquele duro transe, e olhou por elas, como entendia que era seu dever. A solicitude, porém, não foi tão constante a princípio como veio a ser depois; outros cuidados de família lhe chamavam a atenção.
Guiomar anunciava desde pequena as graças que o tempo lhe desabrochou e perfez. Era uma criaturinha galante e delicada, assaz inteligente e viva, um pouco travessa, decerto, mas muito menos do que é usual na infância. Sua mãe, depois que lhe morrera o marido, não tinha outro cuidado na terra, nem outra ambição mais, que a de vê-la prendada e feliz. Ela mesma lhe ensinou a ler mal - como ela sabia - e a coser e bordar, e o pouco mais que possuía de seu ofício de mulher. Guiomar não tinha dificuldade nenhuma em reter o que a mãe lhe ensinava, e com tal afinco lidava por aprender, que a viúva - ao menos nessa parte - sentia-se venturosa. Hás de ser a minha doutora, dizia-lhe muita vez; e esta simples expressão de ternura alegrava a menina e lhe servia de incentivo à aplicação.
A casa em que moravam era naturalmente modesta. Ali correu a infância - mas solitária, o que é um pouco mais grave. A mãe, quando a via embebida nos jogos próprios da idade, infantilmente alegre - mas de uma alegria que fazia mal a seus olhos de mãe, tão fundo lhe doía aquele viver -, a mãe sentia às vezes pularem-lhe as lágrimas dos olhos fora. A filha não as via, porque ela sabia escondê-las; mas adivinhava-as através da tristeza que lhe ficava no rosto. Só não adivinhava o motivo, mas bastava que fossem mágoas de sua mãe, para lhe descair também a alegria.
Com o tempo, avultou outra causa de tristeza para a pobre viúva, ainda mais dolorosa que a primeira. Na idade apenas de dez anos, tinha Guiomar uns desmaios de espírito, uns dias de concentração e mudez, uma seriedade, a princípio intermitente e rara, depois frequente e prolongada, que desdiziam da meninice e faziam crer à mãe que eram prenúncios de que Deus a chamava para si. Hoje sabemos que não eram. Seria acaso efeito daquela vida solitária e austera, que já lhe ia afeiçoando a alma e como que apurando as forças para as pugnas da vida?
A primeira vez que esta gravidade da menina se lhe tornou mais patente foi uma tarde, em que ela estivera a brincar no quintal da casa. O muro do fundo tinha uma larga fenda, por onde se via parte da chácara pertencente a uma casa da vizinhança. A fenda era recente; e Guiomar acostumara-se a ir espairecer ali os olhos, já sérios e pensativos. Naquela tarde, como estivesse olhando para as mangueiras, a cobiçar talvez as doces frutas amarelas que lhe pendiam dos ramos, viu repentinamente aparecer-lhe diante, a cinco ou seis passos do lugar em que estava, um rancho de moças, todas bonitas, que arrastavam por entre as árvores os seus vestidos, e faziam luzir aos últimos raios do sol poente as jóias que as enfeitavam. Elas passaram alegres, descuidadas, felizes; uma ou outra lhe dispensou talvez algum afago; mas foram-se, e com elas os olhos da interessante pequena, que ali ficou largo tempo absorta, alheia de si, vendo ainda na memória o quadro que passara.
A noite veio, a menina recolheu-se pensativa e melancólica, sem nada explicar à solícita curiosidade da mãe. Que explicaria ela, se mal podia compreender a impressão que as cousas lhe deixavam? Mas, como a mãe entristecesse com aquilo, Guiomar domou o próprio espírito e fez-se tão jovial como nos melhores dias.
Esta era ainda outra feição da menina; tinha uma força de vontade superior aos seus anos. Com ela, e a viveza intelectual que Deus lhe dera, logrou aprender tudo o que a mãe lhe ensinara, e melhor ainda do que ela o sabia, desde que o tempo lhe permitiu desenvolver os primeiros elementos.
Aos treze anos ficou órfã; este fundo golpe em seu coração foi o primeiro que ela verdadeiramente pôde sentir, e o maior que a fortuna lhe desfechou. Já então a madrinha a fizera entrar para um colégio, onde aperfeiçoava o que sabia e onde lhe ensinavam muita cousa mais.
