Um dia, passando Silvestre pela Academia das Belas Artes, viu-a aberta; entrou, pediu para ver alguns quadros. A simplicidade do pedido desviou a ideia de qualquer objeção. Demais, a comoção do pequeno era visível; era por força comoção de artista. Quando ele de lá saiu, duas horas depois, tinha o olhar alucinado, o pulso febril, o passo trêmulo. A vista das salas e dos alunos fascinava-o, revolvia-o todo. Vira com os olhos os quadros da Academia; com o espírito viu uma infinidade de obras-primas, e sobre todas elas uma que ele trazia em si, inédita, virgem, à espera de ver o sol, de a saudarem os séculos. Essa obra-prima não era a caricatura do fiel do cartório, menos ainda os traslados do escrivão. Silvestre vagou longo tempo pelas ruas da cidade. Quando cansou, refletiu no que lhe cumpria fazer para substituir a pena pelo pincel; e concluiu que era pedi-lo ao pai. Assim disposto, dirigiu-se para casa onde entrou alegre como nunca o vira a família. Entrou; foi ter com o livro misterioso, abriu-o e contemplou com a alma toda. Era uma história da pintura, entremeada de gravuras representando painéis célebres. As mulheres nuas que tanto irritaram o procurador eram umas Vênus e Bacantes, ali inseridas entre as Virgens de Correggio e Rafael. Silvestre fartou-se de contemplar as obras e releu a história de alguns pintores. A ambição não lhe falava na alma; ele não perguntava se o futuro lhe daria as palmas do Dominiquino e Rembrandt. Não; o que lhe pulava dentro era um painel que ele devia fazer, uma ideia, um sentimento, alguma cousa sublime que tinha necessidade de traduzir na tela e legar à imortalidade.