Vivia ainda então a filha da baronesa, uma interessante criança de treze anos, que era toda a alma e encanto de sua mãe. Guiomar visitava a casa da madrinha; a idade quase igual das duas meninas, a afeição que as ligava, a beleza e meiguice de Guiomar, a graciosa compostura de seus modos, tudo apertou entre a madrinha e a afilhada os laços puramente espirituais que as uniam antes. Guiomar correspondia aos sentimentos daquela segunda mãe; havia talvez em seu afeto, aliás sincero, um tal encarecimento que podia parecer simulação. O afeto era espontâneo; o encarecimento é que seria voluntário.
Tinha a moça dezesseis anos quando passou para o colégio da tia de Estêvão, onde pareceu à baronesa se lhe poderia dar mais apurada educação. Guiomar manifestara então o desejo de ser professora.
- Não há outro recurso - disse ela à baronesa quando lhe confiou esta aspiração.
- Como assim? - perguntou a madrinha.
- Não há - repetiu Guiomar -. Não duvido, nem posso negar o amor que a senhora me tem; mas a cada qual cabe uma obrigação, que se deve cumprir. A minha é... é ganhar o pão.
Estas últimas palavras passaram-lhe pelos lábios como que à força. O rubor subiu-lhe às faces; dissera-se que a alma cobria o rosto de vergonha.
- Guiomar! - exclamou a baronesa.
- Peço-lhe uma cousa honrosa para mim - respondeu Guiomar com simplicidade.
A madrinha sorriu e aprovou-a com um beijo - assentimento de boca, a que já o coração não respondia, e que o destino devia mudar.
Pouco tempo depois padeceu a baronesa o golpe quase mortal a que aludiu no capítulo anterior. A filha morreu de repente, e o inopinado do desastre quase levou a mãe à sepultura.
A afeição de Guiomar não se desmentiu nessa dolorosa situação. Ninguém mostrou sentir mais do que ela a morte de Henriqueta, ninguém consolou tão dedicadamente a infeliz que lhe sobrevivia. Eram ainda verdes os seus anos; todavia revelou ela a posse de uma alma igualmente terna e enérgica, afetuosa e resoluta. Guiomar foi durante alguns dias a verdadeira dona da casa; a catástrofe abatera a própria Mrs. Oswald.
O coração da pobre mãe ficara tão vazio, e a vida lhe pareceu tão agra e deserta sem a filha, que ela morreria talvez de saudade, se não fora a presença de Guiomar. Nenhuma outra criatura poderia preencher, como esta, o lugar de Henriqueta. Guiomar era já meia filha da baronesa; as circunstâncias, não menos que o coração, tinham-nas destinado uma para a outra. Um dia, em que a afilhada fora visitar a madrinha, esta lhe disse que a iria em breve buscar para sua casa.
- Você será a filha que eu perdi; ela não me amou mais, nem eu já agora teria outra consolação.
- Oh! Madrinha! - exclamou Guiomar beijando-lhe as mãos.
A baronesa estava assentada; Guiomar ajoelhou-se-lhe aos pés e pôs-lhe a cabeça no regaço. A boa mãe curvou-se e beijou-lha ternamente, com os olhos naquela filha que os sucessos lhe haviam dado, e o pensamento no céu, onde devia estar a outra, que Deus lhe dera e levou para si.
Pouco depois estabeleceu-se Guiomar definitivamente em casa da madrinha, onde a alegria reviveu, gradualmente, graças à nova moradora, em quem havia um tino e sagacidade raros. Tendo presenciado, durante algum tempo, e não breve, o modo de viver entre a madrinha e Henriqueta, Guiomar pôs todo o seu esforço em reproduzir pelo mesmo teor os hábitos de outro tempo, de maneira que a baronesa mal pudesse sentir a ausência da filha. Nenhum dos cuidados da outra lhe esqueceu, e se em algum ponto os alterou foi para aumentar-lhe novos. Esta intenção não escapou ao espírito da baronesa, e é supérfluo dizer que deste modo os vínculos do afeto mais se apertaram entre ambas.
Ao mesmo tempo que ia provando os sentimentos de seu coração, revelava a moça, não menos, a plena harmonia de seus instintos com a sociedade em que entrara. A educação, que nos últimos tempos recebera, fez muito, mas não fez tudo. A natureza incumbira-se de completar a obra - melhor diremos, começá-la. Ninguém adivinharia nas maneiras finamente elegantes daquela moça a origem mediana que ela tivera; a borboleta fazia esquecer a crisálida.